Paulo Henriques Brito - Poema



elogio do mal





1


A uma certa distância

todas as formas são boas.

Em cada coisa, um desvão;

em cada desvão não há nada.

À mão direita, a explicação

perfeita das coisas. À esquerda,

a certeza do inútil de tudo.

Ter duas mãos é muito pouco.

Por isso, por isso os nomes,

os nomes que embebem o mundo,

e os verbos se fazem carne,

e os adjetivos bárbaros.


2


O mundo se gasta aos poucos.

A coisa se basta a si mesma,

mas não basta ao que pensa

um mundo atulhado de coisas

que se apagam sem pudor,

que se deixam dissipar

como quem não quer nada.

Existir é muito pouco.

Por isso, por isso os nomes,

os nomes que se engastam nas coisas

e sugam o sangue de tudo

e sobrevivem ao bagaço

e negam a tudo o direito

de só durar o que é duro,

e roubam do mundo a paz

de não querer dizer nada.


3


Bendita a boca,

essa ferida funda e má.




In.Antônio Miranda

Imagem retirada da Internet:mãos

Joaquim Cardozo - Poema

O RELÓGIO


Quem é que sobe as escadas
Batendo o liso degrau?
Marcando o surdo compasso
Com uma perna de pau?

Quem é que tosse baixinho
Na penumbra da ante-sala?
Por que resmunga sozinho?
Por que não cospe e não fala?

Por que dois vermes sombrios
Passando na face morta?
E o mesmo sopro contínuo
Na frincha daquela porta?

Da velha parede triste
No musgo roçar macio:
São horas leves e tenras
Nascendo do solo frio.

Um punhal feriu o espaço. . .
E o alvo sangue a gotejar,
Deste sangue os meus cabelos
Pela vida hão de sangrar.

Todos os grilos calaram
Só o silêncio assobia;
Parece que o tempo passa
Com sua capa vazia.

O tempo enfim cristaliza
Em dimensão natural;
Mas há demônios que arpejam
Na aresta do seu cristal.

No tempo pulverizado
Há cinza também da morte:
Estão serrando no escuro
As tábuas da minha sorte.


Imagem retirada da Internet: relógio

Carlos Drummond de Andrade - Poema

Madrigal Lúgubre


Em vossa casa feita de cadáveres,

ó princesa! ó donzela!
Em vossa casa, de onde o sangue escorre,
quisera eu morar.


cá fora é o vento e são as ruas varridas de pânico,
é o jornal sujo embrulhando fatos, homens e comida guardada.

Dentro, vossas mãos níveas e mecânicas tecem algo parecido com um véu.

O mundo, sob a neblina que criais, torna-se de tal modo espantoso

que o vosso sono de mil anos se interrompe para admirá-lo.

Princesa: acordada, sois mais bela, princesa.
E já não tendes o ar contrariado dos mortos à traição.
arrastar-me-ei pelo morro e chegarei até vós.
tão completo desprezo se transmudará em tanto amor...

Dai-me vossa cama, princesa,
vosso calor, vosso corpo e suas repartições,
oh dai-me! que é tempo de guerra,
tempo de extrema precisão.


Não vos direi dos meninos mortos
(nem todos mortos, é verdade,
alguns, apenas mutilados).


In. Sentimento do Mundo. Rio de Janeiro: Record, 2002,p.69.

Imagem retirada da Internet: na rua

Carlos Drummond de Andrade - Poema


Lembrança do mundo antigo




Clara passeava no jardim com as crianças.
O céu era verde sobre o gramado,
a água era dourada sob as pontes,
outros elementos eram azuis, róseos, alaranjados,
o guarda-civil sorria, passavam bicicletas,
a menina pisou a relva para pegar um pássaro,
o mundo inteiro, a Alemanha, a China, tudo era tranqüilo em redor de Clara.

As crianças olhavam para o céu: não era proibido.
A boca, o nariz, os olhos estavam abertos. Não havia perigo.
Os perigos que Clara temia eram a gripe, o calor, os insetos.
Clara tinha medo de perder o bonde das 11 horas,
esperava cartas que custavam a chegar,
nem sempre podia usar vestido novo.
Mas passeava no jardim, pela manhã!!!
Havia jardins, havia manhãs naquele tempo!!!


