Mahmûd Darwîsh - Poesia da Palestina


Nem menos, nem mais



Sou uma mulher. Nem menos, nem mais.

Vivo a minha vida como ela é

fio a fio

e fio a minha lã para vesti-la, não

para acabar a história de Homero ou o seu Sol

e vejo o que vejo

tal como é, na sua aparência.

e no entanto fixo o olhar uma

e outra vez na sua sombra

para sentir o pulso da perda,

e escrevo um amanhã

sobre as folhas de um ontem: não há voz

apenas o eco.

Gosto da ambiguidade necessária nas

palavras daquele que viaja de noite em direcção ao que já se foi

da ave sobre as colinas das palavras

sobre as açoteias das aldeias.

Sou uma mulher, nem menos, nem mais.


Faz-me voar a flor de amendoeira,

no mês de Março, da minha varanda,

saudosa de um dizer distante:

– Toca-me, para que eu leve os meus cavalos à água das nascentes.

Choro sem razão aparente, e amo-te

a ti como és, sem obrigação

sem ser em vão.

e dos meus ombros levanta-se o dia sobre ti

e quando te abraça desce uma noite sobre ti

e eu não sou isto nem aquilo

não, não sou Sol nem Lua

sou uma mulher, nem menos, nem mais.


Sê tu o Qays da nostalgia

se assim queres. É que eu

eu gosto de ser amada como sou

não uma imagem

colorida no jornal, ou uma ideia

entoada no poema entre os cervos...

ouço o grito de Laila longínquo

a partir do quarto de dormir: – Não me deixes

prisioneira de uma rima nas minhas noites das tribus

não me deixes com eles como uma história...

sou uma mulher, nem menos, nem mais.


Eu sou quem sou, como

tu és quem és: moras em mim

e eu moro em ti sobre ti para ti

amo a claridade necessária no nosso mistério partilhado

sou tua quando transbordo da noite

mas não sou uma terra

não sou uma viagem

sou uma mulher, nem menos, nem mais.


Cansa-me

o ciclo da Lua mulher

adoece a minha guitarra

corda

a corda

sou uma mulher,

nada menos

nada mais!



Tradução de André Simões


In. O leito de uma estranha (1999)

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