Ronald de Carvalho - Poema



Anoitece... 


Anoitece...
Venho sofrer contigo a hora dolente que erra,
Sob a lâmpada amiga, entre um vaso com rosas,
Um festão de jasmins, e a penumbra que desce...
Hora em que há mais distância e mágoa pela terra;
Quando, sobre os chorões e as águas silenciosas,
Redonda, a lua calma e sutil, aparece...


O rumor de uma voz sobe no espaço, ecoando,
Mais um dia se foi, menos uma ilusão!
E assim corre, igualmente, a ampulheta da vida.
Senhor! depois de mim, como folhas em bando,
Num crepúsculo triste, outros homens virão
Para recomeçar a rota interrompida,
E a amargura sem fim de um mesmo sonho vão...


Nos dormentes jardins bolem asas incautas,
Sobre os campos a bruma ondeia, devagar.
Estremecem no céu estrelas sonolentas
E os rebanhos, que vão na neblina lunar,
Agitam molemente, ao longe, as curvas lentas
Das estradas de esmalte, ao rudo som das frautas.


Anoitece...
Tremula ainda, no poente, a luz de alguns clarões,
E, enquanto sobre o meu teu olhar adormece,
Entre o perfil sombrio e vago dos chorões,
Redonda, a lua calma e distante, aparece...





Publicado no livro Poemas e Sonetos (1919).
In: MURICY, Andrade. Panorama do movimento simbolista brasileiro. 2.ed. Brasília: INL, 1973. v.2, p.1056. (Literatura brasileira, 12)- Fonte: Jornal de Poesia
Imagem retirada da Internet: vaso com rosas

Miguel Jorge - Veias e Vinhos - Lançamento

Francisco Perna Filho - Poema

   Flor de pequi - Foto by Francisco Perna Filho

Sob os olhos de Deus



Colho cores nesta manhã:
azuis, ocres, cinzas e amarelos.
são feixes de luz
emergindo da primavera.

Colho pássaros em arribação,
em voos tímidos,
planando sob os olhos de Deus.

Sirvo-me de um pedaço de cada coisa,
silenciadas no meu coração,
quando volto para casa.

Alberto da Cunha Melo - Poema



CANTO DOS EMIGRANTES



Com seus pássaros
ou a lembrança de seus pássaros,
com seus filhos            
ou a lembrança de seus filhos,
com seu povo
ou a lembrança de seu povo,
todos emigram.

De uma quadra a outra
do tempo,
de uma praia a outra
do Atlântico,
de uma serra a outra
das cordilheiras,
todos emigram.

Para o corpo de Berenice
ou o coração de Wall Street,
para o último templo
ou a primeira dose de tóxico,
para dentro de si
ou para todos, para sempre
todos emigram.



In. Imagem retirada da Internet: emigrante
In. Jornal de Poesia

Valéria Nogueira Eik - Poema


Foto by Fábio Pinheiro


Término




Quando um sentimento termina
sentimos a dor de não mais sentir dor
temos saudade da saudade que tínhamos
vem a tristeza da tristeza que acabou. 






Valéria Nogueira Eik - Poema


Na rede 


Meu corpo aninhado nos braços da rede
vai sentindo o balançar sossegado
deste leito que é o ódio
desta cama que é o amor.
Rede que range os dentes
e sibila rouca e lentamente:
ódio que vai
ódio que vem
ódio que vai
ódio que vem.
E neste odiar cheio de razão
ela me ensina docemente
que a lâmina fere
que a lâmina cura. 





In. Jornal de Poesia
Imagem retirada da Internet: rede

Francisco Perna Filho - Poema



New York 


o pássaro
vê a cidade
Lentamente/ letalmente
Mergulha. 
O pássaro
É de metal
E só percebe o próprio voo,
Desconsiderando as cores
E os sonhos que carrega.
O pássaro vê
Mas não ouve.
A cidade ouve
Mas não vê.
A vida imita a arte:
O pássaro explode
Em chamas,
A cidade
Chora escombros.



In. Refeição. Goiânia: Kelps, 2001.
Imagem: 11 de setembro de 2001

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