Valéria Nogueira Eik - Poema


Foto by Fábio Pinheiro


Término




Quando um sentimento termina
sentimos a dor de não mais sentir dor
temos saudade da saudade que tínhamos
vem a tristeza da tristeza que acabou. 






Valéria Nogueira Eik - Poema


Na rede 


Meu corpo aninhado nos braços da rede
vai sentindo o balançar sossegado
deste leito que é o ódio
desta cama que é o amor.
Rede que range os dentes
e sibila rouca e lentamente:
ódio que vai
ódio que vem
ódio que vai
ódio que vem.
E neste odiar cheio de razão
ela me ensina docemente
que a lâmina fere
que a lâmina cura. 





In. Jornal de Poesia
Imagem retirada da Internet: rede

Francisco Perna Filho - Poema



New York 


o pássaro
vê a cidade
Lentamente/ letalmente
Mergulha. 
O pássaro
É de metal
E só percebe o próprio voo,
Desconsiderando as cores
E os sonhos que carrega.
O pássaro vê
Mas não ouve.
A cidade ouve
Mas não vê.
A vida imita a arte:
O pássaro explode
Em chamas,
A cidade
Chora escombros.



In. Refeição. Goiânia: Kelps, 2001.
Imagem: 11 de setembro de 2001

Guilherme de Almeida - Poema



Canção do expedicionário


Você sabe de onde eu venho?
Venho do morro, do engenho,
das selvas, dos cafezais,
da choupana onde um é pouco,
dois é bom, três é demais.


Venho das praias sedosas,
das montanhas alterosas,
do pampa, do seringal,
das margens crespas dos rios,
dos verdes mares bravios,
de minha terra natal.


Por mais terras que eu percorra,
não permita Deus que eu morra
sem que eu volte para lá
sem que leve por divisa
esse "V" que simboliza
a vitória que virá:


Nossa Vitória final,
que é a mira do meu fuzil,
a ração do meu bornal,
a água do meu cantil,
as asas do meu ideal,
a glória do meu Brasil!


Eu venho da minha terra,
da casa branca da serra
e do luar do sertão;
venho da minha Maria
cujo nome principia
na palma da minha mão.


Braços mornos de Moema,
lábios de mel de Iracema
estendidos para mim!
Ó minha terra querida
da Senhora Aparecida
e do Senhor do Bonfim!


Você sabe de onde eu venho?
É de uma pátria que eu tenho
no bojo do meu violão;
que de viver em meu peito
foi até tomando um jeito
de um enorme coração.


Deixei lá atrás meu terreiro
meu limão meu limoeiro,
meu pé de jacarandá,
minha casa pequenina
lá no alto da colina
onde canta o sabiá.


Venho de além desse monte
que ainda azula no horizonte,
onde o nosso amor nasceu;
do rancho que tinha ao lado
um coqueiro que, coitado,
de saudade já morreu.


Venho do verde mais belo,
do mais dourado amarelo,
do azul mais cheio de luz,
cheio de estrelas prateadas
que se ajoelham, deslumbradas,
fazem o sinal da cruz!



In Jornal de Poesia
Imagem retirada da Internet: Guilherme de Almeida

Thiago de Mello


Flor de açucena

Quando acariciei o teu dorso,
campo de trigo dourado,
minha mão ficou pequena
como uma flor de açucena
que delicada desmaia
sob o peso do orvalho.
Mas meu coração cresceu
e cantou como um menino
deslumbrado pelo brilho
estrelado dos teus olhos.

In. Jornal de Poesia
Imagem retirada da Internet: Thiago de Mello

João Guimarães Rosa - Poema


guimaraes
O Caboclo d’Água


No lombo de pedra da cachoeira clara
as águas se ensaboam
antes de saltar.

E lá embaixo, piratingas, pacus e dourados
dão pulos de prata, de ouro e de cobre,
querendo voltar, com medo do poço
da quarta volta do rio,
largo, tranqüilo, tão chato e brilhante,
deitado a meio bote
como uma boipeva branca.

Na água parada,
entre as moitas de sarãs e canaranas,
o puraquê tem pensamentos
de dois mil volts.

À sombra dos mangues,
que despetalam placas vermelhas,
dois botos zarpam, resfolengando,
com quatro jorros,
a todo vapor.

E os jacarés cumpridos, de olhos esbugalhados,
soltam latidos , e vão fugindo,
estabanados, às rabanadas, espadanando,
porque do fundo
do grande remanso, onde ninguém acha o fundo,
vem um rugido , vem um gemido,
tão rouco e feio, que as ariranhas
pegam no choro, como meninos.

O canoeiro
que vem no remo, desprevenido,
ouve o gemido e fica a tremer.
É o caboclo d’água,
todo peludo, todo oleoso,
que vem subindo lá das profundas,
e a mão enorme,preta e palmada,
de garras longas,
pega o rebordo da canoinha
quase a virar.

E o canoeiro, de facão pronto,
fica parado, rezando baixo,
sempre a tremer

Crescendo d’água ,lá vem a máscara,
negra e medonha,
de um gorila de olhar humano,
o Caboclo d’água
ameaçador.

E o canoeiro já não tem medo,
porque o Caboclo o olhou de frente,
todo molhado,
com olhos tristonhos,rosto choroso,
quase falando,
quase perguntando
pela ingrata Iara,
que, já faz tempo, se foi embora,
que há tantos anos o abandonou...


In.Magma. Editora Nova Fronteira.
Imagem retirada da Internete: Guimarães Rosa

D. Dinis - Cantiga de Amor

     

    Se eu podess' ora meu coraçon,
senhor, forçar e poder-vos dizer
quanta coyta mi fazedes sofrer
por vós, cuyd' eu, assy Deus mi perdon,
    que averiades doo de mi.

    Ca, senhor, pero me fazedes mal,
e mi nunca quisestes fazer ben,
se soubessedes quanto mal mi ven
por vós, cuyd' eu, par Deus, que pod' e val,
     que averiades doo de mi.

     E, pero mh-avedes gram desamor,
se soubessedes quanto mal levey
e quanta coyta, des que vos amey,
por vós, cuyd' eu per bõa fé, senhor,
      que averiades doo de mi.

     E mal seria, se non foss' assy.


In. Do Cancioneiro de D. Dinis. São Paulo: FTD, 1995, p.37
Imagem retirada da Internet: D.Dinis

   

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