TERRY EAGLETON Ateístas de ocasião Por Deonísio da Silva em 17/8/2010 | |
O britânico Terry Eagleton, de 67 anos, é filósofo e crítico literário. Não navega na internet, não tem e-mail, não anda com celular e usa computador apenas para escrever. Ele faz falta na internet. Seus adversários intelectuais teriam muito a perder e sofreriam muito com suas tiradas irônicas. "Católico desde o berço e marxista desde a escola", como o definiu Laura Greenhalgh, que o entrevistou para o Estadão (14/8, caderno "Sabático", p. 4), disse que a onda de ateísmo atual começou no dia 11 de setembro de 2001. É que irrompeu ali um "absolutismo metafísico que colocou o Ocidente em xeque". Em nome do Islã, pessoas doavam a vida, certas de que morreriam em troca de um bem maior. Aos ateístas, ele dá um conselho que não pediram. Nas palavras da entrevistadora: "Em vez de desacreditar Deus e fomentar a islamofobia, é tempo de recuperar o melhor das tradições socialistas e judaico-cristãs, gerando pensamento ético." De sua autoria, a editora Civilização Brasileira está lançando O problema dos desconhecidos, e a Jorge Zahar, Jesus Cristo – os evangelhos. Ao criticar com veemência o biólogo Richard Dawkins, autor de Deus - um delírio (Companhia das Letras), ele diz: "Dawkins é um liberal respeitável, inclusive se manifestou contra a intervenção no Iraque", mas "está no fundo contribuindo com a ideologia da guerra, ao investir de forma tão alucinada contra Deus." Acha também que os autores ateístas surgidos recentemente formulam falsas questões: "Quando o mundo começa efetivamente é uma pergunta para os cientistas, não para os teólogos. Até São Tomás de Aquino sabia disso." A política não se interessa pelas pessoas É uma crítica nada sutil. Os autores que lideram o combate ao que entendem por Deus, nem sequer se dão ao trabalho de aferir se são maioria os cristãos que não aceitam a teoria da evolução e acreditam que Deus criou o mundo, lendo a Bíblia como se fosse um livro de ciências. Isso é coisa do século 19. Eagleton teve um livro sobre teoria literária muito lido. A intelligentsia vivia outra época. Eram os anos 1960 e 70. "Havia uma atmosfera intelectual ambiciosa." E hoje? "Ficamos menos ambiciosos." E pergunta à entrevistadora: "Já percebeu como as pessoas não estão interessadas em formular questões fundamentais?" E ela indaga: "Seria preguiça intelectual?" Ao que ele responde: "Não é bem isso. As pessoas formulam grandes questões quando sentem que há chance de mudança lá na frente. Hoje as visões ficaram estreitas e de curto prazo, justamente quando o mundo mais se globaliza. A inteligência se retraiu, consequentemente a teoria literária também." Como se trata de um autor que é também professor, acrescenta: "Perdemos o nervo que nos fazia ousar. Meus alunos hoje só se interessam por cultura popular. Ou pela cultura da política, não pela política." E, criticando especialmente as alunas, diz que elas não querem saber do potencial transformador que o movimento de liberação da mulher teve nos anos 1960. Conclui dizendo que as pessoas não se interessam pela política porque a política não se interessa por elas. | |
In. Observatório da Imprensa Deonísio da Silva, escritor, doutor em Letras pela USP |
Deonísio da Silva - Ensaio
Alcir Pécora - Crítica Literária
Erudito dissonante
Wilson Martins (1921-2010), sob vários títulos, poderia ser autor muito lido, citado e consultado na crítica universitária contemporânea. Em primeiro lugar, pela aproximação ampla que tentou da cultura material e, em particular, da história do livro e da leitura -hoje, objeto de uma infinidade de teses e artigos.
Foi o que fez, por exemplo, em ‘A Palavra Escrita - História do Livro, da Imprensa e da Biblioteca’ (1957), quando os historiadores Robert Darnton ou Roger Chartier nem haviam feito graduação.
Depois, pelo esforço de pesquisa documental exaustiva, pela disposição de compor inventários, séries cronológicas e biobibliográficas, que hoje são procedimentos correntes e valorizados nas investigações de arquivo em todas as faculdades importantes do país.
Nem seria preciso lembrar o quanto isso ocorre nos sete volumes da ‘História da Inteligência Brasileira’ (1976-79).
Martins poderia ser autor apreciado também pelo amplo cruzamento de áreas que promove em suas análises, pela comparação sistemática da literatura com os diversos gêneros letrados praticados em certo período.
Encontra hoje muitos ecos a sua tentativa metodológica de elencar e contrapor diferentes fenômenos intelectuais, de modo a lançar hipóteses sobre a sua estrutura comum, a detectar o que constituísse a sua ‘forma mentis’, como dizia, bem como a homologia entre as várias práticas intelectuais e artísticas.
