Vinícius de Moraes - Poeta



O operário em construção


E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:
- Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
- Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.
Lucas, cap. V, vs. 5-8.


Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão -
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:

Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
- "Convençam-no" do contrário -
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

- Loucura! - gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

Fonte: Vinícius de Moraes
Imagem: operários

Marcos Caiado - Poema




Agonizante



deus está morto
num barraco do morro
deus morreu torto
rindo da cara do povo.

assim como eu,
não tinha o corpo fechado
deus morreu aqui do lado
aonde o asfalto não chega
deus era mulher
e tinha a pele negra.

deus está ferido
numa travessa da lapa
vestido de azul e branco
vinha da grande passeata
Imposto pago, carnê em dia
seguia rindo pela faixa
quando foi atingido(quem é o inimigo?!)
por um projétil de borracha;

agonizante,
caído no chão,
deus foi obrigado
a abaixar os olhos
e pedir perdão.


Imagem retirada da Internet: projétil

Luís Augusto Cassas - Poema




COVARDIA




Eu vi a Policia Militar de São Paulo, fortemente armada, em carros blindados e a pé,
portando escudos, pesados cassetetes, sprays de pimenta, gás lacrimogêneo, e ódio,
muito ódio, investir contra os jovens estudantes - manifestantes da greve contra o aumento de passagens e melhora da qualidade de transportes coletivos, transeuntes,
pessoas que estavam nas redondezas e nos lugares, de todas as idades, credos, cores, que sofreram violentos espancamentos, humilhações, constrangimentos de ir e vir, pensando que por viverem em uma democracia, podiam protestar, reclamar direitos, insurgir-se contra o establishment- e vi, entristecido, como o poder da flor, nas mãos de uma jovem, continua frágil ante o poder das botas.

Sincronicamente, em minha temporada paulista, vi,a primeira vez na terça à noite, na Avenida Paulista vindo da Casa das Rosas no sentido Livraria Cultura: na segunda vez,
na quinta à noite, vindo de sessão-cinema do Shopping Frei Caneca, entrando na Maria Antônia via Augusta para atingir a Paulista, novamente, vi a Policia militar de São Paulo, reluzentemente armada, com contingente populacional superior trinta vezes superior aos manifestantes, transformar em praça de guerra, grandes regiões centrais da Pauliceia Desvairada, de Mário, com grande risco de morticínio, pela incompetência e omissão dos escalões mais altos do poder público de criarem canais apropriados para a pacificação e resolução dos conflitos que atingem não só aos estudantes mas a população.

E envergonhei- me mais uma vez ao perceber que continuamos ancestralmente frágeis, impondo, apesar de toda a experiencia e comícios íntimos, o discurso do poder contra o amor, da força contra a suavidade,da violência contra a paz.

E constatei, sentindo o efeito do gás lacrimogêneo da alma, que a melhor postura da esquerda, apesar de todas as evoluções e revoluções, ainda é o coração !

Imagem retirada da Internet: Batalhão de Choque

Valdivino Braz - Poema

Foto by Giacomo Capraro














Aprendizagem das mãos


Cedo fui levado por estranhos,
num cavalo que ainda assombra
as noites da minha infância.

Cedo comecei a apanhar do mundo,
e logo aprendi meus medos
às mãos humanas
que agridem.

Tarde aprendi as próprias mãos
como armas para o revide,
mas o pouco que bati, doeu-me,
e diminuiu-me.

Por isso, amansei minhas mãos,
e adestrei-as para os ofícios
mais nobres.

Fi-las ferramentas
no corpo da vida,

e soube-me operário
na oficina da palavra.


In. A Palavra por desígnio (1983).

Heleno Godoy - Poema

Family Album

























Álbum de Família



Esta menina com uma flor na mão
não sabe ainda, mas será minha mãe.
Aquele menino lá, de uniforme, será
um de meus muitos tios.
De um lado como do outro, não
faltarão parente: este meu avô
aqui, de bigode, ou esta avó magra,
que irá morar longe, num sanatório.
Numas outras fotos, estes outros
avós, que a sorte e a saúde muito
mais tempo mantiveram por perto.

De uma caixa de sapatos é que saem,
pois lá guardadas, todas essas fotos
velhas, algumas com rasgados, outras
amareladas, outras tantas desfocadas.

Não estão num álbum dispostas,
ordenadas e exibidas. Não. Aqui,
nessa caixa, muito mais que num
álbum organizado, encontro certas
as biografias que me fascinam,
as lembranças embaralhadas,
roupas às vezes em desalinho,
instantâneos preciso, muito
mais nítidos que fotos de estúdio
ou de festas fartas, de aniversários
ou casamentos, batizados, enterros.


In. A Ordenação dos Dias. Goiânia: Kelps/UCG, 2009, p.p.27-29.

Luiz de Miranda - Poema






Lá estão os trens





Lá estão os trens,
sob o calor da ausência,
num isolamento de ferro.
Eles carregam a dor,
a indagação dos caminhos,
a tristeza, a alegria,
o espelho vivo das memórias.
Viajamos todos
num vagão de carga.
Lá vão os trens
em sua estrada interminável.


Imagem retirada da Internet: railroad train

Francisca Júlia - Poema

Pôr do sol - Palmas-TO - by Francisco Perna Filho











Angelus 


Desmaia a tarde. Além, pouco e pouco, no poente,
O sol, rei fatigado, em seu leito adormece:
Uma ave canta, ao longe; o ar pesado estremece
Do Angelus ao soluço agoniado e plangente.

Salmos cheios de dor, impregnados de prece,
Sobem da terra ao céu numa ascensão ardente.
E enquanto o vento chora e o crepúsculo desce,
A ave-maria vai cantando, tristemente.

Nest'hora, muita vez, em que fala a saudade
Pela boca da noite e pelo som que passa,
Lausperene de amor cuja mágoa me invade,

Quisera ser o som, ser a noite, ébria e douda
De trevas, o silêncio, esta nuvem que esvoaça,
Ou fundir-me na luz e desfazer-me toda.

In. Esphinges.


Valdivino Braz - Poema - PALMAS 24 ANOS

Palmas: Praia do Prata - foto by Francisco Perna Filho




PEDRA SOBRE PEDRA
(Palmas para o Tocantins)

— A essência do poema “Palmas”, de Francisco Perna Filho, pauta-me o tema,
e aqui homenageio o autor e o povo tocantinense —




I

Palmas
para o Tocantins,
com poemas afins,
que lhe cantam os encantos,
sim, a par com os desencantos,
e choram-lhe o pranto;
celebram-lhe, outrossim,
a obra que se levanta:
Palmas que se anima,
se alavanca, arquitetônica,
centro diretivo e econômico.

