Memória - Crônica de Francisco Perna Filho





Os olhos que me olham





As cidades são mágicas, carregam segredos e histórias, depositárias de sonhos e esperanças, estão sempre abertas para quem deseja explorá-las. Confesso que não é tão fácil assim conhecê-las. É preciso ter sensibilidade, tempo e coragem. É preciso estar aberto para o velho e para o novo; resistência para perscrutar becos e ruas, ladeiras e solidões.


Imagine as pessoas que nelas vivem, uma mistura de raças, credos e linguagens. Imagine os pontos de ônibus fervilhando de gente. Os cafés, os bares, os mercados, as feiras e algaravia que lá se forma. Imagine o olhar do pedinte e o semblante do arrogante ao negar-lhe o pão. Imagine uma brisa alegre, uma manhã de sol, um céu bem azul e límpido.


Pois é, foi assim que eu redescobri a Nova Suíça, bairro que conheci pelos idos de oitenta, mais precisamente em 1984, em companhia da minha grande amiga Luciene, quando fazíamos Faculdade de Letras, e eu era convidado a comer as deliciosas panquecas feitas por Dona Terezinha, sua Mãe, logo ali, na rua C-234.


O tempo passou, a casa da Dona Terezinha resiste intrepidamente ao assédio das grandes construtoras imobiliárias. Os vizinhos são desconhecidos, anônimos: coisas do concreto e da modernidade. Logo à frente, a tradição de se fazer uma fezinha no jogo do bicho perdura, a banquinha, ao lado da Panificadora Della, resiste. Enquanto houver sonho ela haverá de resistir.

A Praça Wilson Salles continua ali, circundada pelo comércio promissor de um grande bairro. Tem de tudo: açougue, panificadora, verdurão, supermercados, loja de pneus, concessionária de automóveis, locadora de carros, escolas. Tudo numa efervescência humana. Seres que se aglomeram para comprar, comer estudar e se divertir. Um lugar alegre e de muito progresso.


Andar pelas Ruas da Nova Suíça é sentir-lhe o tempo, as emoções, e uma certa nostalgia. Principalmente quando passamos pela Rua C-165, e avistamos a Escola Municipal Maria Thomé Neto, seu muro longo e chapiscado. Foi nesta escola, um dos meus primeiros empregos como professor. Caminho um pouco mais e, na Rua C-252, reencontro-me com a fé, pois ali está a Capela de Nossa Senhora Aparecida e Santa Edwirges, dos Padres Estigmatinos, onde o meu irmão casou-se, e muitas vezes o meu saudoso Sogro assistiu às missas tão bem celebradas. Bons Tempos aqueles! Acelero um pouco os meus passos, paro, olho para cima e começo a contemplar prédios de muita beleza, cada um trazendo a sua imponência nos nomes que ostentam: Ilhéus, Aldeia do Lago, Pontal do Lago, Miami Beach e tantos outros, contrastando com belas casinhas, que ainda conservam o gosto das tardes entre amigos, sentados nas suas portas.


Tudo passou muito depressa, a cidade cresceu, o bairro foi super valorizado, as pessoas se orgulham de dizer que aqui moram e que são muito felizes, apesar dos roubos e de alguns atos de violência, que não são exclusividade do nosso bairro, mas de todo país. A verdade é que as pessoas parecem viver em muita harmonia, buscando, no corre-corre de um dia longo, as respostas para uma vida curta, o sustento para a sobrevivência.


Já passa da meia noite, e aqui estou eu, na sacada do meu quarto, a contemplar a noite, o silêncio rompido por algum notívago, que costura a noite com os roncos dos seus motores. Um gato cruza a T-62, dá uma espichada, e chega ao Setor Bueno. Tudo muito engraçado, porquanto não sabemos que linha separa um bairro do outro, o amor do ódio, a vida da morte. Os meus filhos já estão dormindo; A minha esposa ensaia uma leitura. E eu, sob o olhar dos prédios, acabo de concluir esta crônica.



Um comentário:

  1. Chico
    Bonita cronica.
    Neste pais as coisas são assim, mudam com uma rapidez impressionante. Moro em SP mas sei que acontece do mesmo jeito em praticamente todad as cidades do Brasil. Não importa se existe espaço para a cidade crescer, os predios sobem, as casas somem a vida fica mais perigosa neste amontoado indiscriminado e anonimo em que se transformou nossas cidades.
    Estive na Europa em 1975 (sou antiga..rs) e demorei para voltar, só o fiz em 1998 e estava tudo igual, levei um susto e no inicio invejei o conservadorismo deles ( é triste a facilidade que se destroem as construções antigas, como é facil descartar) depois ponderei que também não precisava tanto, renovar é bom, conservar idem. Como diria um amigo budista: o caminho do meio.
    beijos

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