Walt Whitman - Poema


CANTO DO UNIVERSAL



1

Vem, disse a Musa,

Canta para mim um canto que nenhum poeta ainda cantou,

Canta para mim o universal.



Nesta larga terra nossa,

Em meio à desmedida vulgaridade e à escória,

Encerrada e segura em seu coração central,

Aninha-se a semente da perfeição.



Uma parte, maior ou menor, para cada vida,

- Nenhuma vida nasce, sem que ela haja nascido - oculta ou à mostra a semente espera



2

Vede! A torreante ciência de olhos agudos,

A modernidade contemplando como do alto dos picos,

A dizer fiats sucessivos e absolutos.



Vede, contudo, a alma acima de tôda ciência:

Para ela a história juntou como cascas em redor do globo,

Para ela todas as miríades de estrelas giram através do céu.



Em rotas espiradas, com longas voltas,

(Como um navio que muito muda de curso no mar,)

Para ela o parcial flui rumo ao permanente,



Para ela o real busca o ideal.

Para ela é que se dá a evolução mística,

Não apenas o correto se justifica, o que chamamos mal também se justifica.



Saindo das máscaras, não importa quais,

Do grande tronco a apodrecer, da astúcia, do logro e das lágrimas

A saúde e a alegria, a alegria universal.



A originar-se da parte principal, do mórbido e do raso,

Da maioria má, das várias e incontáveis fraudes dos homens e dos Estados,

Elétrico, antisséptico, penetrando, cobrindo tudo,

Somente o bem é universal.



3

Sobre a doença e a aflição que crescem na montanha,

Um passarinho jamais apanhado está pairando, pairando para sempre,

Alto no ar mais puro, mais feliz.



Da nuvem mais escura da imperfeição,

Sempre dardeja um raio de perfeita luz,

Um lampejo da glória celestial.



Para a discórdia da moda, do costume,

Para o doido barulho de Babel, as orgias ensurdecedoras,

Suavizando cada bonança uma canção se escuta, escuta-se apenas,

Dalguma praia distante soando o côro final.



Oh! Os olhos abençoados, os corações felizes,

Que vêem, que conhecem o fio condutor, tão fino,

Através do poderoso labirinto.



E tu, América,

Para a culminação do plano, sua idéia e sua realidade,

Para isso (e não para ti mesma) tu chegaste.



Também tu abranges tudo,

Abraçando, levando, acolhendo tudo, tu também, por largos e novos caminhos,

Diriges-te para o ideal.



As fés comedidas de outras terras, as grandezas do passado,

Não são para ti, mas tuas próprias grandezas,

Mas fés e amplitudes divinizantes, absorvendo, compreendendo tudo, Tudo podendo ser escolhido por todos.



Tudo, tudo para a imortalidade,

O amor como a luz silenciosamente envolvendo tudo,

O aperfeiçoamento da natureza abençoando tudo,

As flores, os frutos das idades, pomares divinos e certos,

Formas, objetos, crescimentos, humanidades, amadurecendo em imagens espirituais.



Dá-me, ó Deus, que cante aquela idéia,

Dá-me, dá àquele ou àquela que estimo esta fé inextinguível,

Em Tua totalidade, o que quer que seja recusado não nos recuses,

A crença em teu desígnio envolto em Tempo e Espaço,

Saúde, paz, salvação universal.



É um sonho?

Não, mas sua falta é o sonho,

E, à sua falta, a sabedoria e a vida e a riqueza serão um sonho;

E o mundo inteiro um sonho.




DEUTSCH, Babette. Walt Whitman . Trad. Brenno Silveira e Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo: Martins; Colofão, 1965. p.219-221: Canto do Universal.
Fonte: UFRGS
Imagem retirada da Internet: América

Lêdo Ivo - Poema

Os Peixes



Os peixes estão no lago, os dardos escondidos.
Entre as pedras e o lodo eles avançam
túrgidos como o amor.
Venha a mão do desejo turvar a água clara
e eles serão o amor, o sol que penetra em gretas
nupciais,
as espadas cobertas de saliva.



Imagem retirada da Internet: Peixe

Lêdo Ivo - Poema

Advertência a um Gavião




O gavião sobrevoa
a plantação de tomate.
Meu irmão gavião,
eu não aceito a morte.
Na partilha do mundo
não estarei ao teu lado.
Jamais admitirei
a usurparão do dia.
Só sei enfileirar-me
no cortejo da vida.
Meu caminho me leva
a floresta onde fluem
as fontes escondidas.
Mesmo longe adivinho
uma árvore que tenha
frescor de fruto ou ninho.
Gavião! Gavião!
embaixador do não,
o céu não pode ser
sepultura de pássaros.




Imagem retirada da Internet: Gavião

Fernando Pessoa (Alberto Caeiro) - Poema

O GUARDADOR DE REBANHOS (XVI)


Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois
Que vem a chiar, manhãzinha cedo, pela estrada,
E que para de onde veio volta depois
Quase à noitinha pela mesma estrada.
Eu não tinha que ter esperanças - tinha só que ter rodas...
A minha velhice não tinha rugas nem cabelo branco...
Quando eu já não servia, tiravam-me as rodas
E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco.


Fonte: Insite
Imagem retirada da Internet: Luís Melancia

Fernando Pessoa (Alberto Caeiro) - Poema

Se eu morrer novo,sem poder publicar livro nenhum


Se eu morrer novo,
sem poder publicar livro nenhum
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa,
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.
Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir.


Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi cousa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.
Não desejei senão estar ao sol ou à chuva -
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo
(E nunca a outra cousa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.


Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela unica grande razão -
Porque não tinha que ser.


Consolei-me voltando ao sol e a chuva,
E sentando-me outra vez a porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraido.



Fonte: Insite
Imagem retirada da Internet: Livro

Fernando Pessoa (Alberto Caeiro) - Poema




    O meu olhar é nítido como um girassol



    O meu olhar é nítido como um girassol.

    Tenho o costume de andar pelas estradas

    Olhando para a direita e para a esquerda,

    E de vez em quando olhando para trás...

    E o que vejo a cada momento

    É aquilo que nunca antes eu tinha visto,

    E eu sei dar por isso muito bem...

    Sei ter o pasmo essencial

    Que tem uma criança se, ao nascer,

    Reparasse que nascera deveras...

    Sinto-me nascido a cada momento

    Para a eterna novidade do Mundo...


    Creio no mundo como num malmequer,

    Porque o vejo. Mas não penso nele

    Porque pensar é não compreender...


    O Mundo não se fez para pensarmos nele

    (Pensar é estar doente dos olhos)

    Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...


    Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...

    Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,

    Mas porque a amo, e amo-a por isso

    Porque quem ama nunca sabe o que ama

    Nem sabe por que ama, nem o que é amar...


    Amar é a eterna inocência,

    E a única inocência não pensar...



    In. O Guardador de Rebanhos - Fonte: Insite
    Imagem retirada da Internet: caminhante

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