Poesia da terra e dos rios,  
Araguaia, Tocantins,
afluentes rios do Sono e das Balsas,
Paranã e outras fontes fluentes,
veios, vertentes que se alargam, 
para que nadem os peixes,
naveguem os barcos,
a terra se abasteça,
germine a semente,
e o homem se alimente.

Dos barcos as marcas do tempo,
do tempo os ventos históricos;
do Estado que se implanta,
o rosto de Palmas, enfim,
que se contempla.

Encanta-se
com os seus encantos,
sim, também reporta-lhe
das almas o sofrimento,
realça-lhe denúncia e esperança,
“a poesia em movimento”
com a pena de Chico Perna.

Quebra-lhe, poeta,
a golpes de vocábulos,
esse quebranto, malefício,
mau-olhado, olho-gordo;
a cargo, de sobrecarga,
o que aprontam e se apropriam
 os inimigos públicos.

Enxáguem-se as mágoas,
enxuguem-se as lágrimas,
o pranto, o lamento,
 o travo amargo,
de maligno o que engasga,
de turvo o que não se lava.

Onde mora a felicidade,
 senão na própria e feliz cidade?
Quimera o mero jogo de palavras,
 lavre-se da pedra a veracidade.

Ver a cidade...
Ah, poder dizer, um dia:
Venham, venham ver
a cidade que se  quer,
como sempre se quis,
florida de vida e alegria.
Ela toda, bem entendido,
o povo todo, feliz.

Utopia o dia sem valia,
que se vai,
sonho de vida,
que se desfaz.
Querer é o verbo;
realizar, o verbo auxiliar.
Anda, vai e faz.
Querer e poder
 não é só querer o Poder.
É distribuir
o direito e a justiça
de se viver
 com dignidade.
Humanidade,
a lei com que se rege
toda cidade que se preze.

II

Palmas
para o Tocantins,
poema que se apruma,
colunas de força humana.
Promana-lhe mão-de-obra,
pedra sobre pedra,
cerce aos alicerces,
se agrega e se ergue,
sólida se consolida.
Projeto em que se traça
promessa de metrópole.

A 18 de março de 1809,
 o marco da comarca,
o Dia da Autonomia.
Passaram-se os pássaros,
cerca de quase dois séculos
— 180 anos exatos —
para tomar-se posse
de foro próprio.
Nasce o Tocantins em 1988,
instala-se o Estado em 1989,
Palmas se planta
a 20 de maio de 1990,
e se avulta, se agiganta.
Ainda moça, 24 anos, bonita.
Alma se-lhe move a graça,
alto se-lhe alça 
a verve do espírito.

III
.
Palmas!
Vigésimo quarto aniversário.
Farfalham cadernos de poemas,
 folhas de palma se espalmam,
batem palmas os ventos
alvissareiros.

São os ares do bioma natural,
chão de serras e cerrados,
florestas e veredas,
campos e savanas,
 flora e fauna do Estado.
Terra de sol e quedas-d´água.
Treliça, argamassa, amálgama.
Rosa-dos-ventos e eventos.
(P)alma radial,
o coração em que lhe pulsa
a Capital.

Pedra sobre pedra,
fundamentalmente.
Palmas,
seara e semente
do povo tocantinense.
Ouripétalas de sua gente,
o futuro aí floresce.
Os girassóis na praça,
o sol no horizonte.

*

____
Valdivino Braz, jornalista e escritor, participou, como secretário de mesa, do Plebiscito Pró-criação do Estado do Tocantins, em 1988, com a presença do então governador de Goiás, Henrique Santillo, além de lideranças políticas e de populares favoráveis ao movimento autonomista. Lotado, na ocasião, na Secretaria de Comunicação (Secom) do governo estadual, Braz integrou a equipe de reportagem que se deslocou para a região Norte (hoje Tocantins) e foi ali convocado como mesário daquela audiência pública, que obteve votação vitoriosa em prol do novo Estado.


Florisvaldo Matos - Poema

















Duração do aroma



Não morrem no campo as flores.
Pacíficas continuam
arquiteturas de angústia
dissolvendo-se no chão
amoroso das searas.
Como nuvens distraídas
ficam no solto. Ali somente,
um sofrimento que vem,
uma esperança que vai
da boca dos
camponeses
ao chão que abriga silêncio.
Não é pranto nem flor, É vinho.
De amarelo outono e lábios
pranto vinho e flores ficam
incrustados no alimento,

De sangue batendo aos pingos
na superfície das horas
vai seu perfume durando
nas colheitas. Sobrevive
no suor dos músculos tão
sofridos de cicatrizes,
como um hálito de cinza
prenhe de soluço verde.
Prossegue na dor, reunida
à ferrugem dos arados,
a melancolia de olhos,
de pele sacrificada
e ternura corrompida,
de arames e privações.


Que venha o vento brandindo
foices de lua no campo
e corte cercas corte o rio
e das chuvas no caminho
corte horizontes de linho.
Entre abelhas e madeiras,
no coração das florestas
corte as flores e o vizinho
aroma das madrugadas.
Corte pranto dos vaqueiros,
corte rastro dos cavalos
e de quem sofre sozinho
corte voz molhada e fria.
Que venha vento soprando
ferraduras de amargura,
decepe haste das flores
com o alfange da agonia.
Fria lâmina de sombra
inevitável traspasse
o dorso branco do dia.
E o que fica suado na terra
não é pranto nem flor. É vinho.

Sobrevivência do aroma
no lamento desses rostos,
dessas chuvas no caminho,
não morrem no campo as flores:
perduram constituídas
de soluços como o vinho.

In. Poesia Reunida. São Paulo: Escrituras, 2011, p.56-57.
Imagem retirada da Internet: fleurs du champs

Robert Creeley - Poema



A FLOR


Penso que cultivo tensões
como flores
num bosque onde
ninguém vai.

Cada ferida - perfeita -,
fecha-se numa minúscula
imperceptível pétala,
causando dor.

Dor é uma flor como aquela,
como esta,
como aquela,
como esta.

