Aviário de Naus
Nunca fui de vigiar espantos.
Sobrevivo ante a urgência
de cada mínima coisa
imaginando o que pode advir
quando o semáforo
sorrir
O verde e o corpo em disparada
romper o ritmo:
oceano a morrer de sede.
Pequeno
eu inventava demônios
só pelo prazer de os ter
a povoar neurônio.
Pequeno ainda
imaginava abismos
sob os cabelos
penhascos
planícies
novelos
só para vestir
os lugares mais distantes
onde armo duelos
com espelhos.
Hoje
o inquilino que me habita
cintila nos relógios
de praça e pulso
sem reparar no corpo
o dédalo tempero
de um oceano avulso.
sem descobrir
que o equilíbrio
supera o efeito
e se fantasma ou glândula
isso que limita o peito.
Eu sempre soube
que um pedaço de gelo
carrega o fogo
que não lhe coube.
E cresci sem planos
como vão crescendo
os fantasmas
pela noite dos anos.
Agora
fico a moldurar delírios
como se inventasse mundos
planetas
galáxias inteiras
em mínimas letras.
Sei-me de fato
a geração de suicidas
que optou por adiar o ato.
Tenho razões indizíveis
para acreditar em nada
e apenas ficar por perto
por perto, apenas,
como se a vontade
fosse descartável
e isso de insônia
tivesse pouco a ver
com a didática da fome
de memória inadiável.
As gaiolas de agora
Ao meio dia a vida é outra
mas não se encontra jamais
a ilusória porta inicial:
Vive-se muito pelo pouco
já que nascer
foi a mera aula inaugural.
Por isso
dei de sequestrar manhãs
só para modelar os relógios
e tecer
fio a fio
as horas vãs
lás
a costurar vazios pelos cômodos divãs
Aprendi que a vida grassa
mas não passa de rima fácil.
Velho
acho que valho
a idade dos espelhos
o tempero dos sais
a metafísica do cais
e mais
um aviário de naus
que pediu concordatas
e passou pelas datas
usuário do caos.
Poema vencedor do Gremi de 1989, 1º lugar.
In.Historiografia Goiana.
Imagem retirada da Internet: Naus