Francisco Perna Filho - Poema


SER DE FATO



Para este ano,
além do reflexo da luz,
queremos a luz.
Além do cantar dos pássaros,
queremos o pássaro.
Além do símbolo da paz,
queremos a Paz.
Neste ano,
além do simples desejo de uma vida nova,
queremos vivê-la plenamente,
sem medo,
sem ódio,
sem receio,
sem temor.
Que os bons textos nos venham
e preencham as nossas vidas
e, com eles, possamos sonhar,
escrever um pouco da nossa história e
das nossas fantasias.


Feliz 2011 a todos os leitores do Banzeiro Textual !!!



Imagem retirada da Internet: ano novo


Marinalva Rego Barros - Poeta

ENCONTRO



Façam para mim

um vestido esvoaçante

com pequeninas flores

em tom pastel


Um banho fresco

com folhas de eucalipto

é essencial


Ah, não esqueçam de marcar

uma hora antecipada

pra que eu nade no rio

ao entardecer

(a essa hora ele me ensina

velhas lições de sedução)


e que eu possa avistar

um ipê roxo

solitário na paisagem

pra enternecer ainda mais

meu coração


A uma artesã sensível

encomendem um colar

discreto e romântico

e escondam de mim

todos os jornais:

corro o risco de distrair-me

com coisas da vida

e dos homens


Por fim,

rezem por mim

meus irmãos.

Rezem muito por mim

neste dia:

careço de todo perdão de Deus

para o festim da minha carne.



Imagem retirada da Internet: corpo

Álvaro Seiça Neves - Poema




Asilo





naquele Asilo de mármore e baba fria
a Morte entrou de passos apressados
sorvendo almas
berraram os maus mas em vão
os ombros
varas pontiagudas alinhadas ao Céu
ventilavam ondulantes
as orelhas cerradas de cera vivida
as têmporas
a testa
os nervos
balas rebentando de solidão
olhavam lancinantes
como guilhotinas de músculos dissecados
o raciocínio era pura irritação
e para todos
a Vida
chegava numa ambulância
mascarada de carro funerário
toda esta ferida era evasão
os tiros das espingardas
sobrevoavam a sala dos rumores
cadeiras de roda empilhadas em silêncio
e enfermeiras formosas
cuspindo descontracção
e para todos
as clarabóias que fendiam
o solo seco do cérebro comum
eram miragem de um deserto moribundo
guilhotinas
varas
e ventiladores
têmporas
testas de ranho
e nervos de cera
cheirando ao podre
ao esqueleto do caixão
a festa da Vida era a cólera da Morte
almofadas e pantufas
por muito que boas
eram apenas Nadas
naquele Asilo de mármore e baba fria
o único calor vinha das mãos apertadas


Imagem retirada da Internet:olhar

Marinalva Rego Barros - Poema


TRILHA



Os caminhos do teu endereço

São cheios de esquinas,

A estrada que conheço

Margeava um rio que partiu

E minha bússola,

Feita de amor antigo,

É hoje inexata.


Peço novas senhas:

Lamparinas na janela

Jasmineiro no portão

E um código secreto

Que só meu coração conheça.


Andarei por tua casa

Com sandálias de algodão

E farei um poema

Terno e pungente,

Como convém a um amor antigo

Bordado de ausências.


Imagem retirada da Internet: Lamparina

Sophia de Mello Breyner Andresen - Poema

Liberdade



Aqui nesta praia onde

Não há nenhum vestígio de impureza,

Aqui onde há somente

Ondas tombando ininterruptamente,

Puro espaço e lúcida unidade,

Aqui o tempo apaixonadamente

Encontra a própria liberdade.



Fonte: Mulheres

Imagem retirada da Internet: Pena

Sophia de Mello Breyner Andresen - Poema

Poesia


Se todo o ser ao vento abandonamos

E sem medo nem dó nos destruímos,

Se morremos em tudo o que sentimos

E podemos cantar, é porque estamos

Nus em sangue, embalando a própria dor

Em frente às madrugadas do amor.

