Adélia Prado - Poema

















Objeto de Amar





De tal ordem é e tão precioso
o que devo dizer-lhes
que não posso guardá-lo
sem que me oprima a sensação de um roubo:
cu é lindo!

Fazei o que puderdes com esta dádiva.
Quanto a mim dou graças
pelo que agora sei
e, mais que perdôo, eu amo.



Imagem retirada da Internet: Adélia Prado

Marguerite Yourcenar - (1903 -1987)


Cantinela para un flautista ciego



Flauta en la noche solitaria
Presencia de una lágrima;
Todos los silencios de la tierra
Son pétalos de tu flor.

Sopla en la sombra tu polen,
Alma llorando, casi sin ruido,
Miel de una boca profunda
Que al besar la noche fluye.

Y si tus lentas cadencias
Son el pulso de las tardes de verano
Convéncenos que el cielo baila
Porque un ciego cantó.



Versión de Silvia Barón-Supervielle



In. A Media Voz

Imagem retirada da Internet: Yourcenar

Arthur Rimbaud (1854-1891)



Jean Nicolas Arthur Rimbaud


A la música


Plaza de la Estación, en Charleville

A la plaza que un césped dibuja, ralo y pobre,
y donde todo está correcto, flores, árboles,
los burgueses jadeantes, que ahogan los calores,
traen todos los jueves, de noche, su estulticia.

-La banda militar, en medio del jardín,
con el vals de los pífanos el chacó balancea:
-Se exhibe el lechuguino en las primeras filas
y el notario es tan sólo los dijes que le cuelgan.

Rentistas con monóculo subrayan los errores:
burócratas henchidos arrastran a sus damas
a cuyo lado corren, fieles como cornacas,
-mujeres con volantes que parecen anuncios.

Sentados en los bancos, tenderos retirados,
a la par que la arena con su bastón atizan,
con mucha dignidad discuten los tratados ,
aspiran rapé en plata , y siguen: «¡Pues, decíamos!...»

Aplastando en su banco un lomo orondo y fofo,
un burgués con botones de plata y panza nórdica
saborea su pipa, de la que cae una hebra
de tabaco; -Ya saben, lo compro de estraperlo.

Y por el césped verde se ríen los golfantes,
mientras, enamorados por el son del trombón,
ingenuos, los turutas, husmeando una rosa
acarician al niño pensando en la niñera...

Yo sigo, hecho un desastre, igual que un estudiante,
bajo el castaño de indias, a las alegres chicas:
lo saben y se vuelven, riéndose, hacia mí,
con los ojos cuajados de ideas indiscretas.

Yo no digo ni mú, pero miro la carne
de sus cuellos bordados, blancos, por bucles locos:
y persigo la curva, bajo el justillo leve,
de una espalda de diosa, tras el arco del hombro.

Pronto, como un lebrel, acecho botas, medias...
-Reconstruyo los cuerpos y ardo en fiebres hermosas.
Ellas me encuentran raro y van cuchicheando...
-Mis deseos brutales se enganchan a sus labios...

Delmira Agustini (Uruguay, 1886-1914)






Serpentina


En mis sueños de amor, ¡yo soy serpiente!
Gliso y ondulo como una corriente;
Dos píldoras de insomnio y de hipnotismo
Son mis ojos; la punta del encanto
Es mi lengua… ¡y atraigo como el llanto!
Soy un pomo de abismo.
Mi cuerpo es una cinta de delicia,
Glisa y ondula como una caricia…
Y en mis sueños de odio, ¡soy serpiente!
Mi lengua es una venenosa fuente;
Mi testa es la luzbélica diadema,
Haz de la muerte, en un fatal soslayo
Son mis pupilas; y mi cuerpo en gema
¡Es la vaina del rayo!
Si así sueño mi carne, así es mi mente:
Un cuerpo largo, largo de serpiente,
Vibrando eterna, ¡voluptuosamente!


