Direito à Literatura
Para
que serve a Literatura? O que ela tem a ver com o Direito? Por que levar a
sério algo que não é verdadeiro, mas que é fruto da invenção humana? Falam da
necessidade da Literatura, o que isso quer dizer? Muitas interrogações para uma
vida breve.Pois vamos lá. A Literatura serve para nos descobrirmos como
humanos, como seres sociais críticos, para não nos deixarmos segregar, alienar,
alijar.
Ela
tem tudo a ver com o Direito, como o Direito a tem como suporte, que o ilumina,
considerando ser ela matéria do espírito, representação simbólica, criação.
Mais do que isso, o Direito vem para disciplinar a vida social, buscar a
convivência harmoniosa, restabelecer direitos, inclusive o direito à
Literatura, que governos autoritários insistem em usurpar. Sobre esse direito,
o professor Antonio Candido muito bem se manifestara ao dizer que a Literatura
é um direito do cidadão, tão necessária quanto o sonho, durante o sono,
considerando que em boa parte do nosso estado de vigília nós fabulamos, como
forma de resistirmos à dureza do mundo real. Portanto a literatura é
necessária, é um direito! Direito à Literatura, direito à imaginação, direito à
arte.
A
literatura é criação, poiesis, traz uma verdade que lhe é própria, verossímil,
criação do espírito, necessária para nossa sobrevivência, na medida que nos põe
em conexão com outras experiências imaginativas e, com isso, muitas vezes, nos
chama à reflexão, à restauração da verdade, como nos faz ver Guy de Maupassant
no seu conto A Morta, quando o narrador, morador de Paris, conta como perdera a
amante, acometida por uma espécie de resfriado, e como ele, após retornar de
uma viagem, tomado de saudade e angústia, resolvera ir ao cemitério, onde a
amante estava enterrada, para contemplar o seu túmulo e ali passar a noite.
Como
estava muito escuro, ele errara, por entre túmulos e cruzes, até estacar de
medo, diante de um túmulo, foi quando percebeu que o morto, em esqueleto, saía
do túmulo e caminhava. Após apanhar uma pedra pontiaguda no chão, ele, o morto,
com ela raspou as palavras do seu epitáfio e, logo após, com a ponta do osso do
seu indicador, escreveu com letras luminosas as seguintes palavras: “aqui
repousa Jaques Olivant, falecido com a idade de cinquenta e um anos. Apressou
com dureza a morte de seu pai de quem desejava herdar, torturou sua mulher,
atormentou seus filhos, enganou seus vizinhos, roubou sempre que pôde e morreu
miseravelmente”.
Segundo
o narrador, tal ação se seguiu em todos os outros mortos, apagando as mentiras
gravadas nos seus túmulos pelos seus parentes. Originalmente, o epitáfio de
Jaques Olivant trazia os seguintes dizeres: “Aqui repousa Jaques Olivant,
falecido com a idade de cinquenta anos e um anos. Amava os seus, foi honesto e
bom, e morreu na paz do senhor”.
Com
relação à sua amante, depois de muita perambulação, encontrou o túmulo dela,
não mais com os dizeres que havia escrito na sua cruz de mármore: “Ela amou,
foi amada, e morreu”, mas com os seguintes dizeres: “Tendo saído, um dia, para
enganar seu amante, resfriou-se sob a chuva, e morreu. ”
Em
tempo tão difíceis como o nosso, o conto de Maupassant nos vem como metáfora e
nos mostra que a Literatura pode, sim, nos libertar da estupidez humana que nos
segrega.
*Francisco Perna Filho é Mestre e Doutor em Literatura. Poeta e contista
Este texto foi escrito e originalmente publicado no DM, em 2020, quando eu era professor de Linguagem e Argumentação na UniAraguaia.


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