César Moro - Poema
José Inácio Vieira de Melo - Poema
Luís Quintais - Poema
Rua do Loreto. Todas as visões do mundo são parciais.
Como uma invenção de Vermeer
as traseiras de um edifício antigo
podem ser os limites da minha moldura.
Nada há de exaustivo
no olhar humano. A chaminé de tijolo tinge o céu
de um vermelho débil
que ele nunca teve.
Um universo de vozes,
infectos cheiros de cozinhas adjacentes, ruídos
que quebram o alheamento que sobre as fechadas
se perpetua.
Em baixo, uma varanda onde nunca está ninguém.
Nada sei da ausência que a varanda desvenda.
Do lado esquerdo, o parapeito alto confere-me a certeza
de que os meus domínios foram encontrados.
Neste perímetro de luz
procuro a consistência dos sentidos.
O território com que se abastece uma paixão descritiva,
o lastro da imaginação.
João Cabral de Melo Neto - Poema
Olavo Bilac - Poema
Olavo Bilac - Poema
Rosana Carneiro Tavares - Ensaio
Pet Shop / Mundo Cão*
Por Rosana Carneiro Tavares
Viver socialmente nos imprime uma necessidade de hipocrisia que vai muito além de qualquer conscientização de nosso papel social e de nossas ações orientadas por valores pessoais. Somos, na realidade, engolidos pelo nosso sistema. Somos todos hipócritas!
Não sabemos porque trabalhamos, porque compramos determinados produtos, porque nos divertimos, para que estudamos, enfim, não sabemos porque vivemos. Só sabemos que precisamos trabalhar, incansavelmente, para viver. Trabalhar até não podermos mais fazê-lo porque adoecemos ou porque morremos.
Temos uma imensa necessidade de adquirir as coisas que não podemos jamais parar. A televisão de 30 e tantas polegadas, tela plana, tela côncava, tela convexa. O celular cada vez menor, mais iluminado e estridente. O carro a cada dia mais redondo, hoje com uma antena no teto, no próximo ano ela vem no pára-choque, no outro em cima do retrovisor, enfim não podemos perder nenhuma oportunidade de aproveitar a evolução tecnológica que nossa sociedade nos proporciona.
Nessa busca desenfreada esquecemo-nos de procurar entender o sentido das coisas. Acreditamos que sabemos o que queremos e que temos liberdade para fazer nossas escolhas. Temos absoluta certeza de que somos livres, de que podemos fazer o que quisermos de nossas vidas. Podemos optar por trabalhar ou não, por participar de alguma mobilização social ou não, enfim podemos escolher entre viver ou morrer!
Somos tão livres que podemos escolher desistir de nos integrarmos ao nosso sistema social e, ao invés de produzir incansavelmente e consumir desenfreadamente, podemos “optar” por passar a viver das benesses daqueles que têm. E nessa crença de total liberdade e autonomia a sociedade se divide, uma parte detém o poder, a riqueza, o saber, enquanto a outra fica subjugada a essa.
É assim, a gente trabalha, e trabalha para manter o poder daquele que já o detém, não nos apropriamos do nosso trabalho, pois quem colhe os frutos é o outro. E, ainda assim, acreditamos que somos livres até para julgar aquele que não está inserido no mercado, aqueles que são marginalizados, como por exemplo os “loucos” , que “são um peso para a nossa sociedade e estão insuflando nosso sistema de saúde”.
É essa a nossa sociedade, onde as pessoas desesperadamente buscam se incluir, lutam pelo quinhão que acham que lhe é de direito, excluem aqueles que não o fazem, e não se julgam responsáveis pelo caos social instalado no mundo moderno. Todos responsabilizam o Estado para políticas inclusivas. O Estado toma essa responsabilidade para si, com programas e mais programas de combate à exclusão e acredita que está combatendo. E assim nós vamos “vivendo”, pagando nossos impostos e delegando ao Estado as responsabilidades sociais. As pessoas no poder de Estado acreditando que sua colaboração está sendo dada. Os excluídos, à medida que se fortalecem, vão criando movimentos sociais de pressão para sua inclusão nesse sistema. E a hipocrisia se firma, nesse modelo de sociedade solitária, quem se inclui, exclui.
E nós vamos trabalhando, trabalhando desenfreadamente, repetidamente pensando em nossos finais de semana e nossos dias de folga como sendo nosso lugar ao sol. E não nos permitimos, nem nesses momentos, o desfrute do lazer por mero prazer. Tomamos um chá “para relaxar”, andamos de bicicleta “para termos saúde por mais tempo”, ouvimos música “para combater o estresse”, e ainda, se nada disso não nos trouxer um sentimento de adaptação a esse mundo, podemos contar com as fluoxetinas, sertralinas e benzodiazepínicos da “vida”. Essa é uma vida normal, quem não se adapta a ela é louco, e aos loucos nós já demos a sentença: serão trancafiados em uma instituição qualquer, por inadaptação ao caos.
Rosana Carneiro Tavares é Doutoranda em Psicologia(PUCGoiás); Mestre em Psicologia (UCG); Especialista em Saúde Mental (UCG); Especialista em Psicologia do Trânsito (UniUberaba) e Bacharel e Licenciada em Psicologia (UCG). Professora da Fundação Universidade do Tocantins. Autora do Livro Olhares:Experiência da CAPS. Goiânia: Kelps, 2009, do qual este ensaio faz parte.
Imagem retirada da Internet:Bebê.
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