É o que ocorre não apenas na citada ‘História da Inteligência Brasileira’, cujo título já é elucidativo desse empreendimento interdisciplinar, mas de boa parte de sua crítica.
Mas não se passa assim. Talvez consultado, antes das aulas, mas não discutido dentro delas; poucas vezes debatido nas bancas diárias dos estudos literários na universidade.
Por que isso se dá? Ou melhor, como isso se deu?, ocorre perguntar, quando a sua morte tão recente salienta, de repente, a sua ausência anterior.
É possível que o descaso seja fruto colhido pela ruptura do pacto de cordialidade no trato de parceiros de profissão? Está claro que Martins não tinha mãos para panos quentes e sua escrita deixava vazar sem dó o gosto da polêmica e da mordida crítica. Não raro, anotava na obra examinada a pouca familiaridade com a matéria, a ignorância bibliográfica, a indigência no domínio da língua, quando não isso tudo, e mais.
Em qualquer ano que se abra, por exemplo, os dois volumes da sua ‘Crítica Literária no Brasil’ (1983), colegas de ofício, com carreira acadêmica e representação institucional importantes, se veem constrangidos a lhe sentir publicamente a fervura do verbo.
A vontade de tornar expressiva e superjustificada a crítica que fazia, mais do que de matizá-la e equilibrá-la, dava ar de truculência verbal e mesmo de destempero ao que, por outro lado, estava mais para orgulho de andar sozinho, de ser avis rara ‘no país da patotagem, do compadrio, do você é de direita, eu sou de esquerda’, como o traduziu seu editor José Mario Pereira.
É como se não aliviasse a mão para deixar claro que se comprometia moralmente, existencialmente, com a dissonância que introduzia na conversa, e que o desacordo era o modo privilegiado de fazer andar a conversa.
À estridência de sua crítica, que entrava sem pedir licença na cena da leitura, confundindo, por vezes, rigor e falta de polidez, tem correspondido o silêncio diante dela, o que tanto ressalta o ambiente suscetível e aparelhado, como a simples indisposição para o trabalho que daria responder a ela. Mas essa é apenas a hipótese mais imediata para o terceiro plano ao qual se relega a sua obra vasta, de proliferação enciclopédica.
Se comecei dizendo que Martins calhava com certa tendência inventarial da crítica contemporânea, ele se afasta dela não apenas pela exacerbação crítica, pela erudição, mas sobretudo pela concepção de crítica, que dá primazia cultural ao debate e ao juízo ‘a quente’ da produção contemporânea -exercidos principalmente nas páginas dos jornais- sobre o ensaio crítico universitário elaborado sobre o consagrado e consensual.
Quando ele diz que ‘a crítica só pode ser universitária depois que a crítica jornalística deu a sua palavra’, não está afirmando apenas uma prerrogativa temporal, mas uma precedência epistemológica. Num ambiente em que o jornalismo literário e de erudição autodidata já perdeu há muito tempo o prestígio diante da especialização universitária, compreende-se que Martins soe antiquado.
Não é o mais grave. Não é apenas que, por exemplo, as páginas de literatura se encolham nos jornais, não fosse por outro motivo, pela falta de eruditos nas redações ou de intelectuais de primeira dispostos a entrar na cena armada dos lançamentos editoriais.
Mais drástico é o encolhimento dos estudos literários dentro dos próprios departamentos universitários de literatura, a qual perde -já perdeu- não apenas espaço para os estudos culturalistas de gêneros, minorias, direitos, testemunhos terríveis e edificantes, como para a ‘teoria’ que a toma como ilustração e exemplo, não como corpo epistemológico da investigação ou do prazer físico da leitura.
Quer dizer, quando a própria literatura sai de cena, o nome de Martins é só mais um que sai junto com ela.
ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)."
Principal obra será relançada no ano que vem
Crítico literário atuante na imprensa brasileira, Wilson Martins morreu em Curitiba (PR) no dia 30 de janeiro de 2010, aos 88 anos. Nascido em São Paulo, foi professor de literatura na Universidade Federal do Paraná até 1972 e na Universidade de Nova York (EUA) até 1992.
Colaborou na revista ‘Joaquim’ -criada em 1946 pelo escritor Dalton Trevisan- e nos jornais ‘O Estado de S. Paulo’, ‘Gazeta do Povo’ (de Curitiba), ‘Jornal do Brasil’ e ‘O Globo’ (ambos do Rio). Seus textos na imprensa estão em ‘O Ano Literário’ (Topbooks) e ‘Pontos de Vista’ (T.A. Queiroz). Escreveu ainda ‘A Ideia Modernista’ (Topbooks) e ‘A Crítica Literária no Brasil’ (Francisco Alves).
Mas sua obra de maior envergadura é ‘História da Inteligência Brasileira’, em que percorre, em sete volumes, a formação das ideias politicas, sociais e culturais no país desde o século 16. Ela será relançada em 2011 pela Editora da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
Martins recebeu dois prêmios Jabuti pela obra -em 1977 e em 1978."