Alfonsina Storni (Argentina, 1892-1938)


















Tú me Quieres Blanca


Tú me quieres alba,
Me quieres de espumas,
Me quieres de nácar.
Que sea azucena
Sobre todas, casta.
De perfume tenue.
Corola cerrada
Ni un rayo de luna
Filtrado me haya.
Ni una margarita
Se diga mi hermana.
Tú me quieres nívea,
Tú me quieres blanca,
Tú me quieres alba.
Tú que hubiste todas
Las copas a mano,
De frutos y mieles
labios morados.
Tú que en el banquete
Cubierto de pámpanos
Dejaste las carnes
Festejando a Baco.
Tú que en los jardines
Negros del Engaño
Vestido de rojo
Corriste al Estrago.
Tú que el esqueleto
Conservas intacto
No sé todavía
Por cuáles milagros,
Me pretendes blanca
(Dios te lo perdone),
Me pretendes casta
(Dios te lo perdone),
¡Me pretendes alba!
Huye hacia los bosques,
Vete a la montaña;
Límpiate la boca;
Vive en las cabañas;
Toca con las manos
La tierra mojada;
Alimenta el cuerpo
Con raíz amarga;
Bebe de las rocas;
Duerme sobre escarcha;
Renueva tejidos
Con salitre y agua;
Habla con los pájaros
Y lévate al alba.
Y cuando las carnes
Te sean tornadas,
Y cuando hayas puesto
En ellas el alma
Que por las alcobas
Se quedó enredada,
Entonces, buen hombre,
Preténdeme blanca,
Preténdeme nívea,
Preténdeme casta.

Imagem retirada da Internet: Alfonsina

Paul Verlaine - Poema







Paul Verlaine 











Canção do Outono

         


Os soluços graves
Dos violinos suaves
Do outono

Ferem a minh'alma
Num langor de calma
E sono.

Sufocado, em ânsia,
Ai! quando à distância
Soa a hora,
Meu peito magoado
Relembra o passado
E chora.

Daqui, dali, pelo
Vento em atropelo
Seguido,
Vou de porta em porta,
Como a folha morta
Batido...


Tradução: Alphonsus de Guimaraens


Imagem retirada da Internet: Verlaine

Francisco Perna Filho - Conto

Com a aproximação da Copa do Mundo de Futebol, resolvi republicar o conto Plenilúnio.



PLENILÚNIO




Francisco Perna Filho

                                               
Uma bola de fogo cruzou o céu da fazenda e, rodopiante, acompanhou os mesmos movimentos de Natinho em volta da fogueira de São João, por um momento, pareceu coalhada no firmamento, todos a observavam, ao passo que se voltavam para o menino, que também inerte se perdia no pesadelo do esquecimento. A bola saiu do seu descanso aparente, zigzagueou por sete vezes, descendo em disparada de encontro ao peito de Natinho, que se desfez em cinzas. Naquela noite.

Um menino, um rádio e a ilusão do futebol. Foi assim que muitos disseram, anos depois, quando Natinho já não estava mais entre nós. Era Copa do Mundo de Futebol, México, 1970, estávamos reunidos em volta de uma mesinha de centro, no alpendre da minha casa, ouvindo um rádio à válvula, quando ele chegou. Tinha os olhos tristes e distantes e uma palidez de ausências. Viera com a sua mãe e dela não se desgrudara por nenhum instante até o apito final, quando o Brasil venceu a Itália por 4 a 1 no estádio Azteca.

Durante a narração do jogo, num dado momento, começou a girar em torno de si mesmo, até cair desfalecido. Foi um alvoroço. Trouxeram álcool, esfregaram nos seus pulsos. Jogaram água na sua cabeça, e nada. Quando já pensavam em chamar o médico, ele começou a se mexer e, como se nada tivesse acontecido, abriu os olhos e levantou-se tranqüilamente. A mãe, sem se pronunciar, o pegou pelo braço e o levou para fora da casa. O jogo já estava no fim. Ouviu-se uma gritaria, foguetes e muito riso. O Brasil sagrara-se tricampeão do Mundo.