Quando a manhã brilhar refloriremos

E a alma possuirá esse esplendor

Prometido nas formas que perdemos.



Fonte: Mulheres

Imagem retirada da Internet: Nus

Francisco Perna Filho - Poema

NATAL




Eu nunca fiz um poema de Natal,

talvez por não sabê-lo,

embora compreenda sua simbologia.

Sei que o Cristo renasce em cada coração,

que as cidades se enchem de luzes coloridas e brilhantes,

que os homens tornam-se mais solidários e felizes.

Eu sei de tudo isso,

mas também sei dos homens empedernidos,

das mulheres maltratadas,

das crianças abusadas,

das trapaças,

e das sórdidas armações palacianas.

Eu sei de tanta coisa,

mas ainda sei tão pouco da vida,

talvez esteja aí a minha dificuldade para compor um poema natalino.

Seria fácil falar de presentes,

desejar votos de felicidades,

falar de abraços e sorrisos,

de manjedouras e presépios,

de um menino que nasce para salvação do mundo.

Talvez fosse simples assim,

mas a verdade se nos impõe cortante,

as cores, apesar indução midiática,

são de outras matizes, de menos brilho e bem doídas,

como no conto de Dostoievski “A Árvore de Natal na Casa do Cristo”,

ou no romance “O Caçador de Pipas”, de Khaled Hosseini,

ou, quem sabe, no absurdo de "A Metamorfose", de Franz Kafka.

Sei que num poema de Natal os leitores desejam cantatas,

louvores e muita alegria,

não havendo espaço para qualquer pensamento destoante

daquilo quem vem a ser bondade.

Tampouco para palavras que roubem a esperança de centenas de milhares de miseráveis

espalhados nas prisões,

nos campos de trabalho escravo,

nos hospitais e hospícios,

nos cárceres dos regimes totalitários.

Um poema de Natal

não comporta maldade,

estelionato,

usurpação.

Num poema de Natal

todos devem estar felizes,

solícitos e

amigáveis.

Por tudo isso,

é que eu sinto dificuldade em fazer um poema de Natal.

Para o ano que vem,

desejo que as coisas melhorem,

que a verdade consiga vencer os artifícios,

que os olhares possam refletir as almas,

que os homens consigam se dar as mãos,

que as crianças possam confiar nos pais,

e que os velhos tenham dignidade.

Para o ano que vem

eu não prometo um poema de Natal, ainda,

mas estou certo de que serei melhor,

que seremos melhores

em todos os aspectos.

Com tanta coisa para falar,

e o poema que não vem,

para este ano,

aproveito para dizer

que continuo acreditando no homem,

na sua bondade,

na sua criatividade,

no seu amor.

Aproveito para louvar a Deus,

na sua infinina sabedoria e nobreza,

que, apesar da maldade humana,

nunca abandona os seus filhos.

Aproveito para desejar um Feliz Natal!



Imagem retirada da Internet: crianças

Sophia de Mello Breyner Andresen - Poema














A anémona dos dias





Aquele que profanou o mar

E que traiu o arco azul do tempo

Falou da sua vitória


Disse que tinha ultrapassado a lei

Falou da sua liberdade

Falou de si próprio como de um Messias


Porém eu vi no chão suja e calcada

A transparente anêmona dos dias.




In. No Tempo Dividido e Mar Novo, Edições Salamandra, 1985, p. 67

Fonte:Mulheres

Imagem retirada da Internet: Anémona

Sophia de Mello Breyner Andresen - Poema


















Porque


Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.


Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.


Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.


Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.



