Francisco Perna Filho - Poema




Criação



Na quarta,
eu recolho as cinzas,
dissipo as cismas,
enceto a rima,
sem olhar para
trás.

Na quarta,
retomo a messe,
componho a prece,
celebro a vida.


Imagem: Michelângelo: A Criação de Adão

Pio Vargas Abadio Rodrigues - Poema







Aviário de Naus


Nunca fui de vigiar espantos.
Sobrevivo ante a urgência
de cada mínima coisa
imaginando o que pode advir
quando o semáforo
sorrir
O verde e o corpo em disparada
romper o ritmo:
oceano a morrer de sede.


Pequeno
eu inventava demônios
só pelo prazer de os ter
a povoar neurônio.

Pequeno ainda
imaginava abismos
sob os cabelos
penhascos
planícies
novelos
só para vestir
os lugares mais distantes
onde armo duelos
com espelhos.

Hoje
o inquilino que me habita
cintila nos relógios
de praça e pulso
sem reparar no corpo
o dédalo tempero
de um oceano avulso.
sem descobrir
que o equilíbrio
supera o efeito
e se fantasma ou glândula
isso que limita o peito.

Eu sempre soube
que um pedaço de gelo
carrega o fogo
que não lhe coube.

E cresci sem planos
como vão crescendo
os fantasmas
pela noite dos anos.

Agora
fico a moldurar delírios
como se inventasse mundos
planetas
galáxias inteiras
em mínimas letras.

Sei-me de fato
a geração de suicidas
que optou por adiar o ato.
Tenho razões indizíveis
para acreditar em nada
e apenas ficar por perto
por perto, apenas,
como se a vontade
fosse descartável
e isso de insônia
tivesse pouco a ver
com a didática da fome
de memória inadiável.

As gaiolas de agora
Ao meio dia a vida é outra
mas não se encontra jamais
a ilusória porta inicial:

Vive-se muito pelo pouco
já que nascer
foi a mera aula inaugural.

Por isso
dei de sequestrar manhãs
só para modelar os relógios
e tecer
fio a fio
as horas vãs
lás
a costurar vazios pelos cômodos divãs

Aprendi que a vida grassa
mas não passa de rima fácil.

Velho

acho que valho
a idade dos espelhos
o tempero dos sais
a metafísica do cais
e mais
um aviário de naus
que pediu concordatas
e passou pelas datas
usuário do caos.



Poema vencedor do Gremi de 1989, 1º lugar.



In.Historiografia Goiana.
Imagem retirada da Internet: Naus

Noel Rosa - Poema





Pierrô apaixonado


Um Pierrô apaixonado,
Que vivia só cantando,
Por causa de uma Colombina
Acabou chorando... Acabou chorando...

A Colombina entrou num butiquim,
Bebeu, bebeu, saiu assim, assim
Dizendo: "Pierrô, cacete!
Vai tomar sorvete com o Arlequim!"

Um grande amor tem sempre um triste fim.
Com o Pierrô aconteceu assim.
Levando esse grande chute,
Foi tomar vermute com amendoim.



Imagem retirada da Internet: Máscara

Francisco Perna Filho - Poema


Atrás do curral



Atrás do curral,
mora uma fada,
que se enfeita
de folhas e pimentas
vermelhas.
à noite,
quando se deita,
iludida pelos pássaros,
que passeiam no seu ventre,
entrega-se a rosas e risos,
para, depois,
serenar
adormecida.


Do livro inédito Venerada Veneranda.




Imagem retirada da Internet: pimentas

Francisco Perna Filho - Poema




Passagem




Sob a ponte,
a fonte,
um passado em torrente,
um menino acena para sua mãe.
A água é fria,
a vida larga,
os olhos do menino
devoram o céu imenso.
Ninguém sobrou
para contar a história.
Só a memória,
e é essa
ficção.


Imagem retirada da Internet: ponte

Francisco Perna Filho - Poema




No balanço do vento


                                        Para minha Mãe



Eu choro pela minha mãezinha,
que ficou só.
Ela era tantas,
estampava alegria,
um canto de primaveras,
um olhar para lá do rio.
Assim, como está,
hoje, como a flor solitária na roseira,
indo e vindo,
no balanço do vento,
só, sozinha, somente.
Para onde vão os filhos
depois que crescem?
vão para qualquer lado,
canto, ou país,
não importa.
O que importa
é a porta sempre aberta,
o barulho que levam,
e a certeza de que são muitos.
Eu choro pela minha mãezinha,
Só, sozinha, semente.


Imagem retirada da Internet: borboleta

JJ Leandro - Conto




ELEIÇÕES NA CASA DO SENHOR




Um diálogo possível, pois nestes tempos volúveis só a imprevisibilidade é previsível.


(Pedro um tanto assombrado)
— Senhor, acordai do sono eterno.
(O senhor atarantado após uma eternidade letárgica)
— O que há, Pedro. Como ousas tanto?
— É que os protestos se fazem presentes, pressentis?
(A ignominiosa onipotência falando mais alto)
— Um leve murmúrio... não mais.
(Pedro com um resquício de receio humano)
—  Estais mouco, digo sem medo, que medo maior é depordes. É assim que começa, Senhor. Em pouco é conflagração aberta na praça, como no Egito e na Tunísia.
(Senhor, numa consulta comum aos que pouco se dedicam aos seus sérios assuntos)
— O que fazem meus ministros nas igrejas católicas, dize-me Pedro?
(Pedro sobremaneira contrariado)
—  Dormem, Senhor, é o que fazem. Dormem sobre oferendas, esmolas, donativos e falácias que emprenham pelos ouvidos.
(O Senhor com o ar afetado dos negligentes)
— Não me surpreende que os evangélicos medrem como ervas daninhas por todo lado. E o que querem, Pedro, esses insolentes?
— Eleições, Senhor, eleições.
(O Senhor surpreso sem medida)
— Aqui?
— Ainda não, Senhor, no Vaticano, por hora se bastam com isso.
(Senhor num oportunismo que o iguala em venalidade aos humanos)
— Pois abrevias, homem, prometes eleições.
(Pedro com temor hierárquico)
— Podem ser de 4 em 4 anos, Senhor?
— Sim, mas claro, de 4 em 4 anos.
(Pedro com certo alívio ao saber que a coisa doravante é de homem pra homem)
— E se Bento não gostar?
— Que se dane o Bento, eu é que não me posso danar.
(Pedro com alegria ladina)
— Bem sei, é aquela história: que se vão os anéis e fiquem os dedos.
(O Senhor com a rabugice de sempre)
— Justo, mas larga de filosofice que o momento é crítico, me previne a onisciência. Corre lá e anuncia a boa nova, eleições de 4 em 4 anos, antes que nem os dedos restem. 

Leia também

Valdivino Braz - Poema

Soldado ucraniano Pavel Kuzin foi morto em Bakhmut  - Fonte BBC Ucrânia em Chamas - Século 21                               Urubus sobrevoam...