Tradução de Régis Bonvicino

In. A UM - Poemas. São Caetano do Sul: Ateliê Editorial, 1997,p.27.
Imagem retirada da Internet: flower

Pedro Tierra - Poema

     Foto by Francisco Perna Filho: Paulinho Pataxó,
 Porto Seguro-Brasil/2006















AGONIA



Morro a morte
mais longa,
a espantosa morte
de um continente.

Morro há séculos
no corpo dos povos
                                exterminados.

O coração lavrado
pelo fogo
                                dos bandeirantes,
                                bugreiros,
                                caçadores de escravos.

Sou a boca aberta de milhões,
grito de homens sem armas,
ferida sangrando
na carne da História.

Dentes cerrados,
afio a flecha
a fogo e fúria.

Retorno à terra
- alma de meu povo -,

                                  sem paz,
Com as armas do meu uso
defendo sua memória
                                   enterrada.

Retorno à terra
e convoco os ossos
dos guerreiros degolados
                                     EMANCIPADOS
                                     pelo fogo do Arcabuz!

Retorno ao coração da Terra
e dele retiro minhas armas,
o braço,
               a borduna,
                                o canto dos mortos.

Levanto-me,
a corda dos arcos
retesada,
o corpo das lanças
refundido,
sem descanso avançam
os portadores do fogo.


                                                                     1978

(Este poema dedicado aos povos indígenas do Continente foi escrito durante
a Campanha contra a falsa EMANCIPAÇÃO dos Povos Indígenas do Brasil).

In. Inventar o fogo. Goiânia:(não consta o nome da editora)1985, p.54-55.

Francisco Perna Filho - crônica


Ponte
Ponte Fernando Henrique Cardoso - Palmas - Foto by Fernanda Alves

O bonito disso tudo, é tudo isso




Para Lúcio Alves (in memorian)



Sempre gostei de cidades: de seus becos, de suas esquinas, suas praças, da confluência de suas ruas, do barulho dos seus carros, da algaravia das vozes nas feiras. Sempre gostei das luzes, dos bares, teatros, cinemas, dos sons e cheiros urbanos. Das histórias, causos e lendas, da paisagem noturna com seus bêbedos e prostitutas. Sempre gostei dos loucos, dos literatos, dos mentirosos, da correria dos seus transeuntes. Cada um traz uma cidade ilusória, caleidoscópica, formada na junção de suas experiências, de cada passagem, de cada moradia. Traz consigo um montão de lembranças, signos, sonhos não realizados, matéria com a qual vai edificando seus abrigos.

Vivi em algumas delas: Miracema, minha terra natal, São Luís do Maranhão, Brasília e Goiânia; viajei por tantas outras, e, de cada uma, sorvi um pouco das ruas, semáforos, paredes, casarões, pontos de ônibus, igrejas, cemitérios, favelas, lembranças com as quais venho compondo a minha nova cidade, Palmas, nos meus cinco anos aqui, onde cumpro os meus dias, conheço pessoas, divido minhas experiências e crio os meus filhos. Palmas ainda engatinha, tem os seus encantos, mas também a sua feiura, seus guetos, sua pobreza, suas quadras e praças abandonadas, suas praias mal cuidadas e a arrogância de um trânsito que tem ceifado muitas vidas. Apesar disso, abriga gente de todos os lugares, povos de terras longínquas, um quê de Cosmópolis. Aqui vivo, nesta ampla cidade, com suas esquinas e becos ilusórios, mas de gente real, que vive, trabalha, ama, briga, canta, dança e pinta o sete.

Palmas não é preconceituosa, é acolhedora, aqui todos os credos e raças vivem em harmonia, passeiam destemidamente. Aqui o céu é pródigo, o ar limpo, o verde encanta, nas ruas, parques e, claro, na serra, um belo cinturão verde, que parece nos olhar de cima, nos proteger. Do outro lado, o lago, suas praias, seus encantos, seus barcos e um sol que brota tão cedo e morre em encantamento.

Nesta linda planície estão muitas outras cidades, fundidas em uma só, ficcionais ou não, eu as trago para cá e, com elas, componho a minha Palmas imaginária na contemplação da real, Comala, Macondo, a velha Paris e São Petersburgo. Por aqui passeiam Juan Rulfo, Gabriel Garcia Márquez, Dostoievski, Machado de Assis, Baudelaire, Rimbaud, Gregório de Matos Guerra e tantos outros. 

Palmas tem seus encantos e suas curiosidades, uma gastronomia de encher a boca, sabores nortistas, nordestinos, sulistas. Aqui, pelas minhas contas, proporcionalmente é a cidade que mais abriga canhotos, isto mesmo, desde que aqui chegamos, eu e minha esposa temos feito tal observação: talvez porque também sejamos canhotos, incluindo o meu filho. 

Mas o que me encanta mesmo, de verdade, é a sua gente, a mistura desse povo que aqui vive, acolhido pela força de uma cultura secular, a nossa cultura tocantinense, com seus cantos, seus ritos, suas tradições. O bonito disso tudo é o olhar dessa gente, que acorda cedo, que luta, trabalha e se diverte. O que me encanta em Palmas é a esperança dessas pessoas que, apesar de tantas mazelas, insistem em construir um dos lugares mais agradáveis para se viver. Para falar a verdade, o bonito disso tudo, é tudo isso.

Luis Augusto Cassas Poema




BRECHÓ DO PÓ


existem duas cidades
(ou nenhuma)
unidas por razão alguma
em uma


uma sente saudade
a outra piedade
uma olha pra longe
a outra se esconde
uma se espelha
a outra se destelha


duas costelas
do mesmo barro
duas mulheres
do mesmo sarro
duas plantas
do mesmo jarro


uma é suja
a outra mal lavada
uma tem o céu no muro
a outra o incerto futuro
uma é made in portugal
a outra from pasárgada


o cordão umbilical
que as liga é o mar
cadeia parental
que costura uma a outra
igual duas ostras
temperadas de sal


irmãs siamesas
de igual natureza
uma vive de rendas
outra de prendas
uma está tombada
a outra desmoronada


uma quer exílio
a outra auxílio
mas na embaixada do meu peito
meu coração em beleza
põe mesa
e lhes dá asilo



2

vista pelo alto
não se veem as crenças
brechada por baixo
não se sabem as rendas
e mesmo o povo
que dorme nos mirantes
acordando de repente
confundirá os poentes


uma é oficiosa
a outra é oficial
uma tem a rua da Manga
outra a rua Dr. Fulano de Tal
uma vai a Mântua
a outra é menstruada
uma olha Alcântara
a outra é alcantarada


a ruína-barbárie
de uma acareação em série
redundará às duas
uma procissão de cáries
uma está entrevada
até os ossos
a outra tem penhorada
as veias do pescoço


uma quer exílio
a outra quer auxílio
mas na embaixada do meu peito
sem ferir-lhes os vincos
meu coração abre os trincos
e oferece asilo



3
agora as empoladas vovós
para completar as obras
convocaram as sogras
para um simpósio do oh
nessa concorrência rococó
abriram um pós-moderno brechó
juntaram todas as sobras
e vendem orgulho em pó


In. A Poesia Sou Eu - Poesia Reunida
Volumes 1 e 2 - Imago Editora.

