Wender Montenegro - Poema


Poema-Fogo

para Herberto Helder




Impossível ver seu rosto de homem
pentecostes na voz em meio à sarça ardente
seiva bruta na saliva que irriga lavouras
de poemas e ostras e algas
do mar da Madeira, ilha de mistérios
onda a levedar no pão de cada lua
ofício cantante em harpa de ouro e trigo
louros ressequidos pelo sol selvagem
de seu autoexílio.

Impossível ver seu rosto em bronze
diamante polido pela mão de um anjo
a gritar: – Ó zona de baixeza humana!
Mítico maldito em estado selvagem

o olhar varado pela flecha de prata
do menino-bardo

cordão umbilical atado a tudo

que o tempo lavrou em vil caligrafia:

fogueira e monturo no buço da noite
cabelos de plantas descendo os adobes
ressaibos de dores nos poros do amor
explosão do átimo de Deus
lavas de dragão incinerando a pátina
vulcão regurgitando a própria entranha
escarrando pro céu o cuspe de sua alma.

Impossível não ler Herberto em chamas.



Imagem retirada da Internet: Herberto Helder

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