A burrice da bomba
Cada um sabe onde é mar ou onde é sertão na paisagem da sua solidão. A memória de ter sido é a mais recôndita e difícil lembrança. O fato de esquecermos passagens de nossa vida tem uma explicação: é que, quando as vivemos, não estivemos conscientes, ou estávamos mergulhados em sono profundo, a dormir pesadamente.
O homem só sabe que não sabia depois que aprendeu. Mas quase nunca aprendemos, pelo simples fato de não saber que não sabemos, ou de não querer saber. Pensar que se tem consciência é o caminho certo para não tê-la. Toda ilusão de nossas vidas se baseia na certeza de que sabemos, podemos fazer tudo o que quisermos, e que temos controle sobre nossos atos, pensamentos e palavras.
Se não fosse tão profundo o sono em que vivemos, poderíamos não ser tão mecânicos, e querer despertar. Mas, não tendo consciência de que estamos adormecidos, precisamos ser despertados por alguém que esteja (ou seja) acordado. Assim como, para sair de uma prisão, primeiro teríamos que ter consciência de que ali estamos como prisioneiros. O que nos mantém prisioneiros dentro de nós mesmos é não saber que não há liberdade sem consciência, nem consciência sem liberdade.
Sair sozinhos seria quase impossível. Teríamos de contar com ferramentas que só poderiam vir de fora. E também da ajuda de outros prisioneiros, que desejassem se libertar.
Sem falar no imprescindível auxílio dos que, tendo sido prisioneiros, quiseram se libertar, e o conseguiram. Conhecem, portanto, os caminhos que tornam possível (mas não certa) a libertação.
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Distorcemos o princípio mental a ponto de chamar uma bomba de inteligente. Ou de considerar santa uma guerra insana, ou que o acúmulo de bens materiais define a felicidade e a qualidade de vida de um povo, observou Sérgio Moraes. Associamos a felicidade a um determinado estado mental ou emocional, não sabendo que tudo faz o seu caminho e ascensão e de queda. Como bem diz o samba: “O que dá pra rir/dá pra chorar/ Questão só de peso e medida/Problema de hora e lugar/”.
A visão que compreende é o pensamento (ou a ação) que transforma o sonho em realidade não a que proclama à praça ser dona da verdade, e gerente de consciências. Afinal, uma pandemia acadêmica seria aquela em que a vaidade tomasse de assalto uma cidade, e contaminasse todas as suas possíveis verdades.
Brasigóis Felício é Poeta e Jornalista, Membro da Academia Goiana de Letras.
Foto retirada da Internet: Bomba