GENETON MORAES NETO ENTREVISTA O POETA LEDO IVO

Gostaria de agradecer ao jornalista Geneton Moraes Neto pela cessão desta maravilhosa entrevista com o poeta Ledo Ivo (abril de 2004), um dos maiores da nossa Língua, para que ela fosse reproduzida aqui na Revista Banzeiro. (atualizada em 02/01/2016).





Ledo Ivo - Fonte imagem: Musarara



O poeta dá o conselho :


"Seja como os lobos : more num covil e só mostre à canalha das ruas os seus dentes afiados.Viva e morra fechado como um caracol.Diga sempre não à escória eletrônica".


Caçadores de belos versos, tremei de arrependimento: quem nunca leu um poema de Lêdo Ivo, por preguiça, desinformação ou enfado, deve se penitenciar deste crime de lesa-literatura o mais rapidamente possível. Um exemplo ? É difícil encontrar uma declaração de princípios tão bela quanto "A Queimada" :

"Queime tudo o que puder :
as cartas de amor
as contas telefônicas
o rol de roupas sujas
as escrituras e certidões
as inconfidências dos confrades ressentidos
a confissão interrompida
o poema erótico que ratifica a impotência
e anuncia a arteriosclerose
os recortes antigos e as fotografias amareladas.
Não deixe aos herdeiros esfaimados
nenhuma herança de papel.
Seja como os lobos : more num covil
e só mostre à canalha das ruas os seus dentes afiados.
Viva e morra fechado como um caracol.
Diga sempre não à escória eletrônica.
Destrua os poemas inacabados,os rascunhos,
as variantes e os fragmentos
que provocam o orgasmo tardio dos filólogos e escoliastas.
Não deixe aos catadores do lixo literário nenhuma migalha.
Não confie a ninguém o seu segredo.
A verdade não pode ser dita".

O que o velho lobo terá a dizer a um repórter forasteiro que for procurá-lo no covil ? Aos cartógrafos empenhados em mapear as rotas da poesia brasileira neste início de século,diga-se que o lobo vive num apartamento do sétimo andar de um prédio da rua Fernando Ferrari,no bairro de Botafogo,Rio de Janeiro. Ao contrário do que os versos podem fazer supor, o homem não é uma fera de garras afiadas.
Ei-lo : sentado numa poltrona da sala,o lobo Ledo vai fazer,a pedido do repórter,uma expedição ao País da Memória diante do gravador ligado. O cenário que circunda o Covil do Lobo é um convite à inspiração. Quando quer descansar a retina das mazelas do mundo,o lobo Ledo precisa caminhar apenas cinco passos. É a distância entre a sala e a extremidade da varanda deste apartamento.Lá fora,a beleza escandalosa de um céu sem nuvens pinta de azul a vista da praia de Botafogo. A localização do apartamento é invejável. Parece ter sido escolhida a dedo por um poeta.Uma confidência lítero-hidráulica : do banheiro do apartamento do lobo é possível vislumbrar a imagem do Cristo Redentor de braços abertos sobre a Guanabara.Não é para qualquer um.

O poeta posa para as fotos na varanda. Parece ligeiramente incomodado pela lente da máquina. O sorriso aberto transmuta-se numa expressão repentinamente carrancuda um décimo de segundo antes do clique da máquina. 

As lembranças dos ídolos que povoam os corredores do Museu das Admirações de poeta vão se sucedendo,aos borbotões : com os gestos agitados de quem fala para uma platéia invisível,o pequenino Ledo Ivo reconstitui,com frases precisas,momentos marcantes da convivência com Carlos Drummond de Andrade,Graciliano Ramos,Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto,gente que virou verbete obrigatório nas enciclopédias.

Justiça se faça: aos setenta e oito anos de idade,Ledo Ivo já colheu as glórias daquele país que Ariano Suassuna chama de "o Brasil oficial": a Academia Brasileira de Letras concedeu-lhe,por unanimidade,a cadeira número 10,no não tão distante ano de 1986. Mas o "Brasil real",aquele que passa ao largo dos salões acadêmicos,não conhece Ledo Ivo tanto quanto o poeta merece. Dificilmente o Lobo seria reconhecido na rua. Não é lido tanto quanto deveria ser. Aos caçadores de pérolas,recomenda-se a leitura da última pepita da mina do lobo Ledo : "O Rumor da Noite",publicado recentemente pela Nova Fronteira.

O Ledo Ivo que responde com entusiasmo ao precário questionário do repórter é um homem afável. O poeta que desponta nas entrelinhas dos versos é um lobo solitário,um ermitão que prefere ver a humanidade à distância. A ode à solidão - que ele já escrevera nos versos definitivos do poema "A Queimada" - repete-se no não menos belo "A Passagem":

"Que me deixem passar - eis o que peço
diante da porta ou diante do caminho.
E que ninguém me siga na passagem.
Não tenho companheiros de viagem
nem quero que ninguém fique ao meu lado.
Para passar,exijo estar sozinho,
somente de mim mesmo acompanhado.
Mas caso me proíbam de passar
por seu eu diferente ou indesejado
mesmo assim eu passarei.
Inventarei a porta e o caminho
e passarei sozinho".

O Lobo é um apóstolo confesso da beleza. Reage com compreensível enfado à faina dos que preferem criar teses sobre a poesia :

"Sou um esteta porque nunca li tratados de estética"
disse, num volume autobiográfico há anos esgotado ("Confissões de um Poeta").

