Francisco Perna Filho - Poema


Foto by Rhett A. Butler
ACONTECIMENTOS



São duros os acontecimentos
do meu tempo:
escândalos,
crimes,
corrupção.
Enquanto isso, 
lá no fundo,
a poesia,
à maneira da flor,
imprensada na rocha,
nas pedras de Cida Almeida,
silenciosa,
rompe o escuro das trevas
e, timidamente, brota.

Do lado de cá,
na rua deserta,
não há mais o grito do jornaleiro,
somente o silêncio:
Chico Anysio, Millôr Fernandes, /tio Tito Perna.

O tempo de agora
continua infinito,
e nele retumbam os acontecimentos
no instante,
no instantâneo do click,
do compartilhamento:
- quantos homens sós, meu Deus!

As vozes do meu tempo
são midiáticas,
virtuais,
escondidas,
quase inaudíveis,
mas fazem estragos maiores
do que o grito.

A dor do meu tempo é coletiva,
sofremos todos,
ainda cedo,
desde a Síria, 
Egito, 
Palestina, 
Haiti.
Sentimos muito,
entre uma colher e outra 
que levamos à boca.
Já nos acostumamos.

Vivemos a morte,
coletivamente,
sem remorso,
sem culpa,
sem memória,
sem nos darmos conta 
de que também
morremos.

Lindolf Bell - Poema



Imagem by Androxa


A PALAVRA DESTINO



Deixai vir a mim
a palavra destino.

Manhã de surpresas, lascívia e gema.
Acasos felizes, deslizes.
Ovo dentro da ave dentro do ovo.
Palavra folha e flor.

Deixai vir a mim palavra
e seus versos, reversos:
         metamorfose,
         metaformosa.

Deixai vir a mim
a palavra pão-de-consolo.
Livre de ataduras, esparadrapos,
choques elétricos
e sutis guardanapos em seco engolidos socos.

Deixai vir a mim
a palavra intumescida pelo desejo .
a palavra em alvoroço sutil, ardil
e ave na folhagem da memória.
A palavra estremecida entre a palavra.
A palavra entre o som
mas entre o silêncio do som.

Deixai vir a mim
a palavra entre homem e homem.
E a palavra entre o homem
e seu coração posto à prova
na liberdade da palavra coração.

Deixai vir a mim
a palavra destino.

Odorico Tavares - Poema




VOLTA À CASA PATERNA

Limpem o espelho.
Se quiserem, não mexam na mobília.
Mas limpem o espelho:
Vai haver a volta a casa paterna.

Verdade é que não sei se tudo pode ficar como dantes:
se os sapatos ainda me caberão,
se as roupas apertadas ficarão,
se nos livros as antigas leituras estarão.
Mas limpem o espelho.

O rio pode muito bem ter desviado o seu curso,
e não encontrarei mais o local dos banhos à tardinha.

As pedras das ruas possivelmente não terão mais as marcas dos meus pés.
E nenhum indivíduo me indicará os caminhos conhecidos.
As árvores mesmo, se não são outras, mostrarão velhos troncos irreconhecíveis
Perguntarei inutilmente pelos companheiros:
Antônio? Frederico? Baltazar?
Oh! vozes que não me respondem! Amigos que jamais verei!

Decerto terei pelo menos as vozes dos pais ressoando de leve pelas paredes.

Por isso, limpem o espelho,
porque, apesar de todos os disfarces,
a imagem da criança que se foi há muito tempo e hoje voltou
se refletirá nítida e forte com a pureza e o encanto dos seus
primeiros sorrisos.

Imagem retirada da Internet: espelho

Bandeira Tribuzi - Poema




Imagem

Vista do mar, a cidade, 
subindo suas ladeiras, 
parece humilde presépio 
levantado por mãos puras: 
nimbada de claridade, 
ponteia velhos telhados 
com as torres das igrejas 
e altas copas de palmeiras.  
Seus dois rios, como braços 
cingem-lhe a doce figura.

Sobre a paz de sua imagem 
flui a música do tempo, 
cresce o musgo dos telhados 
e a umidade das paredes 
escorre pelos sobrados 
o amargo sal dos invernos.  
Tudo é doce e até parece 
que vemos só o animado 
contorno de iluminura 
e não a realidade: 
vista do mar, a cidade 
parece humilde presépio 
levantado por mãos puras 
e em sua simplicidade 

esconde glórias passadas,
sonha grandezas futuras.

Imagem retirada da Internet: São Luís do Maranhão

Octavio Paz - Poema


 
CREPÚSCULOS DE LA CIUDAD

A Rafael Vega Albela,
que aquí padeció

          I

Devora el sol restos ya inciertos;
el cielo roto, hendido, es una fosa;
la luz se atarda en la pared ruinosa;
polvo y salitre soplan sus desiertos.

Se yerguen más los fresnos, más despiertos,
y anochecen la plaza silenciosa,
tan a ciegas palpada y tan esposa
como herida de bordes siempre abiertos.

Calles en que la nada desemboca,
calles sin fin andadas, desvarío
sin fin del pensamiento desvelado.

Todo lo que me nombra o que me evoca
yace, ciudad, en ti, yace vacío,
en tu pecho de piedra sepultado.





Octavio Paz - Poema


AGUA NOCTURNA




La noche de ojos de caballo que tiemblan en la noche,
la noche de ojos de agua en el campo dormido,
está en tus ojos de caballo que tiembla,
está en tus ojos de agua secreta.

Ojos de agua de sombra,
ojos de agua de pozo,
ojos de agua de sueño.

El silencio y la soledad,
como dos pequeños animales a quienes guía la luna,
beben en esos ojos,
beben en esas aguas.

Si abres los ojos,
se abre la noche de puertas de musgo,
se abre el reino secreto del agua
que mana del centro de la noche.

Y si los cierras,
un río, una corriente dulce y silenciosa,
te inunda por dentro, avanza, te hace oscura:
la noche moja riberas en tu alma.

Murilo Mendes - Poema

 

A VOLTA DO FILHO PRÓDIGO


Ofício no altar terrestre,
Roseiras dando-se as mãos,
Iluminações na usina.
O filho pródigo
Despertou as nuvens,
Levanta a saia das árvores,
Abraça o amigo e o inimigo.
Navios batendo palmas
O esperam na enseada.

Ordenam a sinfonia:
Nijinsky dançando no arco-íris
Reconcilia o céu e a terra.

Imagem retirada da Internet: Nijinsky

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