SINÉSIO DIOLIVEIRA - SELETA DE POEMAS

Sinésio Dioliveira - Acervo do Autor
Dentre as manifestações artísticas de um povo, é o gênero lírico que se instaura como o que há de mais fascinante e desafiante no campo da linguagem. esta modalidade artística insere-se no cotidiano humano em resposta às reflexões mais profundas e aos diálogos constantes entre homem e natureza.

Refletir sobre o fazer poético é, sobretudo, percorrer os intrincados e desafiadores caminhos da linguagem para desvelar os mecanismos de criação, o engenho que transfigura o comum e o nobilita e, mais que isso, evidenciar, por intermédio de uma observação perquiridora, o caráter poetizante da natureza e o aspecto naturante da poesia. Poesia que cria, a partir de uma realidade natural, uma outra realidade, a realidade poética, esta subsidiada pelas expressões da época, dos anseios de determinadas gerações,do estilo em voga. Ela surge como tradução das percepções que o poeta tem, advindas da condensação do olhar com o objeto olhado, da realidade aparente do mundo com a visão transcendente do poeta, que perquire no "não visto" as respostas para as interrogações do que se viu. ¹

Sinésio Dioliveira, na recifração dessa natureza, pela linguagem,  empreende, com singeleza, uma interlocução com o simples, com o mundo e com o corpo. 

Esta Seleta, que a Revista Banzeiro tem o prazer de apresentar, faz parte do livro Amor colhido no pomar da cama (inédito), e foi gentilmente organizada pelo Poeta para esta edição. Boa Leitura!

Max Ernst, 'Vive l'amour (Le Pays Charmant)':
Max Ernst -  Long Live Love, 1923

Amor colhido no pomar da cama

Minha musa às vezes
Se embriaga de volúpia 
E põe-se a cantar
O amor colhido 
No pomar da cama

Meu coração observa tudo
Entristecido
Por não estar
Entre as frutas do pomar
Ele
Coitado
Não pode fazer nada
É menor que a carne
Mora dentro dela


Max Ernest - A Week of Kindness1934



















Parede nua


A parede nua, Drummond,
Para se encostar
Precisa ser bem pintada...




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C(ama)



É constante e intenso
O meu desejo por ela.
Mas em época de frio como agora
Meu desejo de seu calor
É mais ardoroso.
O que torna nossa relação mais gostosa
A ponto de eu nem querer
Sair de cima dela.

Às vezes as circunstâncias
Me levam a trocá-la por outra
Mas sempre volto para ela
Que me recebe receptiva como sempre.
Como é gostosa minha cama!






Peçonha


meu corpo 
sempre obediente 
ao que falo...
essa rotina animal
de injetar peçonha
sem beijar o coração da presa
envenena mais a mim
pois ajo mais como bicho. 




Maçã

muito longe de Picasso
eu pinto você
com tinta branca 
expelida do meu corpo
tinta edênica
com sabor de maçã
fruta devorada sem pesar de pecado
sem o embuste da serpente...




















Miragem


A fome de amor
era apenas miragem.
Desfeito o entrelaçamento das pernas,
cada um vomitou o outro
e o mal-estar acabou...




Max Ernst:
The Word (Woman Bird), 1921




















Triângulo




Abarco teu corpo
e me ponho a navegar
em mar repleto de espuma
onde Afrodite faz travessuras
que aprendeu com Zeus
nos encontros criativos dele
com suas amantes humanas
castigadas por Hera
esposa ciumenta de Zeus.

No sacolejar afoito das águas 
vindo do ciúme de Netuno
naufrago todo feliz
no triângulo dentro da bermuda...



Max Ernst | La Petite Mélancolie:
Max Ernest


























Maçã podre



Tem ficado de fora do pomar
o seu coração
quando sua pele
põe-se a comer maçã.

Quer ser mais que bicho
quer seu coração na ceia
mas sua pele não lhe dá ouvido...



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Horrorgasmo



Copular com a vida
sem amor sincero por ela
não há orgasmo de alma
e a existência se transforma
num amontoado de dias
transcorridos de modo enfadonho:
uma janela fechada
à entrada de sol
um jardim triste
tomado de ervas daninhas.



Orgasmo qualquer bicho tem
alguns nem de outro precisam
para chegar à cócega.

Como ingrediente único da vida
ele acaba fodendo
quem o pratica
sem se dar conta
de outras sensualidades da vida
em seus muitos aspectos.



Requiem © 2013 Roberto Ferri

























Pluralidade singular


O amor é plural 
O gênero dos substantivos
Que o vivem
É algo desimportante
Não importa se do mesmo gênero
Ou de gênero diferente
O essencial mesmo
É algo abstrato:
O que o coração de ambos sente.




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1. PERNA FILHO, Francisco. Criação e Vanguarda. Goiânia: UCG, 2007, p. 19 e 21.



SOBRE O AUTOR
Exibindo urutau.jpg
Exibindo urutau.jpg



Mineiro de Divino das Laranjeiras, Sinésio Dioliveira viveu parte de sua infância em Belo Horizonte e o restante em Goiânia. Ele se diz mineiro de coração goiano. Em Goiânia terminou o ensino fundamental, fez o segundo grau e depois o curso de Letras na PUC-Goiás. Foi seu amor pelas letras que o levou buscar tal curso. Um livro que ganhou de presente e autografado pelo poeta Carlos Drummond também pesou em sua escolha.

Suas crônicas publicadas no jornal "Diário da Manhã"  lhe renderam um prêmio da Academia Goiana de Letras em 2007 como cronista. Sinésio pensou que sua estreia no mundo literário começaria com poesia, mas foi em prosa que ele iniciou sua vida literária com um livro de crônicas: "Coração seco não chove nos olhos". Em 2012 , seu livro de poesia "Poema na folha da amendoeira" ganhou o prêmio Bolsa Hugo de Carvalho Ramos, no qual se inscreveu com o pseudônimo de "Antero de Quintal". Ele está com livros prontos - um de conto e outro de poesia -, mas ainda não sabe quando irá publicá-los.

A fotografia é outra paixão de Sinésio, que faz mistura de palavras com imagens. Disso resultou uma exposição (Fotoemas) que ele andou expondo em alguns órgãos públicos: Tribunal de Justiça, Tribunal de Contas do Estado e no Palácio Pedro Ludovico Teixeira. Ele pretende transformar essa exposição num livro pois recebeu muitos estímulos dos amigos nesse sentido. Os passarinhos têm sido o alvo principal de seus cliques. Ele, inclusive, aparece na foto que ilustra esta matéria ao lado de um urutau, que foi registrado pelo mestre de Sinésio em passarinhos: o fotógrafo Nunes D´Costa. 


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