Quando começa a falar do assunto que lhe consome todas as energias - a criação literária -,o alagoano Ledo Ivo vai alinhando as frases com a precisão de um ourives e a rapidez de uma metralhadora giratória. É incapaz de fazer concessões a vulgaridades gramaticais na hora de construir uma sentença. O lobo Ledo aparentemente concede à linguagem falada o mesmo cuidado que devota à linguagem escrita.O Português agradece,comovido. O poeta já confessou que sente abalos sísmicos em suas florestas interiores ao ouvir confrades pronunciarem impropriedades como "de maneiras que....". Se alguém cometer o sacrilégio de misturar "tu" com "você" diante do lobo, certamente escapará de uma admoestação, porque o homem é afável,mas cairá vinte pontos no conceito do poeta.
O Recife ocupa um extenso capítulo na memória afetiva do lobo - que deu de presente à cidade um poema escrito na juventude (“Amar mulheres,várias/Amar cidade,só uma – Recife”). Um detalhe : temeroso de despertar ciúmes bairristas em seus conterrâneos alagoanos, Ledo Ivo jamais incluiu o poema em homenagem ao Recife em seus livros. O cântico de amor à cidade estaria inédito até hoje,se não tivesse sido divulgado por amigos do poeta. 

Tradutor de Rimbaud e Dostoiévski, o lobo Ledo carrega, pelas décadas afora, as marcas da infância em Maceió :

"Na tarde de domingo,volto ao cemitério velho de Maceió
onde os meus mortos jamais terminam de morrer
de suas mortes tuberculosas e cancerosas
que atravessam as maresias e as constelações
com as suas tosses e gemidos e imprecações
e escarros escuros
e em silêncio os intimo a voltar a esta vida
em que desde a infância eles viviam lentamente
com a amargura dos dias longos colada às suas existências
monótonas.
(...) Digo aos meus mortos : Levantai-vos,
voltai a este dia inacabado
que precisa de vós,de vossa tosse persistente e de vossos gestos enfadados
e de vossos passos nas ruas tortas de Maceió.
Retornai aos sonhos insípidos
e às janelas abertas sobre o mormaço. Na tarde de domingo,entre os mausoléus
que parecem suspensos pelo vento
no mar azul
o silêncio dos mortos me diz que eles não voltarão.
Não adianta chamá-los.No lugar em que estão,não há retorno
Apenas nomes em lápides.Apenas nomes.E o barulho do mar".

A nostalgia do tempo irremediavelmente sepultado nos velhos calendários marca não apenas os melhores poemas de Ledo Ivo, mas também suas confissões autobiográficas :

"- Sou um sobrevivente na passagem entre o dia e a noite.Onde estão as figuras de antigamente - em que estrelas,em que túmulos se esconderam? Gari implacável, a vida varre os sonhos dos homens e, na praça vazia, vagam os fantasmas dos fracassos dissimulados e dos gordos perjúrios. Sozinho na grande cidade que engole as promessas dos homens, vejo-me passar de repente no jovem poeta desconhecido que atravessa o meu caminho. Deixo de ser eu mesmo para ser, por um instante, o jovem poeta sem nome. Que ele seja fiel à sua promessa de agora, eis o que peço. Que ele seja uma dessas criaturas para as quais nada é perdido, segundo a lição de Henry James. Mas a quem dirigir esse pedido? Os deuses inexistentes não me ouvem. À vida cega e surda? Ao mar longínquo e mudo? O jovem poeta Ledo Ivo dilui-se na sombra da tarde. E anoitece”.

Graciliano Ramos, João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira vão entrar em cena agora como verbetes vivos da imaginária enciclopédia do Lobo Ledo.

Gravando !

PRIMEIRA ESTAÇÃO:
O DURÃO GRACILIANO RAMOS CHORA AO SE DESPEDIR DA VIDA

GMN : A imagem de Graciliano Ramos, como homem seco e intratável,corresponde à verdade ? 

Ledo Ivo : “Graciliano Ramos era rústico e intratável. Nascemos no mesmo estado. Quando menino,como primeiro da turma no grupo escolar,fui apresentado a Graciliano,na época secretário de Educação. Pôs a mão carinhosamente na minha cabeça. Quando ele publicou “Vidas Secas”, eu,”menino prodígio” em Maceió,escrevi,em 1938,um artigo sobre o livro. Aquilo passou. Quando vim para o Rio, fazer vestibular de Direito, minha mãe me disse “vá visitar Heloísa” - a mulher do Graciliano Ramos,àquela altura,aos cinquenta anos de idade,uma figura importante na literatura brasileira. Durante nossa conversa,ele abriu uma gaveta e disse : “Quando publiquei “Vidas Secas” em Alagoas,só uma pessoa falou do meu livro : um menino de 14 anos.....”.

A relação de Graciliano Ramos com Alagoas era de amor e ódio,porque ele tinha saído do Estado de cabeça raspada,jogado no porão de um navio. É curiosíssimo como duas pessoas tão diferentes como eu e Graciliano Ramos puderam se relacionar. Devo ter aprendido com ele muitas coisas,como,por exemplo,a correção lingüística que,dizem,existe em minha prosa. 

Graciliano Ramos era,sim,uma pessoa rústica.Em toda a literatura brasileira,ele só tinha três, quatro admirações,além de Machado de Assis, a quem considerava um negro metido a inglês : José Lins do Rego,Rachel de Queiroz e Jorge Amado. Em poesia,admirava Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, por ordem do Partido Comunista (risos). 

Notei, na casa de Graciliano Ramos,um livro de poesia autografado,fechado e intocado. Toda vez que eu ia à casa de Graciliano,dizia a ele : “Você deveria abrir esse livro ! ”. E ele : “Já falei com Heloísa várias vezes para abrir esse livro, mas essa mulher…” (risos) .

Era como se competisse à Heloísa Ramos a função de abrir o livro.Se não me engano,era um volume das poesias completas de Augusto Frederico Schmidt”.

GMN : De toda essa convivência com Graciliano Ramos, a melhor herança foi a obsessão com a correção gramatical ?

Ledo Ivo: “A herança - pungente - é ver que a glória de Graciliano é uma glória póstuma. O que aprendi com Graciliano Ramos foi ter fidelidade ao ofício de escritor. Quem era Graciliano Ramos quando convivi com ele ? Um grande escritor,mas ainda não plenamente reconhecido - essa é que é a verdade. Os livros que ele lançara estavam esgotados. José Olympio não reeditava. Em conversas íntimas,Graciliano chamava José Olympio de “esse filho da puta - que vive editando Lourival Fontes e Getúlio Vargas.....” (N: Lourival Fontes era o chefe do Departamento de Imprensa e Propaganda durante a ditadura Vargas) . O que eu via ali,em Graciliano, era a amargura de um homem que foi tirado do ninho natal – Alagoas. Note-se que três livros de Graciliano foram escritos em Alagoas : “Caetés”, “São Bernardo” e “Angústia” . Se ele não tivesse saído de Alagoas, ficaria como uma coisa misteriosa. Por quê? Por que será que em um pequeno Estado,como Alagoas, um sujeito escreveu três grandes romances ? Depois é que veio a experiência carcerária – a única coisa que o Rio,a metrópole,deu a ele. Graciliano vivia de pequenos “bicos literários”,vivia corrigindo textos alheios. Trabalhava como revisor. 

