Castro Alves - Poema




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A uma estrangeira



Lembrança de uma noite no mar
Sens-tu mon coeur, comme U palpite?
Le tien comme il battait gaiement!
Je m'en vais pourtant, ma petite,
Bien loin, bien vite, Toujours t'aimant.
(Chanson)


Inês! nas terras distantes,
Aonde vives talvez,
Inda lembram-te os instantes
Daquela noite divina?...
Estrangeira, peregrina,

Quem sabes?-Lembras-te, Inês?
Branda noite! A noite imensa
Não era um ninho?-Talvez!...
Do Atlântico a vaga extensa
Não era um berço? — Oh! Se o era...
Berço e ninho... ai, primavera!

O ninho, o berço de Inês.
Às vezes estremecias...
Era de febre? Talvez...
Eu pegava-te as mãos frias
P'ra aquentá-las em meus beijos...
Oh! palidez! Oh! desejos!

Oh! longos cílios de Inês.
Na proa os nautas cantavam;
Eram saudades?... Talvez!
Nossos beijos estalavam
Como estala a castanhola.:.

Lembras-te acaso, espanhola?
Acaso lembras-te, Inês?
Meus olhos nos teus morriam...
Seria vida?-Talvez!
E meus prantos te diziam:
"Tu levas minh'alma, ó filha,
Nas rendas desta mantilha...

Na tua mantilha, Inês!"
De Cadiz o aroma ainda
Tinhas no seio... — Talvez!
De Buenos Aires a linda,
Volvendo aos lares, trazia
As rosas de Andaluzia




In. Domínio Público
Imagem by russian brides

Castro Alves - Poema



A duas flores





São duas flores unidas,
São duas rosas nascidas
Talvez no mesmo arrebol,

Vivendo no mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol.
Unidas, bem como as penas
Das duas asas pequenas
De um passarinho do céu...

Como um casal de rolinhas,
Como a tribo de andorinhas
Da tarde no frouxo véu.
Unidas, bem como os prantos,
Que em parelha descem tantos
Das profundezas do olhar...

Como o suspiro e o desgosto,
Como as covinhas do rosto,
Como as estrelas do mar.
Unidas... Ai quem pudera
Numa eterna primavera
Viver, qual vive esta flor.

Juntar as rosas da vida
Na rama verde e florida,
Na verde rama do amor!



In. Domínio Público
Imagem: vida sol e mar

Castro Alves - Poema





Amante





"Basta, criança! Não soluces tanto...
Enxuga os olhos, meu amor, enxuga!
Que culpa tem a clícia descaída
Se abelha envenenada o mel lhe suga?

"Basta! Esta faca já contou mil gotas
De lágrimas de dor nos teus olhares.
Sorri, Maria! Ela jurou pagar-tas
No sangue dele em gotas aos milhares.

"Por que volves os olhos desvairados?
Por que tremes assim, frágil criança?
Est'alma é como o braço, o braço é ferro,
E o ferro sabe o trilho da vingança.

"Se a justiça da terra te abandona,
Se a justiça do céu de ti se esquece,
A justiça do escravo está na força...
E quem tem um punhal nada carece!...

"Vamos! Acaba a história... Lança a presa...
Não vês meu coração, que sente fome?
Amanhã chorarás; mas de alegria!
Hoje é preciso me dizer — seu nome!"




In.Domínio Público
Imagem retirada da Internet: flôr

Castro Alves - Poema


Não quero outro amor




"Eu não quero outro amor; não quer a abelha
Um novo cetro se o primeiro cai;
Iramaia viúva nos desertos,
Peregrina chorando — a morte atrai.


Eu não quero outro amor; sou como o cervo
Que a raiz encontrou no jibatã;
Ali se abriga na floresta escura,
Lá viu-o a noite, e vê-lo-á a manhã.


Eu não quero outro amor; não quer a paca
Mais de um caminho, procurando o rio,
Ali a espera o caçador malvado,
Ali ferida, soluçou, caiu.


Eu não quero outro amor — sou como o índio
Que caminha buscando o Taracuá:
Afeito ao fogo da escolhida planta
Vai andando e rejeita o Biribá.


Eu não quero outro amor — não quer a planta
Outra seiva, outro sol, estranho chão:
Não cresce longe, mas definha e prende
Amando o sol que encubara o grão.


Eu não quero outro amor; sou como a seta
Que num vôo somente corta o ar;
Se perde o golpe tomba logo inerte
Entra o índio sem caça o tijupar.


Eu a vítima fui da seta ervada,
De plumas verdes, venenoso fio;
Mas não quero outro amor, ajoelho e beijo
O pó da campa que este amor abriu.


Porque eu sou como a abelha que rejeita
Um novo cetro se o primeiro cai;
Iramaia perdida nos desertos
Peregrina, chorando a morte atrai."





In. Domínio Público
Imagem retirada da Internet: Mal me quer

Castro Alves - Poema



O "adeus" de Teresa




A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus
E amamos juntos E depois na sala
"Adeus" eu disse-lhe a tremer co'a fala


E ela, corando, murmurou-me: "adeus."


Uma noite entreabriu-se um reposteiro. . .
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus
Era eu Era a pálida Teresa!
"Adeus" lhe disse conservando-a presa


E ela entre beijos murmurou-me: "adeus!"


Passaram tempos sec'los de delírio
Prazeres divinais gozos do Empíreo
... Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse - "Voltarei! descansa!. . . "
Ela, chorando mais que uma criança,


Ela em soluços murmurou-me: "adeus!"


Quando voltei era o palácio em festa!
E a voz d'Ela e de um homem lá na orquesta
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei! Ela me olhou branca surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!


E ela arquejando murmurou-me: "adeus!"



In.Poesias completas. São Paulo, Nacional, 1959.
Imagem retirada da Internet: folha seca

Bruno Tolentino - Poema



Via Crucis



A Via Crucis foi uma selvageria,
a Crucifixão uma brutalidade;
mas em três, quatro horas, acabou a agonia,
baixou a eternidade.

Eu vivo aqui, crucificada noite e dia,
carrego da manhã à tarde
o meu lenho de opróbrio e a noite me excrucia,
lenta, fria, covarde.

Ah, como eu preferia
que me crucificassem de uma vez, sem o alarde
de algum terceiro dia!

Mas toca-me seguir nessa monotonia,
a agonia de alçar-me do catre
e abrir de novo os braços, vazia.


In.As Horas de Katharina
Imagem retirada da Internet: Crucificação

Bruno Tolentino - Poema


bruno-tolentino


O Cristo não é
um belo episódio
da história ou da fé:

nem o clavicórdio
nos dedos da luz,
nem o monocórdio

chamado da Cruz.
O crucificado
chamado Jesus

é o encontro marcado
entre a solidão
e o significado

do teu coração:
de um lado teu medo,
teu ódio, teu não;

de outro o segredo
com seu cofre aberto,
onde o teu degredo,

onde o teu deserto,
vão morrer, mas vão
morrer muito perto

da ressurreição.




In. As horas de Katharina. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p.180 
Imagem retirada da Internet: Bruno Tolentino

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