T.S. Eliot - Poema

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ERONTION's



Thou hast nor youth nor age, But, as it were,
an after dinner's sleep, Dreaming on both.
(William Shakespeare, Measure for Measure,
"Não és jovem nem velho, / mas como, se após o jantar
adormecesses,/ Sonhando que ambos fosses.")





Eis-me aqui, um velho em tempo de seca,
Um jovem lê para mim, enquanto espero a chuva.
Jamais estive entre as ígneas colunas
Nem combati sob as centelhas de chuva
Nem de cutelo em punho, no salgado imerso até os joelhos,
Ferroado de moscardos, combati.
Minha casa é uma casa derruída,
E no peitoril da janela acocora-se o judeu, o dono,
Desovado em algum barzinho de Antuérpia, coberto
De pústulas em Bruxelas, remendado e descascado em Londres.
O bode tosse à noite nas altas pradarias;
Rochas, líquen, pão-dos-pássaros, ferro, bosta.
A mulher cuida da cozinha, faz chá,
Espirra ao cair da noite, cutucando as calhas rabugentas.
E eu, um velho,
Uma cabeça oca entre os vazios do espaço.


Tomaram-se os signos por prodígios: "Queremos um signo!"
A Palavra dentro da palavra, incapaz de dizer uma palavra,
Envolta nas gazes da escuridão. Na adolescência do ano
Veio Cristo, o tigre.
Em maio cqrrupto, cornisolo e castanha, noz das
faias-da-judéia,
A serem comidas, bebidas, partilhadas
Entre sussurros; pelo Senhor Silvero
Com suas mãos obsequiosas e que, em Limoges,
No quarto ao lado caminhou a noite inteira;
Por Hakagawa, a vergar-se reverente entre os Ticianos;
Por Madame de Tornquist, a remover os castiçais
No quarto escuro, por Fraülein von Kulp,
A mão sobre a porta, que no vestíbulo se voltou.
Navetas ociosas
Tecem o vento. Não tenho fantasmas,
Um velho numa casa onde sibila a ventania
Ao pé desse cômoro esculpido pelas brisas.


Após tanto saber, que perdão? Suponha agora
Que a história engendra muitos e ardilosos labirintos,
estratégicos
Corredores e saídas, que ela seduz com sussurrantes ambições,
Aliciando-nos com vaidades. Suponha agora
Que ela somente algo nos dá enquanto estamos distraídos
E, ao fazê-lo, com tal balbúrdia e controvérsia o oferta
Que a oferenda esfaima o esfomeado. E dá tarde demais
Aquilo em que já não confias, se é que nisto ainda confiavas,
Uma recordação apenas, uma paixão revisitada. E dá cedo
demais
A frágeis mãos. O que pensado foi pode ser dispensado
Até que a rejeição faça medrar o medo. Suponha
Que nem medo nem audácia aqui nos salvem. Nosso heroísmo
Apadrinha vícios postiços. Nossos cínicos delitos
Impõem-nos altas virtudes. Estas lágrimas germinam
De uma árvore em que a ira frutifica.


O tigre salta no ano novo. E nos devora. Enfim suponha
Que a nenhuma conclusão chegamos, pois que deixei
Enrijecer meu corpo numa casa de aluguel. Enfim suponha
Que não dei à toa esse espetáculo
E nem o fiz por nenhuma instigação
De demônios ancestrais. Quanto a isto,
É com franqueza o que te vou dizer.
Eu, que perto de teu coração estive, daí fui apartado,
Perdendo a beleza no terror, o terror na inquisição.
Perdi minha paixão: por que deveria preservá-la
Se tudo o que se guarda acaba adulterado?
Perdi visão, olfato, gosto, tato e audição:
Como agora utilizá-los para de ti me aproximar?


Essas e milhares de outras ponderações
Distendem-lhe os lucros do enregelado delírio,
Excitam-lhe a franja das mucosas, quando os sentidos esfriam;
Com picantes temperos, multiplicam-lhe espetáculos
Numa profusão de espelhos. Que irá fazer a aranha?
Interromper o seu bordado? O gorgulho
Tardará? De Bailhache, Fresca, Madame Cammel, arrastados
Para além da órbita da trêmula Ursa
Num vórtice de espedaçados átomos. A gaivota contra o vento
Nos tempestuosos estreitos da Belle Isle,
Ou em círculos vagando sobre o Horn,
Brancas plumas sobre a neve, o Golfo clama,
E um velho arremessado por alísios
A um canto sonolento.
Inquilinos da morada,
Pensamentos de um cérebro seco numa estação dessecada.


(tradução: Ivan Junqueira)


Imagem: Idem

Carlos Nejar - Poema


Luiz Vaz de Camões



Não sou um tempo
ou uma cidade extinta.
Civilizei a língua
e foi resposta em cada verso.
E à fome, condenaram-me
os perversos e alguns
dos poderosos. Amei
a pátria injustamente
cega, como eu, num
dos olhos. E não pôde
ver-me enquanto vivo.
Regressarei a ela
com os ossos de meu sonho
precavido? E o idioma
não passa de um poema
salvo da espuma
e igual a mim, bebido
pelo sol de um país
que me desterra. E agora
me ergue no Convento
dos Jerônimos o túmulo,
que não morri.
Não morrerei, não
quero mais morrer.
Nem sou cativo ou mendigo
de uma pátria. Mas da língua
que me conhece e espera.
E a razão que não me dais,
eu crio. Jamais pensei
ser pai de santos filhos.