Qual foi,então, a grande impressão que Graciliano Ramos me deu ? A fidelidade ao ofício,algo que se viu também em Machado de Assis. São escritores que não esperavam nenhuma recompensa, porque a própria obra seria a recompensa. Graciliano não pensava em Academia,não pensava em prêmios literários,não pensava em glória. Eu trabalhava em jornal naquela época. Jamais Graciliano Ramos ou José Lins do Rego me pediram que publicasse uma nota sobre eles.

GMN : O desleixo com a glória imediata foi,então,uma atitude que o senhor herdou de Graciliano Ramos ? 

Ledo Ivo : “Uma característica de Graciliano Ramos -que me orgulha- é a pobreza. Era um escritor que andava de ônibus. Vivia-se num Brasil diferente.Naquele tempo, só Carlos Drummond de Andrade tinha um carro - oficial. Os outros eram Augusto Frederico Schmidt e Jorge de Lima. Eram os três escritores que tinham carro ! Um negócio impressionante,porque todo mundo andava de bonde ou de ônibus. Não havia feriado. A José Olympio ficava aberta aos sábados até seis horas da tarde. Era um mundo diferente,o da vida literária, marcada pela existência de suplementos literários. Mas havia ,em Graciliano Ramos,um detalhe que me impressionava : o problema da formação literária. Eu ficava impressionado com o fato de que a formação literária de Graciliano Ramos era – de certa maneira - muito reduzida. Baseava-se nos brasileiros Machado de Assis e Aluísio Azevedo – um autor de quem ele gostava -,no português Eça de Queiroz e nos russos Tolstói, Dostoievski e Gorki. Com esse pequeno mundo de leitor, Graciliano Ramos fez uma uma obra grandiosa. Nunca leu Marcel Proust,por exemplo. Quando eu perguntava por que,ele dizia : “Não leio veados ! ” (risos).
Quando o visitei pela última vez,no hospital,ele chorou,porque sabia que ia morrer. Enquanto chorava,falava -e muito – sobre a mãe.O hospital ficava aqui ao lado,onde hoje é este edifício (Ledo aponta para fora do apartamento). Aquele foi nosso último encontro,porque eu estava de partida para Paris. Fui me despedir. Graciliano estava esquálido.De vez em quando,falava coisas desconexas. Contava que a mãe,quando casou,levou as bonecas para casa – um negócio curioso. O choro de Graciliano ficou como uma lembrança marcante,porque já trazia a saudade da vida. Eu senti ali que,por mais que ele dissesse que odiava a vida,ele,na verdade,amava viver. O que matou Graciliano foi um câncer no pulmão. Era um fumante de cigarros Selma.Só escrevia bebendo cachaça. Jorge de Lima também morreu de câncer no pulmão,mas nunca fumou. Os homens não morrem de doenças : morrem de morte”.

SEGUNDA ESTAÇÃO:
O POETA ESPERA HÁ SESSENTA ANOS PELO LEITOR

GMN : O senhor escreveu em suas memórias : “Vivo escrevendo, mas o trágico é que escrever não é viver”. Com que freqüência,então,o senhor tem a sensação de estar substituindo a vida pela escrita?

Ledo Ivo: “É um drama comum a todo e qualquer escritor este sentimento de que estamos vivendo,sim,mas essa vida se destina somente a acumular experiências para a obra literária. Já a quase totalidade das pessoas se limita a viver,porque não dispõe de linguagem. Trago um mistério inicial em minha biografia : por que logo eu,numa família de onze,revelou a vocação e o destino para a escrita,numa família que não tinha pendores literários ? Sempre tenho a impressão de que toda a vida de um escritor é estuário onde se acumula a matéria que se transformará em obra literária. O escritor é,então,uma pessoa condenada não a viver,mas a escrever. Fausto Cunha - grande crítico,que notou,em minha procedência literária,a influência de poetas malditos como Rimbaud,Verlaine e Baudelaire – me disse : “O grande erro de sua vida é que você não morreu aos vinte anos.Se tivesse morrido moço,teria deixado “Ode e Elegia”, “As Imaginações”, e “Acontecimento do Soneto”. Então, seria um poeta como Castro Alves ou Casemiro de Abreu !.Vida longa atrapalha a biografia !”.João Cabral me disse a mesma coisa. Eu respondi : “Prefiro ser o Victor Hugo das Alagoas – o poeta que vive até os oitenta anos !”. Prefiro o mistério dos poetas que,como Drummond e Manuel Bandeira,tiveram uma vida longa e uma obra igualmente longa”. 

GMN : Ariano Suassuna - que foi homenageado no carnaval aqui no Rio - disse que já tinha recebido a homenagem do “Brasil oficial”, ao entrar para a Academia Brasileira de Letras e estava recebendo ali,no sambódromo,a homenagem do que ele chama de “Brasil Real”. O senhor – que já foi homenageado pelo “Brasil Oficial” ao ser recebido por unanimidade na Academia Brasileira de Letras - sente falta do reconhecimento do “Brasil Real”,,já que não é tão conhecido como poeta como deveria ? 

Ledo Ivo: “O poeta inglês John Mansfield diz que já viu o azarão no jóquei ganhar o prêmio, já viu flor brotar da pedra, já viu coisas amáveis feitas por homens de rosto feio. “Eu também espero” – diz ele. Confesso que o problema do reconhecimento vasto não me preocupa. A vida literária se faz pela diversidade e pela multiplicidade. Não se sabe se o escritor de pouco público de hoje será o escritor de grande público de amanhã. 

Um escritor pode ser obscuro e desconhecido hoje e famoso e glorioso amanhã. Você pode também estar dentro da literatura e um dia ser expulso ! São coisas que não me preocupam. O que me preocupa é a criação literária. Já que sou uma criatura dotada de linguagem, quero me exprimir. Mas sei que uma obra só se completa com a existência do outro. Há sessenta anos estou esperando por esse leitor. Um dia ele haverá de aparecer”. 

