Safo - Poema
VISÕES DA CIDADE
I
A cidade é vista sob a neblina difusa.
Há um desejo de vê-la cada vez mais de perto.
ela é vária e diluída ensina
um olhar de milhas
que não se perde em mim.
A cidade é dura,
é leve
é ilha.
Somente em mim ela se completa.
Acordada, sente o olhar humano,
e dormindo, afaga os sonhos mais diversos.
Há um querer de ruas,
de praças,
de espaços e vazios.
Francisco Perna Filho - Poema
CONCERTO PARA VIOLINO
O projétil desliza em linha reta,
não há tempo nem espaço.
A lógica da bala é estúpida,
rompe o elo da existência.
Poderia ser assim,
mas o maestro russo Serguei Diatchenko, 64,
preferiu a corda, a viga, o impulso.
Há tempos perseguia o som original,
usara de todos os recursos e instrumentos,
percorrera rios e insônias
para quedar ali como uma fraude.
Não fosse a cobiça,
a pecúnia,
os sons seriam outros,
o ritmo seria outro,
o modo e o compasso diferentes.
Mas não,
Roma era grandiosa,
e ele sonhara com instrumentos perfeitos:
Messias;
Viotti,
Khevenhüller,
Paganini,
Lipin´ski
Davidov.
Fora além do seu sonho,
e, por um instante, tornara-se o deus Stradivari.
Soubera-se famoso ao reger a própria sorte.
No momento em que pendia,
não se dera conta do som que perseguia.
* O maestro russo Serguei Diatchenko, de 64 anos e aluno do genial regente austríaco Herbert von Karajan, se suicidou em sua casa em Roma, onde permanecia detido pela suposta venda a seus alunos de violinos falsos por preços elevados(O Estadão - sábado, 1 de novembro de 2008, 12:13).
In.Visgo Ilusório. Francisco Perna Filho. Goiânia: PucGoiás/Kelps (Prosa & Verso - Prefeitura de Goiânia). 2009,p.54.
SONETO EM DESALINHO
Francisco Perna Filho
Para onde me levará este olhar,
quando ainda não compreendo os caminhos,
com um amargo da palavra que me invade
e a luz rouca dos teus olhos que me fitam.
No teu silêncio principio a minha angústia,
longe, vaga, e tão presente me assola,
de dia, brinco, rio, falo, cantarolo,
de noite, cego, tateio sem destino.
Houvesse uma bússola para consolo,
nas batidas lentas dessa nossa vida,
eu seria um outro homem em escalada,
Mas a vida sonora é silêncio,
e a luz que brilha é o caminho que me cega,
quedo em canto, em pranto, em incerteza, em nada.
Palmas, 30/06/2009
Imagem: Lucien Freudhttp://media.photobucket.com/image/lucien%20freud/drawpartner/freudbyauerbach.jpg
Francisco Perna Filho - Poema
VISITAÇÃO
Quando os meus olhos
já cansados de tantas buscas,
amarrados por um certo tempo a uma linha qualquer
perdida no caos do porto.
E eu, aflito e insone,
perpetuando as mágoas
de um marinheiro afoito ante o mar tão caudaloso,
revivo nos teus olhos a paz tão procurada
e deposito no teu corpo a agonia de tantas noites perdidas,
na incessante procura de quem habita os bares de fuga e canto.
E eu, um homem só,
sem coragem de voz
e congelado na Inércia desse apartamento,
aliviado pelo barulho insípido da chuva que chora compassadamente,
na compensação dos gritos e soluços,
que maquinalmente eu não consigo emitir,
uno-me aos teus passos
e no movimento do teu corpo redescubro a vida
há tanto desaconselhada ao meu irresoluto ser.
E agora,
com a paz que os teus olhos me trouxeram,
irmanada pela vida redescoberta no meu ser,
restabeleço-me com a força dos teus passos,
aos passeios de vento e vela,
e durmo o sono adolescente,
para reinventar uma nova manhã
de pesca,
barco
e mar.
Fabrício Carpinejar - Poema
Sou também um livro
que levantou
dos teus olhos deitados.
Em tudo o que riscavas,
queria um testamento.
Assim recolhia os insetos
de tua matança,
o alfabeto abatido
nas margens.
Folheava os textos,
contornando as pedras
de tuas anotações.
Retraído,
como um arquipélago
nas fronteiras azuis.
Desnorteado,
como um cão
entre a velocidade
e os carros.
Descia o barranco úmido
de tua letra,
premeditando
os tropeços.
Sublinhavas de caneta,
visceral,
impaciente com o orvalho,
a fúria em devorar as idéias,
cortar as linhas em estacas da cruz,
marcá-las com a estada.
Tua pontuação delgada,
um oceano
na fruta branca.
Pretendias impressionar
o futuro com a precocidade.
A mãe remava
em tua devastação,
percorria os parágrafos a lápis.
O grafite dela, fino,
uma agulha cerzindo
a moldura marfim.
Calma e cordata,
sentava no meio-fio da tinta,
descansando a fogueira
das folhas e grilos.
Cheguei tarde
para a ceia.
Preparava o jantar
com as sobras do almoço.
Lia o que lias,
lia o que a mãe lia.
Era o último a sair da luz.
“Um Terno de Pássaros ao Sul” (Escrituras, 2000)
Gerardo Mello Mourão - Poema
CATARINA
À rosa e ao vinho
Era servido o aroma –
E era das uvas, ao cristal, ao beijo
De tua boca a mera
Libação do aroma.
Rosa era teu nome, Susana,
Catarina – e bêbedos de rosas, Diônisos,
Caíamos de uns lábios tintos.
Fortaleza, 1996
In.Cânon & Fuga.Gerardo Mello Mourão. Rio de Janeiro: Record, 1999,p.14.
Imagem retirada da Internet: Uvas.
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