Fonte: In.No Tempo Dividido e Mar Novo, Edições Salamandra, 1985, p.79.
Foto by Ana Luar

Hermann Hesse - Poema


Sonhando Contigo



Às vezes quando me deito
e meus olhos se fecham,
com a chuva batendo na cornija
os seus dedos molhados,
tu vens a mim,
esguia corça hesitante,
dos territórios do sonho.
Então andamos ou nadamos ou voamos
por entre bosques, rios, bandos de animais,
estrelas e nuvens com tintas de arco-íris:
tu e eu, a caminho da terra de origem,
rodeados de mil formas e imagens do mundo,
ora na neve, ora ao fogo do sol,
ora afastados, ora muito juntos
e de mãos dadas.

Pela manhã o sono se dissipa,
afunda dentro de mim,
está em mim e já não é mais meu:
começo o dia calado, descontente e irritadiço,
porém algures continuamos a andar,
tu e eu, rodeados de coleções de imagens,
a interrogar-nos entre os encantos da vida
que nos embroma sem saber mentir.


In.Crises, 1928



Imagem retirada da Internet: chuva

Hermann Hesse - Poema


Rabisco na Areia





Que encantamento e beleza
sejam brisa e calafrio,
que o delicioso e bom
tenha escassa duração
- fogo de artifício, flor,
nuvem, bolha de sabão,
riso de criança, olhar
de mulher no espelho, e tantas
outras coisas fabulosas
que, mal se descobrem, somem –
disso, com pena, sabemos.
Ao que é permanente e fixo
não queremos tanto bem:
gemas de gélido fogo,
ouros de pesado brilho,
por não falar nas estrelas
que tão altas não parecem
transitórias como nós
e não calam fundo na alma.
Não: parece que o melhor,
mais digno de amor, se inclina
para o fim, beirando a morte,
e o que mais encanta – notas
de música, que ao nascerem
já fogem, se desvanecem –
são brisas, são águas, caças
feridas de leve mágoa,
que nem pelo tempo de uma
batida de coração
deixam-se reter, prender.
Som após som, mal se tocam,
já se esvaem, vão-se embora.
Nosso coração assim
leal e fraternalmente
se entrega ao fugaz, ao vivo,
não ao seguro e durável.
Cansa-nos o permanente
- rochas, mundo estelar, jóias –
a nós, transmutantes, almas
de ar e bolhas de sabão,
cingidos ao tempo, efêmeros
a quem o orvalho na rosa,
o idílio de um passarinho,
o fim de um painel de nuvens,
fulgor de neve, arco-íris,
borboleta que esvoaça,
eco de riso que só
de passagem nos alcança,
pode valer uma festa
ou razão de dor. Amamos
o que é semelhante a nós,
e entendemos os rabiscos
que o vento deixa na areia.



Tradução de Geir Campos


In. Andares. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1961p.215.
Imagem retirada da Internet: Hermann Hesse

Hermann Hesse - Poema


Andares




Como emurchece toda flor, e toda idade
juvenil cede à senil – cada andar da vida
floresce, qual a sabedoria e a virtude,
a seu tempo, e não há de durar para sempre.

A cada chamado da vida o coração
deve estar pronto para a despedida e para
novo começo, com ânimo e sem lamúrias,
aberto sempre para novos compromissos.
Dentro de cada começar mora um encanto
que nos dá forças e nos ajuda a viver.

Devemos ir contentes, de um lugar a outro,
sem apegar-nos a nenhum como a uma pátria:
não nos quer atados, o espírito do mundo
- quer que cresçamos, subindo andar por andar.
Mal a um tipo de vida nos acomodamos
e habituamos, cerca-nos o abatimento.

Só quem se dispõe a partir e a ir em frente
pode escapar à rotina paralisante.
É bem possível que a hora da morte ainda
de novos planos ponha-nos na direção:
para nós, não tem fim o chamado da vida...
Saúda, pois, e despede-te, coração!