GMN : O poema “A Queimada” – aquele que fala do lobo no covil - é uma declaração de princípios de que o escritor deve ser,no fim das contas,um solitário ? 

Ledo Ivo: “O escritor deve ser um solitário solidário.A verdade,como digo no poema,não pode ser dita”.

GMN : O senhor reclama daqueles escritores que só brilham em congressos....

Ledo Ivo: “Oswald de Andrade – de quem fui muito amigo até brigarmos – me procurou,magoado,porque tinha sido expulso do Partido Comunista.Os comunistas,então, não o deixaram participar do Congresso dos Escritores de São Paulo. Eu disse a ele: “É besteira ! . Nietzsche nunca participou de um congresso de escritores” (risos)…

GMN: Por que o senhor diz que detesta escritores que consideram a criação poética “um suplício” ? .

Ledo Ivo: “Tenho horror desses camaradas que passam o tempo todo dizendo que gemem e suam na hora de escrever. A minha criação literária é uma felicidade. Quando escrevo, parece que as coisas já vêm prontas,organizadas subconscientemente. Pensa que “capino” o meu texto. Mas o mjeu texto vem espontaneamente.Não tenho nenhuma simpatia por escritores que cortam. A minha simpatia maior é pelos escritores que acrescentam !.

João Cabral uma vez me disse que passava noites acordado, com angústia. Eu dizia “Você só diz que passa noites acordado para ver se me causa inveja, mas não causa não!”. 

GMN : Ao contrário do que dizia Carlos Drummond de Andrade,escrever não é “cortar palavras”, mas acrescentar ?

Ledo Ivo: “Um escritor francês disse que o bom escritor é aquele que “enterra uma palavra por dia”. Para mim,o bom escritor é o que desenterra uma palavra por dia ! . Porque o escritor lida com um patrimônio lingüístico. De vez em quando o brasileiro ressuscita palavras esquecidas”.

GMN:Por que afinal de contas o senhor não inclui em seus livros o tão citado poema sobre o Recife?

Ledo Ivo: Em primeiro lugar, porque os alagoanos protestariam. Eu tinha dezesseis anos quando escrevi o poema:

“Amar mulheres, várias
amar cidade,só uma – Recife.
E assim mesmo com as suas pontes
E os seus rios que cantam
E seus jardins leves como sonâmbulos
E suas esquinas que desdobram os sonhos de Nassau”

O poema reflete a descoberta do Recife por um alagoano. Porque Recife tem um lado cosmopolita – que me impressionou muito. O meu pai era pernambucano. A família Ivo é pernambucana. Eu era considerado meio pernambucano por ser ligado ao grupo do crítico Willy Lewin,nos anos quarenta.Recife foi a cidade de minha primeira formação literária. Fazíamos poemas nas mesas do Lafayette,numa época de boemia. O poema sobre o Recife ficou desaparecido até 1947,quando chegou às mãos de Mauro Mota – que o publicou no Diário de Pernambuco (ou terá sido no Jornal do Commercio). O destino de um poema é curioso. A gente escreve um poema; ele ganha vida própria,começa a circular.

Guardo a lembrança de um conselho que Joaquim Cardozo me deu: ele dizia que eu deveria ser um poeta alagoano,assim como ele era um poeta pernambucano. O sentimento do berço tinha grande importância para ele”.


TERCEIRA ESTAÇÃO: 
DRUMMOND, O GRANDE POETA SECRETO, ENTRA EM CENA

GMN : Qual é a grande lembrança que o senhor traz da convivência com Carlos Drummond de Andrade ?

Ledo Ivo: “O que me impressionou em Drummond, já no primeiro encontro, foi um certo “fechamento” interior. Não se entregava. Era como se vivesse insulado em si mesmo. Há em Drummond algo que é “intransmissível”. Tive essa sensação de intransmissibilidade. Eu levei meus primeiros poemas para Drummond,no gabinete em que ele trabalhava,no prédio do Ministério da Educação,no centro do Rio. Depois que leu, ele até chamou a atenção de outros escritores para mim. Em seguida,vieram as rusgas,porque havia divisões políticas naquele tempo. A coisa mais impressionante que Drummond me disse foi num de nossos últimos encontros. Um certo poeta brasileiro - de quem não quero dizer o nome - proclamou-se herdeiro de Drummond. Quando me encontrei com ele, disse: “Como é que vai o herdeiro?” . E ele : “O herdeiro de um poeta é o poeta diferente do modelo. O meu herdeiro será um poeta inteiramente diferente de mim : é esta a lição da poesia”. O herdeiro de Olavo Bilac foi Mário de Andrade.Os herdeiros são os diferentes. São até os adversos : não são os assemelhados. É a grande lição de Drummond que ficou em mim : ele não espera ter um clone como herdeiro. (risos) O que Drummond esperava era o “anti-clone”
.
GMN : Nesse primeiro encontro, o senhor - que viria a se considerar um lobo no poema “A Queimada” - teve a sensação de que o Drummond era o “urso polar”,como ele disse que era num dos poemas ?

Ledo Ivo: “Tive essa sensação. Drummond tinha uma vida amorosa muito escondida - que depois,infelizmente, foi violada pela imprensa. Eu via,em Drummond,um grande poeta secreto. Naquela época, 1940, Drummond não tinha a notoriedade que ganhou depois. O próprio Manuel Bandeira pensava que o grande poeta brasileiro daquela época fosse Augusto Frederico Schmidt. Porque o Schmidt enrolava todo mundo (risos). Schmidt até pensou em fazer um poema sobre a descoberta do Brasil,mas depois Drummond veio com a Rosa do Povo e acabou com a festa”.



QUARTA ESTAÇÃO :
MANUEL BANDEIRA ENSINA QUE O POETA PRECISA SER CULTO

GMN : O que ficou da amizade com Manuel Bandeira ?

