Castro Alves - Poema



Partida do meu mestre do coração


 
O Exmo. Sr. D. Antônio de Macedo Costa, Bispo do Pará




Oh! Que silêncio expressivo!
Que triste melancolia!
Tudo nos diz dores;
Tudo nos diz agonia!
Chora terno o caro mestre,
O discip'lo também chora;
Que todos sofrem agora!


Apenas ouço soluços
Arrancados dentre prantos!
Tristes ais, filhos da dor,
Partidos de peitos tantos!
Frases puras que bem dizem
O sofrer, as aflições,
Que pungem tais corações!...


Mas por que todos conjuntos,
Estais assim a chorar?
Que motivo vossas almas
Pôde assim sensibilizar?
Que motivo vossos peitos
Faz assim 'starem sofrendo;
Tantas dores padecendo?


Ai! É que a ausência penosa
Já pouco tarda a chegar!
É que impiedoso o destino
Dos olhos vai nos roubar
O mestre, o mestre querido,
Que nos sabia ensinar
A nosso Deus adorar!


Ai! É que dentro em breve
(Talvez p'ra sempre, oh! meu Deus!)
Não possamos mais ouvir
Os santos conselhos seus!
Ele tão bom nos guiava
A salvo por entre a lida
Desta tão custosa vida!


Chora, bem triste, Ginásio,
Derrama pranto sem fim!
Ah! Chora que isto consola
A quem sofre dor assim!.
Chora, que não mais verás
Unido alegre contigo
O teu mestre, o teu amigo!


Chora, chora, meu Ginásio.
Eis a hora de partir,
D'hora em diante saudades
Cruéis vos hão de ferir!
Que a nós juntos como agora
Não mais há de alumiar
Este sol, que vês brilhar.


A pátria nos tira o mestre
É — nos preciso ceder;
Mas nos não proíbe o pranto,
Nem no-lo pode tolher;
Que então seria matar
Fé de amigo os sentimentos
E aumentar-nos os tormentos!...
 
Ginásio Baiano. 14 de julho de 1861.

O discípulo amigo do coração

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Manuel Bandeira - Poema


O último poema



Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.



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José Régio - Poema


Quando eu nasci




Quando eu nasci,
ficou tudo como estava,
Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais...
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...

P'ra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe...

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José Régio - Poema


Cântico Negro



"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!

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José Régio - Poema


Poema do silêncio



Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.

Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.

Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
-Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!

Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...

O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.

Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!

Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.

Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!

Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)
Senhor dá-me o poder de estar calado,
Quieto, maniatado, iluminado.

Se os gestos e as palavras que sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito vale,
Que eu me não mova! que eu não fale!

Ah! também sei que, trabalhando só por mim,
Era por um de nós. E assim,
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,
Lutava um homem pela humanidade.

Mas o meu sonho megalómano é maior
Do que a própria imensa dor
De compreender como é egoísta
A minha máxima conquista...

Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,
E sobre mim de novo descerá...

Sim, descerá da tua mão compadecida,
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome
Saciarão a minha fome.

Imagem retirada da Internet: silêncio

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