URBANO




Francisco Perna Filho









Rádios,

vozes,buzinas,

o cheiro dos cafés

e o dia refaz-se

nas palavras do homem

que denuncia o mundo

ao contemplar os seios

da mulher que passa.

Labirinto humano,

traçado e forjado

no livre arbítrio.

O homem,

cujos seios busca,

desmancha-se

em vozes,

luzes

e cansaço.

Também é morte,

Norte,

breve,

que se faz

noturno.



In.Refeição. Goiânia: Kelps, 2001, p.63


SHOW DE GRAÇA


Francisco Perna Filho













O ser, capenga,
capina.
A mata, em riste,
resiste.
Na lâmina cega,
o reflexo de mais um capítulo
de devastação.

Tão desolado,
do outro lado,
o homem fica.
Setenciado,
brinca de ser humano.

A lua olha
o cambaleante homem,
que perfila tombos pela avenida.
Numa igreja à vista,
uma placa indica:
Show de graça!
Sem pagar ingresso,
ele entra,
senta-se,
chora,
morre de rir.




In.Refeição. Goiânia: Kelps, 2001, p.91.

Imagem: Giorgio de Chirico. The archeologist, 1927. Óleo


ANOTAÇÕES


Francisco Perna Filho









Fundada em lonjura,
a saudade é áspera.
Farpado arame,
pintura descascada.

Turvo canto,
lânguido e impessoal
como a ausência,
sem defesa na hora que ataca,
como a fera que espreita e devora.


In.Refeição.Goiânia: Kelps, 2001, p.43.

MODERNIDADE


Francisco Perna Filho














Divisando o vazio

no espaço do grito,

na transgressão do interdito,

na instabilidade da perda,

no reflexo do eco.

Chorando os muros da modernidade,

com palavras parafusadas na alma

do fragmentado Ser,

a virgem cola sentimento

e clona o amor.





In.Refeição. Goiânia: Kelps, 2001, p. 55.

PANDEMIA


Francisco Perna Filho










Meu gato Pan,

de noite,

Mia.

Com sede,

Mia.

Com sono,

Mia.

Pan, de noite,

Mia.

Pan, de dia,

Mia.

Mia é a sua mãe.

Todos chamam-no

de Pan de MIA [PANDEMIA].



Foto by Francisco Perna Filho - Gato Chico.

Palavras de um morto










Francisco Perna Filho



O que seria a loucura para vós?
um homem voltado ao vazio,
nas ruas grávidas de gente?
meu coração parte-se.
E a mudez que o estampido rompe,
não desfaz minha fé nos homens,
nas palavras.
Tivésseis carregado vossas armas de boas intenções,
por certo, o medo não rondaria nossos caminhos.
Não vos acuso pela loucura do mundo,
mas não posso admitir
que façais tombar a esperança
de campos floridos,
de crianças correndo brilhatemente pelos bosques,
de janelas abertas prenhes de um novo dia.
Há um grito em cada verso meu,
grito abafado, mas sereno.
Um grito continental,
de clamor e piedade pela humanidade.
De que artes & manhas são feitas as guerras,
irmãos meus?
talvez da racionalidade humana,
porquanto loucos não declinam maldades,
apenas perseguem vazios.




In.Refeição. Goiânia:Kelps, 2001, p.89.

Imagem: http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=8797139806311672068

Espelhado de céu muito sereno














Por Francisco Perna Filho





Depois de morar em São Luis do Maranhão, Cuiabá, Palmas, Goiânia e Fortaleza, Jádson Barros Neves voltou à sua pequena cidade, Guaraí-TO, para uma jornada de intensas leituras e escritas.Leitor de William Cuthbert Faulkner, estudioso contumaz das nossas Letras, traz na alma, um tanto quanto inquieta, os causos, lendas e mitos da Região Norte, principalmente do sul do Pará, onde trabalhou como vendedor de secos e molhados, juntamente com seu pai, já falecido.

Jádson, ao longo dos seus quarenta e dois anos de existência, vem construindo um trabalho de fôlego na narrativa contemporânea brasileira, mais particularmente na categoria conto. Detentor de diversos prêmios literários, tanto no Brasil, como no exterior, valendo destacar o Concurso Guimarães Rosa/Radio France Internationale.

