Joaquim Cardozo - Poema
Carlos Drummond de Andrade - Poema
Madrigal Lúgubre
Em vossa casa feita de cadáveres,
ó princesa! ó donzela!
Em vossa casa, de onde o sangue escorre,
quisera eu morar.
cá fora é o vento e são as ruas varridas de pânico,
é o jornal sujo embrulhando fatos, homens e comida guardada.
Dentro, vossas mãos níveas e mecânicas tecem algo parecido com um véu.
O mundo, sob a neblina que criais, torna-se de tal modo espantoso
que o vosso sono de mil anos se interrompe para admirá-lo.
tão completo desprezo se transmudará em tanto amor...
Dai-me vossa cama, princesa,
vosso calor, vosso corpo e suas repartições,
oh dai-me! que é tempo de guerra,
tempo de extrema precisão.
Não vos direi dos meninos mortos
(nem todos mortos, é verdade,
alguns, apenas mutilados).
Carlos Drummond de Andrade - Poema
Mário Quintana - Poema
O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
Contra uma parede nua...
Sentou-se ...e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Gloria,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E entao a Morte,
Ao vê-lo tao sozinho aquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali a sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta...)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se ate não morreu feliz: ele fugiu...
Ele fugiu de casa...
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!
Mário Quintana - Poema
Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.
Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.
Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!
Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!
Brasigóis Felício - Crônica
Cidades do cio
Lá se foram 40 anos da publicação do livro de contos A cidade do ócio, de José Mendonça Teles – uma obra que, junto ao romance Antes das águas, de Anatole Ramos, inscreve-se como iniciadora da ficção urbana em Goiás. Muito justa sua inclusão, pela PUC-GO, na lista das obras de leitura para o Vestibular 2011. Uma fortuna crítica substanciosa assinala importância como documento ficcional revelador das angústias, conflitos e tensões humanas da trepidante e perigosa metrópole em que se transformou nossa capital.
Escreveram sobre este livro, em prefácio, Edla Pacheco Saad, Maria Terezinha Martins, José Fernandes, Nelly Alves de Almeida, Temístocles Linhares, Paulo Nunes Batista, Anatole Ramos, Gabriel Nascente, Almeida Fischer,Martiniano J. Silva, Edvaldo Nepomuceno, e este cronista. Em outubro de 1971, publiquei no Suplemento Literário do O Popular o artigo A idade do cio no Ócio da cidade. Disse à época, dos flagrantes captados pelo olhar atento de cronista, de José Mendonça Teles, ao mostrar a mente fragmentada e caótica dos habitantes do formigueiro urbano, em sua busca aflita – e por vezes doentia – de prazeres lícitos ou ilícitos.
Vemos um mundo de gente comum, vivendo fugas noturnas de vícios e contravenções, que são fugas da rotina doméstica, do trabalho ou do ócio. Seus personagens, envolvidos em tramas previsíveis e cotidianas, protagonizam espetáculos deprimentes, reveladores do vazio existencial, e da busca neurótica por sensações físicas que são efêmeros abismos de prazer. Sem se darem conta de que não passam de sonâmbulas, pessoas tristemente normais, entregam-se ao rito da paquera e do comércio do sexo, sabendo-se que a prostituição é a mais antiga das profissões.
A teoria da realidade líquida nos diz que, nas cidades vertiginosas, de instante a instante, novos personagens configuram diferenciados dramas existenciais, na retratação do vazio de criaturas que buscam no sexo casual o preenchimento da náusea de existir para nada. Sublimação do machismo, por parte de paqueradores inveterados, indo de encontro à abundante oferta da profissão inerente à condição humana, eis o universo do animal humano, retratado pelo autor. No conto “O jogo do bingo”, o Zé observa que todos querem ser caridosos, quando pensam que seu ato filantrópico pode lhes trazer algum proveito. No conto “Meu Natal”, entristece-o ver crianças de rua, famintas e mulambentas, disputando alimento no lixo, com cães sarnentos.
Um homem doente mede as paredes de seu quarto, a solteirona vê a vida e a beleza esvaírem-se, na passagem do tempo; o homem de negócios às volta com o fracasso financeiro, com o olhar voltado para as pernas que passam: pra que tanta perna, meu Deus, se ele está quebrado. São flashes do olhar compadecido aos solitários vampiros da noite, a contar com a cumplicidade necessária das suas vítimas - revelam a evasão e fuga da realidade, a pressa e o medo do ser humano, anônimo e aflito, em meio à multidão. Serão retratos contundentes e amargos do ócio da cidade? Ou são sinais sombrios da época dos tristes, de um tempo de desesperados e aloprados, como estes que vivemos agora? a mais antiga das profissue a prostituiçda paquera e do comsca neurte, Almeida Fischer.
Almada Negreiros - Poema
ODE A FERNANDO PESSOA
Tu que tiveste o sonho de ser a voz de Portugal
tu foste de verdade a voz de Portugal
e não foste tu!
Foste de verdade, não de feito, a voz de Portugal.
De verdade e de feito só não foste tu.
A Portugal, a voz vem-lhe sempre
depois da idade
e tu quiseste aceitar-lhe a voz com a idade
e aqui erraste tu,
não a tua voz de Portugal
não a idade que já era hoje.
Tu foste apenas o teu sonho de ser a voz
de Portugal
o teu sonho de ti
o teu sonho dos portugueses
só sonhado por ti.
Tu sonhaste a continuação do sonho português
somados todos os séculos de Portugal
somados todos os vários sonhos portugueses
tu sonhaste a decifração final
do sonho de Portugal
e a vida que desperta depois do sonho
a vida que o sonho predisse.
Tu tiveste o sonho de ser a voz de Portugal
tu foste de verdade a voz de Portugal
e não foste tu!
Tu ficaste para depois
e Portugal também.
Tu levaste empunhada no teu sonho
a bandeira de Portugal
vertical
sem perder pra nenhum lado
o que não é dado aos portugueses.
Ninguém viu em ti, Fernando,
senão a pessoa que leva uma bandeira
e sem a justificação de ter havido festa.
Nesta nossa querida terra onde ninguém
a ninguém admira
e todos a determinados idolatram.
Foi substituído Portugal pelo nacionalismo
que é a maneira de acabar com os partidos
e de ficar talvez partido de Portugal!
mas não ainda talvez Portugal!
Portugal fica para depois
e os portugueses também
como tu.
In.Jayrus
Imagem retirada da Internet: by Almada Negreiros
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