Vera Lúcia de Oliveira - Poema


MEMÓRIA




abundância de rastros
que não se cancelam
fascinados pelo assombro
de atravessar as esperas
com seus passos abortos
subindo pelas artérias
em busca de outro corpo


(Do livro Entre as junturas dos ossos, Ministério da Educação, 2006, Brasília (Prêmio “Literatura para Todos”, 2006)
Imagem retirada da Internet: passos

Vera Lúcia de Oliveira - Poema


OS PÁSSAROS




os pássaros de pedra dilatam as oferendas
os pássaros de carne batem-se contra as grades
os pássaros de lata arrulham nas ferrovias dos nervos
os pássaros de madeira mascam o macio dos músculos
os pássaros de papel voam para dentro das crases
os pássaros de carvão rabiscam suas asas no ventre
os pássaros de fogo puxam os pássaros de chuva
os pássaros de pano acalentam os pássaros de pranto


(Do livro Entre as junturas dos ossos, Ministério da Educação, 2006, Brasília (Prêmio “Literatura para Todos”, 2006)
Imagem retirada da Internet: pássaros

Vera Lúcia de Oliveira - Poema


PAISAGEM




solidão de morros
solidão de tetos mudos
solidão congênita de estradas
um cão manco um passante
apressado
uma touceira
um muro
uma calçada


Imagem retirada da Internet: solidão


(Do livro Entre as junturas dos ossos, Ministério da Educação, 2006, Brasília (Prêmio “Literatura para Todos”, 2006)

Vera Lúcia de Oliveira - Poema


A LAMA




a lama de que brotou o osso
a lama de casa própria
pegadiça e lenta
a lama
de fundo de quintal
a lama de chuva fina
(ancoradouro
de enxurradas)

a lama por onde deflui
a essência do nosso sangue
a lama onde roça
o nosso pisado
a lama de que se molda
a substância
do cordão umbilical


(Do livro Entre as junturas dos ossos, Ministério da Educação, 2006, Brasília (Prêmio “Literatura para Todos”, 2006)

Vera Lúcia de Oliveira - Poema


ONDE




onde vou buscar as areias
onde vou buscar o barulho
do branco no sol
a palavra do branco
e seu avesso
onde vou buscar as pegadas
no branco
os ossos moídos no branco
os cemitérios brancos


(Do livro Entre as junturas dos ossos, Ministério da Educação, 2006, Brasília (Prêmio “Literatura para Todos”, 2006)


Imagem retirada da Internet: cemitério

Vera Lúcia de Oliveira - Poema


PELO FOGO DA FALA




pelo fogo das palavras
pela sarça ardente das palavras
pisando por rugas de telhas
enquanto o coração crescia

pelo fogo da fala
pelo pavio secreto da língua
pela fagulha ardente
crescia meu coração
como crescem as folhas
que o vento arrasta no ardor da combustão


(Do livro Entre as junturas dos ossos, Ministério da Educação, 2006, Brasília (Prêmio “Literatura para Todos”, 2006)

Imagem retirada da Internet: centelha

Vera Lúcia de Oliveira - Poema



 

Neste final de ano, o Banzeiro Textual apresenta uma coletânea de  Poemas de Vera Lúcia de Oliveira, gentilmente organizada pela Autora para este Blog. Vera é uma das maiores vozes da Poesia Brasileira Contemporânea. 

Vera Lúcia de Oliveira é doutora em Línguas e Literaturas Ibéricas e Ibero-Americanas pela Università degli Studi di Palermo (Itália). Atualmente ensina Literatura Portuguesa e Brasileira na Università degli Studi di Perugia (Itália). O livro inédito La carne quando è sola, escrito originalmente em italiano, foi o vencedor do Prêmio Internacional de Poesia Piero Alinari, organizado pela Fundação Alinari, de Florença, em colaboração com Cátedra Giuseppe Ungaretti da Columbia University, de New York. O mesmo será publicado pela editora SEF (Società Editrice Fiorentina). Em 2006, o Ministério da Educação outorgou-lhe o Prêmio Literatura para Todos, na categoria de poesia, pelo livro Entre as junturas dos ossos, publicado pelo MEC em 110 mil exemplares e distribuído nas bibliotecas de todo o Brasil. Em 2005, recebeu o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras com o livro A chuva nos ruídos, publicado pela Escrituras. Recebeu também outros prêmios nacionais e internacionais de poesia e seus poemas foram traduzidos e publicados em várias antologias no Brasil, Itália, Alemanha, Estados Unidos, Romênia, Espanha e Portugal. Tradutora e divulgadora da literatura brasileira na Itália, escreve tanto em português como em italiano. Organizou antologias de vários poetas brasileiros e portugueses, entre os quais Nuno Judice, Lêdo Ivo e Carlos Nejar.

Entres os livros publicados, de poesia e ensaios, estão Geografia d'ombra (poesia), Fonèma Venezia, 1989; Tempo de doer/Tempo di soffrire (poesia), Pellicani, Roma, 1998; La guarigione (poesia), La Fenice, Senigallia, 2000; Poesia, mito e história no Modernismo brasileiro (ensaio), Editora da Unesp e Edifurb, São Paulo, 2002; A chuva nos ruídos (antologia poética), São Paulo, Escrituras, 2004; Verrà l'anno (poesia), Fara, Santarcangelo di Romagna, 2005; Storie nella storia: le parabole di Guimarães Rosa (ensaio), Pensa, Lecce, 2005; No coração da boca (poesia), São Paulo, Escrituras, 2006; A poesia é um estado de transe (poesia), São Paulo, Portal Editora, 2010; La carne quando è sola (poesia), Firenze, Società Editrice Fiorentina, 2011.




nem todo verbo
há de sangrar
na vértebra
também com anestesia
se há de se ir
dissecá-lo

para que não se perca
a parte dentro do nome
o que se desgruda por último
a margem ao redor do nome
o que perscruta em nossa boca
a ausência do pronome


(Do livro A chuva nos ruídos, Escrituras, 2004, São Paulo (Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras, 2005).

Imagem retirada da Internet: significante

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