Raul Bopp - Poema



Urucungo


Pai-João, de tarde, no mocambo, fuma
E as sombras afundam-se no seu olhar.
Preto velho afaga no cachimbo a lembrança dos anos de trabalho que lhe gastaram os
músculos.

Perto dali, no largo pátio da fazenda,
umbigando e corpeando em redor da fogueira,
começa a dança nostálgica dos negros,
num soturno bate-bate de atabaque de batuque.

Erguem-se das solidões da memória
coisas que ficaram no outro lado do mar.

Preto velho nunca mais teve alegria.

às vezes pega no urucungo
e põe no longo tom das cordas vozes que ele escutou pelas florestas africanas.

Dói-lhe ainda no sangue uma bofetada de nhô-branco.
O feitor dava-lhe às vezes uma ração de sol para secar as feridas.

Perto dali, enchendo a tarde lúgubre e selvagem,
a toada dos negros continua:

Mamá Cumandá
Eh bumba.
Acubabá Cubebé
Eh Bumba.

In.Urucungo (1932)

Imagem retirada da Internet: Pai-João

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