Balada dos Enforcados
Irmãos humanos que depois de nós viveis.
Não tenhais duro contra nós o coração.
Porquanto se de nós, pobres, vos condoeis.
Deus vos concederá mais cedo o seu perdão.
Aqui nos vedes pendurados, cinco, seis:
Quanto à carne, por nós demais alimentada.
Temo-la há muito apodrecida e devorada,
E nós, os ossos, cinza e pó vamos virar.
De nossa desventura ninguém dê risada:
Rogai a Deus que a todos queira nos salvar!
Chamamo-vos irmãos : disso não desdenheis.
Apesar de a justiça a nossa execução
Ter ordenado. Vós, contudo, conheceis
Que nem todos possuem juízo firme e são.
Exculpai-nos – que mortos, mortos, nos sabeis -
Com o filho de Maria, a nunca profanada;
A sua graça, para nós, não finde em nada,
No inferno não nos venha o raio despenhar.
Ninguém nos atormente, a vida já acabada.
Rogai a Deus que a todos queira nos salvar!
A chuva nos lavou, limpou-nos, percebeis;
O sol nos ressequiu até à negridão;
Pegas, corvos cavaram nossos olhos – eis! -,
Tiraram-nos a barba, a bico e repuxão.
Em tempo algum tranqüilos nos contempiareis:
Para cá, para lá, o vento de virada
A seu talante leva-nos , sem dar pousada;
Mais que a dedal, picam-nos pássaros no ar.
Não queirais pertencer a esta nossa enfiada.
Rogai a Deus que a todos queira nos salvar!
Príncipe bom Jesus, de universal mandar,
Guardai-nos, ou o infemo nos arrecada:
Lá nada temos a fazer, nada a pagar.
Homens, aqui a zombaria é inadequada:
Rogai a Deus que a todos queira nos salvar!
Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos
In.Poemas de François Villon. São Paulo: Art Editora, 1986.