Carlos Nejar - Poema


Luiz Vaz de Camões



Não sou um tempo
ou uma cidade extinta.
Civilizei a língua
e foi resposta em cada verso.
E à fome, condenaram-me
os perversos e alguns
dos poderosos. Amei
a pátria injustamente
cega, como eu, num
dos olhos. E não pôde
ver-me enquanto vivo.
Regressarei a ela
com os ossos de meu sonho
precavido? E o idioma
não passa de um poema
salvo da espuma
e igual a mim, bebido
pelo sol de um país
que me desterra. E agora
me ergue no Convento
dos Jerônimos o túmulo,
que não morri.
Não morrerei, não
quero mais morrer.
Nem sou cativo ou mendigo
de uma pátria. Mas da língua
que me conhece e espera.
E a razão que não me dais,
eu crio. Jamais pensei
ser pai de santos filhos.


Imagem retirada da Internet: Camões

Carlos Nejar - Poema


Construção da noite



No casulo há um homem
mas o fundo é o outro lado.
No casulo de seu tempo há um homem,
mas o fundo é o outro lado.
É o casulo onde o homem foi achado,
mas o fundo é o outro lado.
É o terreno onde o homem foi lavrado,
mas o fundo é o outro lado.
É a treva onde o homem foi fechado,
mas o fundo é o outro lado.
É o silêncio de um homem soterrado,
mas o fundo é o outro lado.
Mas o fundo é o outro lado.

É a infância que nasce sobre o morto,
é a infância que cresce sobre o morto,
é o sol que madruga no seu rosto,
é um homem que salta do sol posto
e convoca outros homens para o sonho
e mistura-se à terra
e mistura-se ao sonho.

E o canto recomeça além do sonho,
além da escuridão, além do lago.
Mas o fundo é o outro lado,
mas o fundo principia sem passado,
sem os montes, sem os barcos, sem o lago.

Tua vida verdadeira é o outro lado.
Tua terra verdadeira é o outro lado.
Tua herança verdadeira é o outro lado.

Tudo cessa.
Tudo cessa,
tudo cessa.
Mas o mundo
é o outro lado
que começa.


In. Página do Autor

Imagem retirada da Internet: Casulo

Walt Whitman - Poema


CANTO DO UNIVERSAL



1

Vem, disse a Musa,

Canta para mim um canto que nenhum poeta ainda cantou,

Canta para mim o universal.



Nesta larga terra nossa,

Em meio à desmedida vulgaridade e à escória,

Encerrada e segura em seu coração central,

Aninha-se a semente da perfeição.



Uma parte, maior ou menor, para cada vida,

- Nenhuma vida nasce, sem que ela haja nascido - oculta ou à mostra a semente espera



2

Vede! A torreante ciência de olhos agudos,

A modernidade contemplando como do alto dos picos,

A dizer fiats sucessivos e absolutos.



Vede, contudo, a alma acima de tôda ciência:

Para ela a história juntou como cascas em redor do globo,

Para ela todas as miríades de estrelas giram através do céu.



Em rotas espiradas, com longas voltas,

(Como um navio que muito muda de curso no mar,)

Para ela o parcial flui rumo ao permanente,



Para ela o real busca o ideal.

Para ela é que se dá a evolução mística,

Não apenas o correto se justifica, o que chamamos mal também se justifica.



Saindo das máscaras, não importa quais,

Do grande tronco a apodrecer, da astúcia, do logro e das lágrimas

A saúde e a alegria, a alegria universal.



A originar-se da parte principal, do mórbido e do raso,

Da maioria má, das várias e incontáveis fraudes dos homens e dos Estados,

Elétrico, antisséptico, penetrando, cobrindo tudo,

Somente o bem é universal.



3

Sobre a doença e a aflição que crescem na montanha,

Um passarinho jamais apanhado está pairando, pairando para sempre,

Alto no ar mais puro, mais feliz.



Da nuvem mais escura da imperfeição,

Sempre dardeja um raio de perfeita luz,

Um lampejo da glória celestial.



Para a discórdia da moda, do costume,

Para o doido barulho de Babel, as orgias ensurdecedoras,

Suavizando cada bonança uma canção se escuta, escuta-se apenas,

Dalguma praia distante soando o côro final.



Oh! Os olhos abençoados, os corações felizes,

Que vêem, que conhecem o fio condutor, tão fino,

Através do poderoso labirinto.



E tu, América,

Para a culminação do plano, sua idéia e sua realidade,

Para isso (e não para ti mesma) tu chegaste.



Também tu abranges tudo,

Abraçando, levando, acolhendo tudo, tu também, por largos e novos caminhos,

Diriges-te para o ideal.



As fés comedidas de outras terras, as grandezas do passado,

Não são para ti, mas tuas próprias grandezas,

Mas fés e amplitudes divinizantes, absorvendo, compreendendo tudo, Tudo podendo ser escolhido por todos.



Tudo, tudo para a imortalidade,

O amor como a luz silenciosamente envolvendo tudo,

O aperfeiçoamento da natureza abençoando tudo,

As flores, os frutos das idades, pomares divinos e certos,

Formas, objetos, crescimentos, humanidades, amadurecendo em imagens espirituais.



Dá-me, ó Deus, que cante aquela idéia,

Dá-me, dá àquele ou àquela que estimo esta fé inextinguível,

Em Tua totalidade, o que quer que seja recusado não nos recuses,

A crença em teu desígnio envolto em Tempo e Espaço,

Saúde, paz, salvação universal.



É um sonho?

Não, mas sua falta é o sonho,

E, à sua falta, a sabedoria e a vida e a riqueza serão um sonho;

E o mundo inteiro um sonho.




DEUTSCH, Babette. Walt Whitman . Trad. Brenno Silveira e Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo: Martins; Colofão, 1965. p.219-221: Canto do Universal.
Fonte: UFRGS
Imagem retirada da Internet: América

Lêdo Ivo - Poema

Os Peixes



Os peixes estão no lago, os dardos escondidos.
Entre as pedras e o lodo eles avançam
túrgidos como o amor.
Venha a mão do desejo turvar a água clara
e eles serão o amor, o sol que penetra em gretas
nupciais,
as espadas cobertas de saliva.



Imagem retirada da Internet: Peixe

Lêdo Ivo - Poema

Advertência a um Gavião




O gavião sobrevoa
a plantação de tomate.
Meu irmão gavião,
eu não aceito a morte.
Na partilha do mundo
não estarei ao teu lado.
Jamais admitirei
a usurparão do dia.
Só sei enfileirar-me
no cortejo da vida.
Meu caminho me leva
a floresta onde fluem
as fontes escondidas.
Mesmo longe adivinho
uma árvore que tenha
frescor de fruto ou ninho.
Gavião! Gavião!
embaixador do não,
o céu não pode ser
sepultura de pássaros.




Imagem retirada da Internet: Gavião

Fernando Pessoa (Alberto Caeiro) - Poema

O GUARDADOR DE REBANHOS (XVI)


Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois
Que vem a chiar, manhãzinha cedo, pela estrada,
E que para de onde veio volta depois
Quase à noitinha pela mesma estrada.
Eu não tinha que ter esperanças - tinha só que ter rodas...
A minha velhice não tinha rugas nem cabelo branco...
Quando eu já não servia, tiravam-me as rodas
E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco.


Fonte: Insite
Imagem retirada da Internet: Luís Melancia

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