Ledo Ivo: “Minha ligação com Manuel Bandeira foi profunda. De todos os poetas, talvez o que mais me tenha marcado e ensinado foi Manuel Bandeira. Quando eu era menino, mandei poemas para ele. Recebi de volta um cartãozinho em que ele tocou em um ponto que ainda hoje permanece na poesia: “Há muita magia verbal em seus poemas”. Depois percebi que, para mim, a operação poética é como se fosse um encantamento da linguagem – uma magia. Sou um poeta que acha que a poesia é o uso supremo da linguagem.Bandeira fez esta descoberta em meu momento inicial. Deu-me lições perenes : por exemplo,a de que o poeta deve ser um intelectual culto. Só a cultura tem condições de abrir caminhos. Ao poeta,não basta apenas ter talento e vocação. Por que o poeta deve ser realmente um homem culto ? Porque a poesia é um sistema milenar de expressão. É preciso conhecer os mestres. A criação poética não é,portanto,um problema só de sensibilidade. É um problema de cultura. Somente o vasto conhecimento da poesia e da literatura é que permite ao poeta exprimir-se. A fidelidade à literatura deve ser o emblema do escritor. Devemos continuar segurando o estandarte. Vivemos um tempo de mudanças. Somos uma civilização de massas, uma civilização eletrônica, uma civilização consumista. Tudo alterou a posição do escritor e do poeta no Brasil. Já não temos aqueles poetas populares de que Drummond foi o último grande exemplo.O poeta vive hoje em uma época de anonimato. Os ícones são diferentes,os gurus são outros. A linguagem literária hoje compete com a linguagem eletrônica, o CD-Rom, o cinema,o disco . Mas,há alguma coisa que só a poesia tem condições de dizer. A poesia,então,existirá sempre,como linguagem específica,porque só ela pode dizer,sobre a condição humana,algo que não pode ser dito de nenhuma outra maneira. O cinema e a televisão lidam de uma maneira diferente”. 

GMN : O poeta, então, deve se resignar a ser anônimo, nesse mundo dominado pela fama e pela mídia eletrônica?

Ledo Ivo: “A função do poeta na sociedade é escrever poemas.A notoriedade é secundária”.

GMN : O senhor tem uma certa sensação de deslocamento por ser um poeta em uma sociedade que não dá tanto valor aos poetas?

Ledo Ivo: “Pelo contrário ! Para mim, seria inconcebível ter aparecido antes ou ter aparecido depois. Como poeta ,surgi no momento certo.Tenho um grande sentimento da minha contemporaneidade.O mundo atual habita os meus poemas.A função do poeta é,também,celebrar o mundo em que vive. Não tenho nostalgia pelo passado. Não gostaria de ter nascido no passado,assim como não gostaria de ter nascido no futuro”.

QUINTA ESTAÇÃO: 
JOÃO CABRAL DÁ DE PRESENTE A LEDO UM EPITÁFIO EM FORMA DE POESIA

GMN : Do que o senhor ouviu de João Cabral de Melo Neto, qual foi a grande lição?

Ledo Ivo: “João Cabral me deu a lição da diferença entre os poetas.Cada poeta é diferente.As estéticas dos poetas são até inconcebíveis. Como são diferentes os caminhos para fazer a mesma coisa ! . O que mais me impressiona em João Cabral é ele ser saudado sempre como “o poeta da razão”, no Brasil. Para mim, João Cabral de Melo Neto é o poeta da “anti-razão”,o poeta da obsessão, o poeta das coisas ocultas,o poeta das coisas sibilinas, herméticas. A poesia que ele deixou é complexa,mas se abre para o grande acesso popular, o que é curioso.Uma vez,João Cabral me disse: “Nós estamos fazendo uma obra literária. Procuramos fazer uma obra literária o maior possível.De repente, lá em Nova Iguaçu ,a essa hora, anonimamente, alguém pode estar fazendo a obra com que nós sonhamos”. 

GMN : Para o senhor - que se considera “um homem de muitas perguntas e quase nenhuma resposta” - qual é a grande pergunta, a grande perplexidade que até hoje o atormenta?

Ledo Ivo: “A perplexidade é estar no mundo – com todas essas perguntas que se acumulam; o fato de ser transitório; a existência e não-existência de Deus; o problema da condição humana. Vivo num mundo em que quase não há resposta.Não sei onde começo e onde termino. Sequer sei se existo,no sentido de ter uma existência nítida,com fronteiras definidas.Talvez o meu mundo seja o mundo da ambigüidade. Drummond chamou a minha poesia de ”múltipla”. É uma frase que ilumina mais uma existência poética do que muitos rodapés. Quando publiquei “Confissões de um Poeta”, Hélio Pellegrino me telefonou para dizer que ficou impressionado com o clima de procura que há em todo o livro. Como era psicanalista e poeta,Hélio Pellegrino disse que minha descoberta estava exatamente nessa procura. Vivo nessa perpétua indecisão.O que me impressiona é que essa procura tenha durado tanto; não tenha acabado ainda”.

GMN : Há em seus textos uma certa obsessão com a finitude.Qual foi o primeiro espanto que o senhor teve diante da morte? 

Ledo Ivo: “Venho de uma família numerosa. Tenho um irmão que morreu, o chamado “anjinho”, aquele que morre novo.Outro irmão meu chamado Éber, morreu aos oito anos. Numa família nordestina, numerosa,a morte vive sempre rodeando as pessoas. Quando menino, eu gostava de visitar cemitérios. Mas censuro a morte!. Como sou uma criatura do aqui e do agora, fico impressionado com a morte, porque ela faz com que a gente já não esteja aqui”. Talvez venha da infância o sentimento de que a vida é provisória e instantânea. É um relâmpago. Além de tudo, há o mistério da existência: por que será que uns morrem cedo, outros morrem tarde e outros não morrem nunca ? “. 

GMN : O senhor faz,em um de seus textos,uma referência a uma caminhada solitária pelas alamedas do Cemitério São João Batista.O que é que o senhor estava fazendo no cemitério? 

Ledo Ivo: “Devo ter ido me despedir de um amigo.Não fui para visitar o cemitério. O engraçado é que João Cabral escreveu o meu epitáfio em versos que ele nunca incluiu em livro. O que João queria era fazer um livro só de epitáfios de amigos. Terminou não fazendo.João foi um grande amigo meu,mas tínhamos temperamentos diferentes. Enquanto ele ia para um lugar, eu ia para outro. Nunca nos encontramos - nem esteticamente. Dizia que eu falava muito; achava que só a morte é que me reduziria ao silêncio. O epitáfio que João Cabral criou para mim é este :

“Aqui repousa
Livre de todas as palavras
Ledo Ivo,
Poeta,
Na paz reencontrada
de antes de falar
E em silêncio, o silêncio
de quando as hélices
param no ar “.

Geneton Moraes Neto

Geneton Moraes Neto. Recife, 13/07/56. Para saber mais sobre o Jornalista Geneton, acesse http:www.geneton.com.br/quem/

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