Imagem retirada da Internet: Hermann Hesse

Hermann Hesse - Poema



















O POETA E SEU TEMPO







Fiel a imagens eternas, firme na contemplação,
tu estás pronto para o ato e para o sacrifício;
falta-te ainda, no entanto, um tempo desassombrado
de ofício e púlpito, confiança e autoridade.

Há de bastar-te, num posto perdido,
ante o deboche do mundo, compenetrado da fama que tens,
renunciando ao brilho e aos prazeres do mundo,
guardar aqueles tesouros que não azinhavram nunca.

Não te faz mal a zombaria das feiras,
enquanto ouves a voz sagrada, ao menos:
se ela entre incertezas cala, te sentes um renegado
do próprio coração – feito um bobo na terra.

Pois é melhor, por uma realização futura,
servir sofrendo, ser sacrificado,
do que ter grandeza e reino pela traição
ao sentido do teu sofrer – tua missão.


Tradução de Geir Campos



In. Andares ( Antologia Poética). Rio de Janeiro: Nova Fronteira. p.156.
Imagem retirada da Internet: Hermann Hesse

Hermann Hesse - Poema


DEGRAUS





Assim como as flores murcham
E a juventude cede à velhice,
Também os degraus da Vida,
A sabedoria e a virtude, a seu tempo,
Florescem e não duram eternamente.
A cada apelo da vida deve o coração
Estar pronto a despedir-se e a começar de novo,
Para, com coragem e sem lágrimas se
Dar a outras novas ligações. Em todo
O começo reside um encanto que nos
Protege e ajuda a viver

Serenos transpunhamos o espaço após espaço,
Não nos prendendo a nenhum elo, a um lar;
Sermos corrente ou parada não quer o
espírito do mundo
Mas de degrau em degrau elevar-nos e aumentar-nos.
Apenas nos habituamos a um círculo de vida,
Íntimos, ameaça-nos o torpor;
Só aquele que está pronto a partir e parte
Se furtará à paralisia dos hábitos.

Talvez também a hora da morte
Nos lance, jovens, para novos espaços,
O apelo da Vida nunca tem fim ...
Vamos, Coração, despede-te e cura-te!



In. O jogo das contas de vidro. Tradução de Carlos Leite.
Imagem retirada da Internet: Degraus

Wender Montenegro - Poema

Mea culpa ou Profissão de fé



ao poeta Francisco Carvalho



Semear poeiras e andrajos de esperas

dissecar os ossos das metáforas

acender espantalhos no amarelo das espigas.


Decantar o silêncio que sustenta o cais

ostentar um colar de metonímias

despir a voz da louca, cuja febre anuncia

um evangelho apócrifo.


Caminhar sob pedras como por milagre

ouvir a foz rouca dos rios da infância

borrifar no azul as flores do arco-íris.


Pintar um verão vazio de andorinhas

se encharcar de sol e devaneios

hastear um lenço sujo de saudade

ajustar os ponteiros na cópula dos pardais.


Imagem retirada da Internet: cais

Wender Montenegro - Poema











ABSTRATO EM LUZ E MEDO




O medo é a alma dizendo onde dói
pássaro conduzindo léguas
sob asas feridas.

É grito de Munch sangrando a moldura
expressão da face à beira-morte
quando um anjo anuncia o delírio.

É o temor do cântaro ao desuso
jardins plenos de sede e gerânios
cardumes de espectros
pescando crendices nos rios da noite.

Há mel e fé na colmeia do medo
e os anjos terríveis de Rilke
pintam de ferrugem cada luz e riso
semeiam gerânios sobre cada grito.



Imagem retirada da Internet: Olho

Sônia Schmorantz - Poema


Das coisas que vão e das coisas que ficam






Chegam as primeiras chuvas anunciando
o fim de um tempo escaldante de verão.
Distanciam-se os dias de luar e cio,
fica o canto, a vibração, a nostalgia,
fragmentos de risos, sonhos e ilusão.