Fonte:
Imagem retirada da Internet: Alcir Pécora |
Ildásio Tavares - Poema
Thomas Hardy 2004
Dois meninos se caçam.
Dois meninos se acham
e se matam no deserto sagrado,
à sombra de um imponente zigurate.
Indiferentes, fluem os rios
que amamentaram a civilização
no lugar de onde saiu a semente
de justiça, de paz, o ungido do Senhor.
Fosse outra ocasião,
esses meninos estariam jogando bola
e depois, tomando uma cerveja
no primeiro bar da esquina,
contariam suas proezas, um
da fantasia, outro da realidade
de seus haréns, como fazem
os meninos de Ceca e de Meca,
de cá e de lá.
Leila Míccolis - Poema
Falas muito de Marx,
de divisão de tarefas,
de trabalho de base,
mas quando te levantas
nem a cama fazes...
Vinícius de Moraes - Poema
A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.
Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.
Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!
Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!
Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.
Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...
Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!
Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.
Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.
Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamen
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!
Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade me vem de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.
Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.
Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te ama…
Vinicius de Moraes."
Fonte: Vinícius de Moraes
in Antologia Poética
in Pátria minha
in Poesia completa e prosa: "Nossa Senhora de Los Angeles"
Imagens Google
Ildásio Tavares - Poema
Eu canto o homem vulgar, desconhecido
Da imprensa, do sucesso, da evidência
O herói da rotina,
O rei do pijama,
O magnata
Do décimo terceiro mês,
O play-boy das mariposas
O imperador da contabilidade.
Esse que passa por mim
Que nunca vi outro assim.
Esse que toma cerveja
E cheira mal quando beija.
Esse que nunca é elegante
E fede a desodorante.
Esse que compra fiado
E paga sempre atrasado.
Esse que joga no bicho
E atira a pule no lixo.
Esse que sai no jornal
Por atropelo fatal.
Esse que vai ao cinema
Para esquecer seu problema.
Esse que tem aventuras
Dentro do beco às escuras.
Esse que ensina na escola
E sempre sofre da bola.
Esse que joga pelada
E é craque da canelada.
Esse que luta e se humilha
Pra casar bem sua filha.
Esse que agüenta o rojão
Pro filho ter instrução.
Esse que só se aposenta
Quando tem mais de setenta.
Esse que vejo na rua
Falando da ida a lua.
Eu canto esse mesmo, exatamente
Esse que sonhou em, mas nunca vai
Ser:
Acrobata,
Magnata,
Psiquiatra,
Diplomata,
Astronauta,
Aristocrata.
(É simplesmente democrata)
Almirante,
Traficante,
Viajante,
Caçador de
Elefante
(Vive só como aspirante)
Pintor, compositor
Senador, sabotador
Escritor ou Diretor
(É apenas sonhador)
Pistoleiro,
Costureiro,
Terrorista,
Vigarista
Delegado,
Deputado,
Galã na tela
Ou mesmo em telenovela,
Marechal,
Industrial,
Presidente,
Onipotente,
(Ele é simplesmente gente)
E, inconsciente marcha pela vida
buscando no seu bairro
Na cidade lá do interior,
No escritório, consultório
No ginásio,
Na repartição,
Na rua, no mercado, em toda a parte
Somente uma razão
Para poder dormir com a esperança
E de manhã, na hora do encontro
Com o espelho, ao fazer a barba,
Ver o reflexo do campeão,
Mas que, na frustração cotidiana,
Vai encontrando aos poucos sua glória
Por isso eu canto a luta sem memória
Desse homem que perde, e não se ufana
De no rosário de derrotas várias
E de omissões, e condições precárias
Poder contar com uma só vitória
Que não se exprime nas mentiras tantas
Espirradas sem medo das gargantas
Mas sim no que ele vence sem saber
E não se orgulha, campeão na história
Da eterna luta de sobreviver.
Enzo Carlo Barroco - Poema
Paisagem num fim de tarde
Ai, essa tarde tão bela
Sobre a baía turva,
Ante uma nuvem amarela,
Ante o dia que se encurva!
E um vento trazendo frio,
Não vejo sinal de chuva;
Súbito um arrepio
Na tarde silente e fulva.
Na paisagem me intrometo
Pois os segundos se apressam,
Que a noite surgiu à porta
Toda vestida de preto.
Ai, essa tarde tão bela
Logo mais estará morta!
Enzo Carlo Barrocco, paraense de Tracuateua, poeta, contista, cronista e pesquisador literário, no convés da fragata desde 1960, caminha por vários gêneros poéticos, como o soneto, o poema livre, o poetrix a trova, o hai-kai, embora algumas vezes tenha enveredado pelas sendas do conto, da crônica e da pesquisa. A síntese, como próprio poeta gosta de afirmar, é a sua principal característica, dando especial atenção à poesia que é o seu melhor momento.
Imagem retirada da Internet: Fim de tarde em Niterói
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