Alguns dias se passaram, e eu, ao voltar do trabalho, deparei-me com o menino, com os olhos arregalados, um cabo de vassoura na mão, e o rádio à válvula todo destruído. Sem saber o que fazer, pedi que chamassem a mãe dele, na casa ao lado. Quando ela veio, o menino começou a berrar e a pular repetidas vezes. Ela o pegou pela orelha, pediu-me desculpas, prometendo arcar com o prejuízo, e o levou embora. Mais tarde vim a saber o porquê daquela destruição. Por insistência de um garoto, filho da dona da casa na qual ele estava hospedado, resolvera procurar, por entre as válvulas, os homens que narravam o jogo com a promessa de ganhar - deles - uma bola.

Desde cedo, Natinho demonstrou uma predileção pela forma circular, arredondada. Ainda no meu colo teve a sua primeira experiência com essa forma, quando, na Lua Cheia de Áries, gritou descontroladamente e pinoteou, como querendo se soltar dos meus braços, para depois adormecer profundamente. E foi assim durante muito tempo, por doze ou treze vezes ao ano, repetia o ritual do plenilúnio, postava-se no batente da porta, que dava para o pátio, e ali, após um longo momento de contemplação, começava falar em uma língua estranha e rodopiar em volta de si mesmo, até cair inconsciente. 

Cresceu contando as luas, e, naqueles dias que antecediam ao espetáculo celeste, ele se transformava, ficava quieto, silencioso e isolado. Gostava de refugiar-se na Grota, um riacho de água gelada, que passava atrás do sítio da fazenda. Sentava-se na sua ribanceira, e de lá atirava pedras na água. Encantava-se com os círculos que iam se formando, crescendo e indo embora. Entre uma pedra e outra, aproveitava para fazer rolar, ladeira abaixo, as laranjas que trazia consigo, num misto de gozo e felicidade.

Natinho cresceu e, aos dez anos, ficou extasiado ao se deparar com um repolho, sobre a mesa da cozinha, aquela lua verde esbranquiçada, todo fundido em camadas, como ele viria a chamá-lo. Depois do susto, ficou andando por uma hora em volta da mesa, numa contemplação circunferencial, sem saber o porquê daquele sentimento. Durante toda aquela semana pensou no repolho, chegou até sonhar que ele tinha vida e eles eram amigos. Jamais aceitou comê-lo e repreendia, enfurecido, quem o fizesse na sua frente.

Desde a primeira vez que vira uma bola, nunca mais tivera sossego. Foi num exemplar da revista Cruzeiro, esquecida por um visitante na varanda da nossa casa. Naquele dia, algo mágico aconteceu. Ficou transtornado, deu cambalhotas, chorou. Até então só conhecia as bolinhas de meia que eu confeccionava para ele brincar. Depois disso, não quis mais comer, não saia do quarto, sempre trazia consigo a fotografia da bola, comprimida no peito nu e esguio. Uma paixão avassaladora.

O tempo passava e Natinho parecia mais esquisito, mais só, redondo nas suas elucubrações, nos seus pensamentos e visões, como a que ele tivera no momento que estava no curral ajudando o pai na ordenha do gado, como ele mesmo me dissera, e uma Lobeira, dessas bem grandes e verdes, desprendeu-se não se sabe de onde e começou a levitar, movendo-se em círculos, depois caiu e quicou inúmeras vezes, até desaparecer por detrás do curral. Seu pai nada percebera, mas jamais acreditou que o nosso filho estivesse predestinado ao encantamento, como os fatos viriam a se confirmar, anos depois. Na noite em que comemorámos o Pentacampeonato, uma bola de fogo cruzou o céu da fazenda. À primeira vista, pensávamos que fosse fogos de artifício, algo a mais na comemoração da vitória do Brasil sobre a Alemanha, apenas pensamos, porque ela parecia repetir os movimentos do nosso filho. Ao sair do seu descanso aparente, zigzagueou por sete vezes, descendo em disparada de encontro ao peito dele, que se desfez em cinzas.

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