Friedrich Hölderlin - Poema


Meio da vida


Com peras amarelas
E repleta de rosas silvestres
A terra estende-se por cima do lago,
Vós graciosos cisnes!
E embriagados de beijos
Molhais a cabeça
Na sagrada e sóbria água.

Pobre de mim ! onde irei buscar
Quando for Inverno, as flores e
Onde o brilho do Sol
E as sombras da terra ?
Frios e mudos,
os muros erguem-se;
ao vento, as bandeiras tilintam.


Tradução de Luís Costa

Imagem retirada da Internet: Hölderlin

Elizabeth Caldeira - Poema


BIPOLAR




O kamikaze
mergulha
em vôo errático,
no vale da morte.
E fica, enquanto
a sombra do que é
permanece.

E quando a vida
revés retorna,
emerge para
o outro pólo.

Então sorri,
da desgraça de si.

Assim vai vivendo
mar adentro,
procurando o caminho,
o equilíbrio, o centro



In. Página da Escritora
Imagem retirada da Internet: Kamikaze

Luiz de Miranda - Poema

Ponto de Partida



A Alceu Valença




Não sonharei o impossível
nem aurora
a luz vem luzindo
sua desesperada agonia
o passado move
sua chuva de caspa e cinza

Não me queiram cordato
sou sempre o reverso
o horizonte incabado
quando me julgam morto
renasço com os caídos e mato
para morrer de novo
à lucidez das palavras endurecidas

Alerta, neste quarto emprestado
à beira do coração
me sustento de miudezas
substantivos, verbos, adjetivos
complementos do cotidiano
e construo a esperança
como quem se salva
para salvar

Alerta na pampa
casa e coração
cinza no osso da dor
cinza no rosto do amor
arsenal da solidão
arreios da vida inteira

Não sonharei o
impossível
revoa a angústia
como pássaro sem prumo
nossos mortos, nossa morte
escuro silêncio
espaço sem ar
desequilibrando no céu
o algodão das palavras

Desequilibrando no céu
as aves de pouso alto
o alarme geral
das armas e das canções

Desequilibrando, desequilibrando


Fonte: Página do autor

Imagem retirada da Internet: Alceu Valença

Luiz de Miranda - Poema


Poética brava


A Guilhermino Cesar




O poema é o sistema
onde a palavra
grava o conteúdo
grave o feroz de tudo
grava o que não tem
princípio ou término
e só finda num fundo
de olho
onde a vida é um retrato
transparente da verdade

O poema não tem dilema
entre um susto e outro
sobrepõe-se por camadas de
som
é um potro vidente
armado até os dentes
da fúria doce da imagem


Fonte: Página do autor

Imagem retirada da Internet: Luiz de Miranda

Brasigóis Felício - Poema



A FEIRA DO POVO




No sertão nordestinado

a feira do povo

é uma economia de centavos


São ovos ambicionados

de um viver sextavado


Um real é dinheiro digno

de consideração e apreço


Galinha do pé seco

não dá pra quem quer


Zé da buchada quer enricar

só de as destripar


Mais velha que as penosas

só a perpétua necessidade


Manga e mamacadela

fazem lama de derrama


Quem vendeu umbu a beça

agradece a Deus, alegroso,

com um sorriso banguelo


Pitomba e melancia

entram em promoção

depois que se desmancham:


“Comprem de mim,

que minha minhas irmãs estão buchudas,

e minha mãe vai parir!”


O chão é azinabrado pelo sangue

de animais estripados

à vista do freguês


Que é para ele ver

o quanto é duro morrer

Cabeças de bode,

de porcos e vacas nos fitam

com olhar esbugalhado

Na feira do povo

muitos têm que morrer

para sustentar a fome eterna

dos que só vivem para comer


A freguesia vem do agreste

onde só vive cabra da peste

calcinado na caatinga

onde a vida é bem mofina


Da vida ávida por viver

é feita a feira do povo:


O desespero é gritado

no rebanho de condenados

do sertão nordestinado.



Foto by Arthur Soares: feira

Juan Gelman - Poema

Juan Gelman


Epitáfio


Un pájaro vivía en mí.
Una flor viajaba en mi sangre.
Mi corazón era un violín.

Quise o no quise. Pero a veces
me quisieron. También a mí
me alegraban: la primavera,
las manos juntas, lo feliz.

¡Digo que el hombre debe serlo!

(Aquí yace un pájaro.
Una flor.
Un violín.)



In Violín y otras cuestiones

Imagem retirada da Internet: Juan Gelman

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