Rubens Jardim - Poema



PAIXÃO


1

Nunca mais vou sair
do Ajuntament de Girona.
Estou à mercê dessa
cidade e não vou
abandonar aquilo que fui
dentro de suas muralhas
para penetrar no futuro
essa fogueira escura.


Não quero novos itinerários.


Sei que existem
nuevos rincones
y nuevos descobrimientos.


Mas eu quero ficar em Girona.


Preciso descobrir
entre a luz e a pedra,
a mão que prende
a eternidade ao nada.

2

Me deixem ficar na Catedral
de Girona rodeado de
vidrieras,
platas repujadas,
anjos e esculturas.
Sei que os toques manuais dos sinos
desapareceram da torre
e os bronzes sagrados
já não vibram ritmos tradicionais.
Mas o que importa isso
se aqui encontrei a proporção
exata dos homens e de Deus..

3

Em nenhum outro templo
gótico eu percebi pulsar tanto
a serenidade e o silêncio.
Aqui até os santos imploram
para não sair dos altares.

4

Nesta Igreja de Sant Feliu
entre sarcófagos pagãos e cristãos
eu permaneço de mãos dadas
com o impossível. Até o Cristo
de alabastro se comove com
as palavras que ainda vivem
na boca do padre e irrompem
resolutas, sagradas, sangradas.
É pela boca que começa
o juízo inicial . E final.

5

Como se fosses minha e
jamais me abandonasses,
Assim te busco, impossível
cidade que me liberta do
chão, do céu, desse canto
desse beco e dessa esquina
escondida nos mil disfarces
da palavra.


Versos da solidão,

cotovia sagrada.

Eu te sagro nesta praça

Eu te sangro nos beirais
precipitados do meu amo





In. Página do autor
Imagem retirada da Internet: Paixão

Lindolfo Bell - Poema























RECÔNDITO IMPULSO




Amadureço

na palavra

que amadurece.

Entre fibras, sangue, desejo

que intumesce.

No amor

onde cresço, me acresço:

eis a messe.


Nivelar

é navalhar a liberdade.

E viver é longa estrada,

É recôndita vontade

dita e não dita:

vocábulo,

coágulo.


Amadurecer.

Lúcido,

lúdico.

Na maravilha,

na armadilha.


Amadurecer no âmago.

O âmago amado.

O amargo âmago, amado.

Amadurecer o âmago armado

do tempo esplêndido da alegria.

Mas também de tempo da amargura

que estraçalha

e desconfia.



Amadurecer.

A áspera saliência e rubra.

A macia maçã

do recôndito impulso.





Fonte: Antônio Miranda

Foto by Cristiano Gomes Mazinho

Lindolfo Bell - Poema


PROCURO A PALAVRA PALAVRA





Não é a palavra fácil

que procuro.

Nem a difícil sentença,

aquela da morte,,

a da fértil e definitiva solitude.

A que antecede este caminho sempre de repente.

Onde me esgueiro, me soletro,

em fantasias de pássaro, homem, serpente.


Procuro a palavra fóssil.

A palavra antes da palavra.


Procuro a palavra palavra.

Esta que me antecede

E se antecede na aurora

De na origem do homem


Procuro desenhos

dentro da palavra.

Sonoros desenhos, tácteis,

Cheiros, desencantos e sombras.

Esquecidos traços. Laços.

Escritos, encantos re-escritos.

Na área dos atritos.


Dos detritos.

Em ritos ardidos da carne

e ritmos do verbo.

Em becos metafísicos sem saída.


Sinais, vendavais, silêncios.

Na palavra enigmam restos, rastos de animais,

Minerais da insensatez.

Distâncias, circunstâncias, soluços,

Desterro.


Palavras são seda, aço.

Cinza onde faço poemas, me refaço.


Uso raciocínio.

Procuro na razão.

Mas o que se revela, arcaico, pungente,

eterno e para sempre, vivo,

vem do buril do coração.





In. AS VIVÊNCIAS ELEMENTARES São Paulo: Massao Ohno/ Roswitha Kempf, 1980

Apud Antônio Miranda

Imagem retirada da Internet:Pena

Amadeus Amado - Poema


Peregrino




Dá-me a tua mão,
não sei ao certo
para onde iremos,
tampouco o que nos espera.
Vivamos a incerteza
desta noite de utopia.
Saiamos de mãos dadas,
sigamos a rota do teu olhar,
a sombra do vento,
os velados caminhos
dessa aventura.



In. A Flor Amena da Madrugada.
Imagem retirada da Internet: Mãos dadas

Amadeus Amado - Poema

Invenção



Um trago a mais,
uma música ao longe,
um latido esparso,
a solidão da sala,
e a invenção da tua presença.
Quantas vezes necessite,
estarei contigo,
sob este céu cinzento,
nesta cidade transformada,
ouvindo o teu coração.



In. A Flor Amena da Madrugada.
Imagem retirada da Internet: sob o céu cinzento

Amadeus Amado - Poema


Anotações





As chuvas
recolhem os últimos vestígios
do teu coração.
Os meus olhos
abertos procuram
um recesso
na tua
irresoluta alma,
longínqua
e misteriosa.
Breve
a seca virá
e eu,
bem depois de tudo isso,
guardarei lembranças
dos teus passos,
e o silenciar noturno da tua voz.




In. Amena Flor da Madrugada.
Imagem retirada da Internet: passos

Almáquio Bastos - Poema

File:Woman naked Buttocks.jpg

POESIA DE ALCOVA


O que é o silêncio
Senão o ecoar do surdo fremir
De asas da borboleta
Que decola após sugar suavemente a seiva
Na vulva da flor?

O que é o desejo
Senão a minha certeza
do roçar de asas da borboleta
que adorna o seu jardim secreto no vértice entre coxas?

O que é a poesia
Senão a lírica angústia
Deste poeta de alcova
Que se ocupa com a saudade do que não viveu?





Leia também

Valdivino Braz - Poema

Soldado ucraniano Pavel Kuzin foi morto em Bakhmut  - Fonte BBC Ucrânia em Chamas - Século 21                               Urubus sobrevoam...