Direito à Literatura



Por Francisco Perna Filho



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Para que serve a Literatura? O que ela tem a ver com o Direito? Por que levar a sério algo que não é verdadeiro, mas que é fruto da invenção humana? Falam da necessidade da Literatura, o que isso quer dizer? Muitas interrogações para uma vida breve.Pois vamos lá. A Literatura serve para nos descobrirmos como humanos, como seres sociais críticos, para não nos deixarmos segregar, alienar, alijar.

Ela tem tudo a ver com o Direito, como o Direito a tem como suporte, que o ilumina, considerando ser ela matéria do espírito, representação simbólica, criação. Mais do que isso, o Direito vem para disciplinar a vida social, buscar a convivência harmoniosa, restabelecer direitos, inclusive o direito à Literatura, que governos autoritários insistem em usurpar. Sobre esse direito, o professor Antonio Candido muito bem se manifestara ao dizer que a Literatura é um direito do cidadão, tão necessária quanto o sonho, durante o sono, considerando que em boa parte do nosso estado de vigília nós fabulamos, como forma de resistirmos à dureza do mundo real. Portanto a literatura é necessária, é um direito! Direito à Literatura, direito à imaginação, direito à arte.

A literatura é criação, poiesis, traz uma verdade que lhe é própria, verossímil, criação do espírito, necessária para nossa sobrevivência, na medida que nos põe em conexão com outras experiências imaginativas e, com isso, muitas vezes, nos chama à reflexão, à restauração da verdade, como nos faz ver Guy de Maupassant no seu conto A Morta, quando o narrador, morador de Paris, conta como perdera a amante, acometida por uma espécie de resfriado, e como ele, após retornar de uma viagem, tomado de saudade e angústia, resolvera ir ao cemitério, onde a amante estava enterrada, para contemplar o seu túmulo e ali passar a noite.

Como estava muito escuro, ele errara, por entre túmulos e cruzes, até estacar de medo, diante de um túmulo, foi quando percebeu que o morto, em esqueleto, saía do túmulo e caminhava. Após apanhar uma pedra pontiaguda no chão, ele, o morto, com ela raspou as palavras do seu epitáfio e, logo após, com a ponta do osso do seu indicador, escreveu com letras luminosas as seguintes palavras: “aqui repousa Jaques Olivant, falecido com a idade de cinquenta e um anos. Apressou com dureza a morte de seu pai de quem desejava herdar, torturou sua mulher, atormentou seus filhos, enganou seus vizinhos, roubou sempre que pôde e morreu miseravelmente”.

Segundo o narrador, tal ação se seguiu em todos os outros mortos, apagando as mentiras gravadas nos seus túmulos pelos seus parentes. Originalmente, o epitáfio de Jaques Olivant trazia os seguintes dizeres: “Aqui repousa Jaques Olivant, falecido com a idade de cinquenta anos e um anos. Amava os seus, foi honesto e bom, e morreu na paz do senhor”.

Com relação à sua amante, depois de muita perambulação, encontrou o túmulo dela, não mais com os dizeres que havia escrito na sua cruz de mármore: “Ela amou, foi amada, e morreu”, mas com os seguintes dizeres: “Tendo saído, um dia, para enganar seu amante, resfriou-se sob a chuva, e morreu. ”

Em tempo tão difíceis como o nosso, o conto de Maupassant nos vem como metáfora e nos mostra que a Literatura pode, sim, nos libertar da estupidez humana que nos segrega.


*Francisco Perna Filho é Mestre e Doutor em Literatura. Poeta e contista

Este texto foi escrito e originalmente publicado no DM, em 2020, quando eu era professor de Linguagem e Argumentação na UniAraguaia.


 

 

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