Enquanto o primeiro livro não chega (ainda é para este ano) Jádson vai se firmando como escritor, conquistando novos leitores e novas premiações, como recentemente o fez, nos 40 anos da UNICAMP, quando teve o seu conto “O Funil” incluído no livro “CONTOS – UNICAMP ano 40” (Editora da Unicamp,2007).

Ambientado num vilarejo qualquer, às margens de um rio qualquer, da memória do autor, o conto nos fala de companheirismo e perdas. Conta a história de Suzana, viúva de Orlando, e a do seu cunhado, José, na incansável busca para encontrar o irmão que fora tragado pelo rio quando nadava de volta para canoa, após recuperar a sua vara de pesca que caíra na água.

Narrada em terceira pessoa, intercalada por idas e vindas, irrompendo, às vezes, o discurso direto e o discurso indireto livre. O tempo narrado compreende quatro dias na vida dos personagens, desde a Sexta à tarde, quando Orlando caiu no rio, o Sábado e Domingo de buscas, até Segunda feira, quando o corpo foi encontrado.

Já de início, pode-se ver a força narrativa de Jádson, as belas imagens com que trabalha, consubstanciadas pela força lírica do seu texto. Como se pode conferir neste trecho:

“José havia remado a tarde inteira, por mais de dez quilômetros, rio abaixo, e também havia procurado ao longo do delta, nos baixios e nos remansos e agora estava exausto. Subia a ladeira que dava no vilarejo, onde uma lua gorda, amarela, nascia atrás da colina da igreja. Quando passava, as pessoas olhavam-no em silêncio, e José as cumprimentava e baixava a cabeça e as pessoas também baixavam a cabeça. Era um coro só, o coro do silêncio. José vinha adoecido daquele crepúsculo rápido e sangrento, daquele fim de inverno chuvoso, que ainda repercutia no horizonte em forma de relâmpagos esparsos.(...)”.

Com assomada capacidade perceptiva Jádson Barros Neves consegue, pela plasticidade de suas imagens, compor a atmosfera propícia para o fato narrado, como quando descreve a velha casa onde moram José e Suzana e, outrora, Orlando:

“A casa onde ela morava era velha, pintada de um amarelo corrompido pela ação das intempéries e descascada pelo sol. Esquecida, quase abandonada há anos, suas duas portas, suas três janelas fechadas, com fendas na madeira, guardando o silêncio e a poeira de muito tempo de esquecimento”.

Assim como a descrição encimada, muitos outros belos trechos são marcadamente inesquecíveis, como o que segue:

“Ela concordou mais uma vez com a cabeça e José foi fechando os olhos lentamente, contemplando a imensa lua amarela que sangrava perto da janela e lembrando do quanto era bonita a chuva no delta. Vira-a à tarde, uma cortina escura, que cavalgou escurecendo o horizonte”.

Percebe-se aqui, pelas passagens lidas e superficialmente analisadas, o pleno domínio da narrativa curta por Jádson Barros, a primazia com que tece as tensões nas suas histórias, sempre carregadas de muita reflexão e humanidade. Um voltar-se sobre si mesmo, revelando e encobrindo, causando no leitor a vontade de seguir adiante, como bem nos ensina Wendel Santos:

“O conto forma-se sob o anseio de duas tensões: o de revelar e o de encobrir. Tais tensões podem compor-se de modo o mais diverso. Há o conto que alterna revelação e encobrimento; há o conto que, de início, revela um mínimo suficiente para despertar a curiosidade leitora e, em seguida, numa ordem de crescimento constante, encobre seu objeto até o ponto em que é necessário outra vez revelá-lo(...)”

Jádson sabe muito bem do que fala Wendel Santos. Ele tem pleno domínio da técnica e da arte da escrita, sem falar no seu apurado senso estético. Adentrar a sua obra é permitir-se participar desse jogo, dessas tensões, para uma jornada de acontecimentos. O leitor está convidado a conhecer mais de perto o poder criativo deste autor tocantinense, que, sem medo de errar, faz parte do que de melhor há na Literatura Brasileira. Boa leitura!.





Imagem: Selfportrait - Maurits Cornelis Escher, Illustrador Holandês - 1898-1972.

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