In.Sentimento do Mundo. 2ªed, Rio de Janeiro: Record, 2002, p.71.
Imagem retirada da Internet: criança

Mário Quintana - Poema


Poema da gare de Astapovo





O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
Contra uma parede nua...
Sentou-se ...e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Gloria,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E entao a Morte,
Ao vê-lo tao sozinho aquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali a sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta...)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se ate não morreu feliz: ele fugiu...
Ele fugiu de casa...
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!



Imagem retirada da Internet: Tolstoi

Mário Quintana - Poema


A rua dos cataventos



Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.

Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.

Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!



Imagem retirada da Internet: catavento

Brasigóis Felício - Crônica


Cidades do cio



Lá se foram 40 anos da publicação do livro de contos A cidade do ócio, de José Mendonça Teles – uma obra que, junto ao romance Antes das águas, de Anatole Ramos, inscreve-se como iniciadora da ficção urbana em Goiás. Muito justa sua inclusão, pela PUC-GO, na lista das obras de leitura para o Vestibular 2011. Uma fortuna crítica substanciosa assinala importância como documento ficcional revelador das angústias, conflitos e tensões humanas da trepidante e perigosa metrópole em que se transformou nossa capital.

Escreveram sobre este livro, em prefácio, Edla Pacheco Saad, Maria Terezinha Martins, José Fernandes, Nelly Alves de Almeida, Temístocles Linhares, Paulo Nunes Batista, Anatole Ramos, Gabriel Nascente, Almeida Fischer,Martiniano J. Silva, Edvaldo Nepomuceno, e este cronista. Em outubro de 1971, publiquei no Suplemento Literário do O Popular o artigo A idade do cio no Ócio da cidade. Disse à época, dos flagrantes captados pelo olhar atento de cronista, de José Mendonça Teles, ao mostrar a mente fragmentada e caótica dos habitantes do formigueiro urbano, em sua busca aflita – e por vezes doentia – de prazeres lícitos ou ilícitos.

Vemos um mundo de gente comum, vivendo fugas noturnas de vícios e contravenções, que são fugas da rotina doméstica, do trabalho ou do ócio. Seus personagens, envolvidos em tramas previsíveis e cotidianas, protagonizam espetáculos deprimentes, reveladores do vazio existencial, e da busca neurótica por sensações físicas que são efêmeros abismos de prazer. Sem se darem conta de que não passam de sonâmbulas, pessoas tristemente normais, entregam-se ao rito da paquera e do comércio do sexo, sabendo-se que a prostituição é a mais antiga das profissões.

A teoria da realidade líquida nos diz que, nas cidades vertiginosas, de instante a instante, novos personagens configuram diferenciados dramas existenciais, na retratação do vazio de criaturas que buscam no sexo casual o preenchimento da náusea de existir para nada. Sublimação do machismo, por parte de paqueradores inveterados, indo de encontro à abundante oferta da profissão inerente à condição humana, eis o universo do animal humano, retratado pelo autor. No conto “O jogo do bingo”, o Zé observa que todos querem ser caridosos, quando pensam que seu ato filantrópico pode lhes trazer algum proveito. No conto “Meu Natal”, entristece-o ver crianças de rua, famintas e mulambentas, disputando alimento no lixo, com cães sarnentos.

Um homem doente mede as paredes de seu quarto, a solteirona vê a vida e a beleza esvaírem-se, na passagem do tempo; o homem de negócios às volta com o fracasso financeiro, com o olhar voltado para as pernas que passam: pra que tanta perna, meu Deus, se ele está quebrado. São flashes do olhar compadecido aos solitários vampiros da noite, a contar com a cumplicidade necessária das suas vítimas - revelam a evasão e fuga da realidade, a pressa e o medo do ser humano, anônimo e aflito, em meio à multidão. Serão retratos contundentes e amargos do ócio da cidade? Ou são sinais sombrios da época dos tristes, de um tempo de desesperados e aloprados, como estes que vivemos agora? a mais antiga das profissue a prostituiçda paquera e do comsca neurte, Almeida Fischer.



Leia também

Valdivino Braz - Poema

Soldado ucraniano Pavel Kuzin foi morto em Bakhmut  - Fonte BBC Ucrânia em Chamas - Século 21                               Urubus sobrevoam...