Francisco Soares Feitosa - Poema

 
Resíduo de Sal




           “A onda envolve-o,
          pousa-lhe na pele o débil resíduo
          de sal que o sol não tardará a evaporar,
          deixando-a vermelha e a seguir brônzea”
          (Hélio Pólvora, Mar de Azov, Ed. Melhoramentos, 1986)




Como se fosse hoje, o mar,
os olhos e uma gota de sal, que as palavras
se mergulhavam  em até logo...


Vermelha e brônzea foi a ausência,
como se fosse hoje,
o mar,
corríamos aos beirais da espuma
provocativamente entre a risca d’água e os sapatos
molhados e o sal, que as palavras
se afundavam
em silêncios de areia submersa e até logo.


¿ Aonde teríamos chegado
se as ondas se quebrassem daqui-prá-lá ?
Não,
não será possível, ela disse:
veja,
  estas ondas só se-quebram-para-cá,
  que se para-lá se quebrassem,
  haveria de ser
  muito  mais fácil
  embarcar...
  e o vôo cego:
  em que praia acamparíamos ?

Ondas-só-vindo não nos levariam distantes,
já é quase fim da tarde,
será a noite avizinhada muito clara,
lua de luaçal, veja no horizonte,
nos achariam facilmente, sob a lua;
tenho medo,
as ondas-contra... esse clarão,
tenho medo,
desta vez, não...
ainda não.
Inútil um basta,
ineficaz um por-favor,
escusado um não-me-diga-adeus...

——   Não, não, é impossível...
tenho medo,
ela disse.




               E aquela lâmina de sal,
               aqueles riscos de areia nos pés,  ficaram
               presos
               e o perfume, o sal, areia e olho,
               que jamais lavados,
               gavinhas que se lançaram,
               busca
               de não achar.

As praias:  —  como teriam  sido aquel’outras,
do outro lado,
naquela tarde,
se as ondas
se gerassem
doutro vento ?

Ou, a meio caminho,
 entre a praia de cá
  e a praia de lá,
   todas as ondas se cessam
    paradas, espinhaço do mar,
     onde o mar é calmo,
      nem vai nem vem, ao meio,
       melhor dizendo,
        não existe praia nenhuma do outro lado.


 


Salvador, noite alta, 28.09.95


Fonte: Jornal de Poesia
Imagem retirada da Internet: mar

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