Foto by Rhett A. Butler
ACONTECIMENTOS
São duros os acontecimentos
do meu tempo:
escândalos,
crimes,
corrupção.
Enquanto isso,
lá no fundo,
a poesia,
à maneira da flor,
imprensada na rocha,
nas pedras de Cida Almeida,
silenciosa,
rompe o escuro das trevas
e, timidamente, brota.
Do lado de cá,
na rua deserta,
não há mais o grito do jornaleiro,
somente o silêncio:
Chico Anysio, Millôr Fernandes, /tio Tito Perna.
O tempo de agora
continua infinito,
e nele retumbam os acontecimentos
no instante,
no instantâneo do click,
no instantâneo do click,
do compartilhamento:
- quantos homens sós, meu Deus!
As vozes do meu tempo
são midiáticas,
virtuais,
escondidas,
quase inaudíveis,
mas fazem estragos maiores
do que o grito.
A dor do meu tempo é coletiva,
sofremos todos,
ainda cedo,
desde a Síria,
Egito,
Palestina,
Haiti.
Sentimos muito,
entre uma colher e outra
que levamos à boca.
Já nos acostumamos.
Vivemos a morte,
coletivamente,
sem remorso,
sem culpa,
sem memória,
sem nos darmos conta
de que também
morremos.