ELEIÇÕES NA CASA DO SENHOR
Um diálogo possível, pois nestes tempos volúveis só a imprevisibilidade é previsível.
(Pedro um tanto assombrado)
— Senhor, acordai do sono eterno.
(O senhor atarantado após uma eternidade letárgica)
— O que há, Pedro. Como ousas tanto?
— É que os protestos se fazem presentes, pressentis?
(A ignominiosa onipotência falando mais alto)
— Um leve murmúrio... não mais.
(Pedro com um resquício de receio humano)
— Estais mouco, digo sem medo, que medo maior é depordes. É assim que começa, Senhor. Em pouco é conflagração aberta na praça, como no Egito e na Tunísia.
(Senhor, numa consulta comum aos que pouco se dedicam aos seus sérios assuntos)
— O que fazem meus ministros nas igrejas católicas, dize-me Pedro?
(Pedro sobremaneira contrariado)
— Dormem, Senhor, é o que fazem. Dormem sobre oferendas, esmolas, donativos e falácias que emprenham pelos ouvidos.
(O Senhor com o ar afetado dos negligentes)
— Não me surpreende que os evangélicos medrem como ervas daninhas por todo lado. E o que querem, Pedro, esses insolentes?
— Eleições, Senhor, eleições.
(O Senhor surpreso sem medida)
— Aqui?
— Ainda não, Senhor, no Vaticano, por hora se bastam com isso.
(Senhor num oportunismo que o iguala em venalidade aos humanos)
— Pois abrevias, homem, prometes eleições.
(Pedro com temor hierárquico)
— Podem ser de 4 em 4 anos, Senhor?
— Sim, mas claro, de 4 em 4 anos.
(Pedro com certo alívio ao saber que a coisa doravante é de homem pra homem)
— E se Bento não gostar?
— Que se dane o Bento, eu é que não me posso danar.
(Pedro com alegria ladina)
— Bem sei, é aquela história: que se vão os anéis e fiquem os dedos.
(O Senhor com a rabugice de sempre)
— Justo, mas larga de filosofice que o momento é crítico, me previne a onisciência. Corre lá e anuncia a boa nova, eleições de 4 em 4 anos, antes que nem os dedos restem.