Imagem retirada da Internet: Camões

Carlos Nejar - Poema


Construção da noite



No casulo há um homem
mas o fundo é o outro lado.
No casulo de seu tempo há um homem,
mas o fundo é o outro lado.
É o casulo onde o homem foi achado,
mas o fundo é o outro lado.
É o terreno onde o homem foi lavrado,
mas o fundo é o outro lado.
É a treva onde o homem foi fechado,
mas o fundo é o outro lado.
É o silêncio de um homem soterrado,
mas o fundo é o outro lado.
Mas o fundo é o outro lado.

É a infância que nasce sobre o morto,
é a infância que cresce sobre o morto,
é o sol que madruga no seu rosto,
é um homem que salta do sol posto
e convoca outros homens para o sonho
e mistura-se à terra
e mistura-se ao sonho.

E o canto recomeça além do sonho,
além da escuridão, além do lago.
Mas o fundo é o outro lado,
mas o fundo principia sem passado,
sem os montes, sem os barcos, sem o lago.

Tua vida verdadeira é o outro lado.
Tua terra verdadeira é o outro lado.
Tua herança verdadeira é o outro lado.

Tudo cessa.
Tudo cessa,
tudo cessa.
Mas o mundo
é o outro lado
que começa.


In. Página do Autor

Imagem retirada da Internet: Casulo

Walt Whitman - Poema


CANTO DO UNIVERSAL



1

Vem, disse a Musa,

Canta para mim um canto que nenhum poeta ainda cantou,

Canta para mim o universal.



Nesta larga terra nossa,

Em meio à desmedida vulgaridade e à escória,

Encerrada e segura em seu coração central,

Aninha-se a semente da perfeição.



Uma parte, maior ou menor, para cada vida,

- Nenhuma vida nasce, sem que ela haja nascido - oculta ou à mostra a semente espera



2

Vede! A torreante ciência de olhos agudos,

A modernidade contemplando como do alto dos picos,

A dizer fiats sucessivos e absolutos.



Vede, contudo, a alma acima de tôda ciência:

Para ela a história juntou como cascas em redor do globo,

Para ela todas as miríades de estrelas giram através do céu.



Em rotas espiradas, com longas voltas,

(Como um navio que muito muda de curso no mar,)

Para ela o parcial flui rumo ao permanente,



Para ela o real busca o ideal.

Para ela é que se dá a evolução mística,

Não apenas o correto se justifica, o que chamamos mal também se justifica.



Saindo das máscaras, não importa quais,

Do grande tronco a apodrecer, da astúcia, do logro e das lágrimas

A saúde e a alegria, a alegria universal.



A originar-se da parte principal, do mórbido e do raso,

Da maioria má, das várias e incontáveis fraudes dos homens e dos Estados,

Elétrico, antisséptico, penetrando, cobrindo tudo,

Somente o bem é universal.



3

Sobre a doença e a aflição que crescem na montanha,

Um passarinho jamais apanhado está pairando, pairando para sempre,

Alto no ar mais puro, mais feliz.



Da nuvem mais escura da imperfeição,

Sempre dardeja um raio de perfeita luz,

Um lampejo da glória celestial.



Para a discórdia da moda, do costume,

Para o doido barulho de Babel, as orgias ensurdecedoras,

Suavizando cada bonança uma canção se escuta, escuta-se apenas,

Dalguma praia distante soando o côro final.



Oh! Os olhos abençoados, os corações felizes,

Que vêem, que conhecem o fio condutor, tão fino,

Através do poderoso labirinto.



E tu, América,

Para a culminação do plano, sua idéia e sua realidade,

Para isso (e não para ti mesma) tu chegaste.



Também tu abranges tudo,

Abraçando, levando, acolhendo tudo, tu também, por largos e novos caminhos,

Diriges-te para o ideal.



As fés comedidas de outras terras, as grandezas do passado,

Não são para ti, mas tuas próprias grandezas,

Mas fés e amplitudes divinizantes, absorvendo, compreendendo tudo, Tudo podendo ser escolhido por todos.



Tudo, tudo para a imortalidade,

O amor como a luz silenciosamente envolvendo tudo,

O aperfeiçoamento da natureza abençoando tudo,

As flores, os frutos das idades, pomares divinos e certos,

Formas, objetos, crescimentos, humanidades, amadurecendo em imagens espirituais.



Dá-me, ó Deus, que cante aquela idéia,

Dá-me, dá àquele ou àquela que estimo esta fé inextinguível,

Em Tua totalidade, o que quer que seja recusado não nos recuses,

A crença em teu desígnio envolto em Tempo e Espaço,

Saúde, paz, salvação universal.



É um sonho?

Não, mas sua falta é o sonho,

E, à sua falta, a sabedoria e a vida e a riqueza serão um sonho;

E o mundo inteiro um sonho.




DEUTSCH, Babette. Walt Whitman . Trad. Brenno Silveira e Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo: Martins; Colofão, 1965. p.219-221: Canto do Universal.
Fonte: UFRGS
Imagem retirada da Internet: América

Lêdo Ivo - Poema

Os Peixes



Os peixes estão no lago, os dardos escondidos.
Entre as pedras e o lodo eles avançam
túrgidos como o amor.
Venha a mão do desejo turvar a água clara
e eles serão o amor, o sol que penetra em gretas
nupciais,
as espadas cobertas de saliva.



Imagem retirada da Internet: Peixe

Lêdo Ivo - Poema

Advertência a um Gavião




O gavião sobrevoa
a plantação de tomate.
Meu irmão gavião,
eu não aceito a morte.
Na partilha do mundo
não estarei ao teu lado.
Jamais admitirei
a usurparão do dia.
Só sei enfileirar-me
no cortejo da vida.
Meu caminho me leva
a floresta onde fluem
as fontes escondidas.
Mesmo longe adivinho
uma árvore que tenha
frescor de fruto ou ninho.
Gavião! Gavião!
embaixador do não,
o céu não pode ser
sepultura de pássaros.




Imagem retirada da Internet: Gavião

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