A praia sem a obrigação de ser verão,
serenamente perde-se na linha do horizonte.
Os dias continuarão mornos e ensolarados.
E ao fim da tarde o sol fará sua despedida
em coloridos raios até morrer atrás do monte.

Um vento errante há de vagar sobre a praia,
anunciando teatralmente o fim da estação,
soprando emoções quebradas na areia,
como a despedida dos amores de verão.

Termina temporada, termina o verão,
Recolhe-se a rede, o guarda sol, a esteira,
Recolhem-se as sereias e musas do mar,
Fim de viagem, morre a estação derradeira…


JJ Leandro - Conto



SERTÃO VIOLENTO







O vasto sertão do Tocantins, quando ainda Goiás, demorou a ser povoado e depois do povoamento, a ser pacificado. Havia até o início do século XX um imenso deserto verde e poucos homens. A maioria migrante do Nordeste, homens fugitivos de lutas eternas naquela região contra a seca perene ou de guerras fratricidas. Uma vez na nova terra reproduziam os vícios de antanho. Ou então geravam ali novas disputas.



A família de Severiano Bezerra migrara para a aprazível região de Monte Alegre com o intuito de alcançar paz e crescimento, e não apenas crescimento econômico; procurava se recompor de guerras intestinas que quase fizeram-na desaparecer. Chegaram ali o velho José Bezerra, a esposa Quintina e o filho Severiano, o caçula, único remanescente de uma prole imensa de 14 filhos, quase extinta ao longo de 25 anos de sangue.


Tão logo botou os olhos sobre a imensidão verde do cerrado e de seus morros exuberantes, que não eram avaros como os homens de lá, José Bezerra morreu. Deu um último e longo suspiro, expiatório de toda a mágoa que o fazia secar por dentro a cada morte de um filho ou um neto. A velha Quintina, suave como a brisa de um final de tarde, tão de acordo com o marido que ninguém lhe ouvia a voz, mas de olhos brilhantes e expressivos que refletiam o acerto de todas as decisões do velho Bezerra, fechou-lhe os olhos no leito de morte. Levantou os olhos para o filho Severiano, ele os viu remansosos, brilhantes, irradiando felicidade. Era o brilho de esperança dos açudes cheios no sertão cáustico do Nordeste. Para qualquer outro seria estranho essa centelha fora de hora, mas ele acostumara vê-los assim cada vez que ela avalizava uma difícil decisão do marido. Juntos tomavam-na e juntos festejavam-na ou lamentavam-na. Nunca, no infortúnio, havia acusação recíproca.


Portanto, foi quase um pleonasmo o que ela disse em seguida, numa voz estranha que Severiano praticamente já desconhecia pela falta de uso. Mas que saiu sem dor, descansada, prenhe de bons augúrios.


—Morreu feliz e em paz. É o que vale!


Um dia depois do enterro quase a sós, pois eram ainda estranhos na nova terra, a velha também expirou. Severiano e os dois homens que os acompanharam desde o Nordeste prepararam a cova e o sepultamento de Quintina ao lado do velho pai, ao pé de uma frondosa faveira. “Os bons merecem paz e sombra”, meditou enquanto rezava.


O sol incendiava o mundo a sua volta às duas da tarde. O horizonte tremia como se labaredas de aço brotassem do chão. A essa hora a linha do horizonte era uma pintura que se dissolvia num borrão pelo efeito das vibrações do calor. “Essa também não é uma terra para fracos”, adivinhou, “é um inferno no qual faltam apenas os demônios.”


Persignou-se diante das duas sepulturas recentes e, rompendo com o passado, iniciou a sua história.


O destino ou seu pai — inconscientemente — quisera que ele iniciasse sua vida e sua história em terra virgem, onde seus feitos não sofressem o desgaste da comparação nem o ofuscamento dos feitos de outros homens. Severiano não desejou isso, nem a vida que levou daí em diante. Viu-se de repente lançado em um torvelinho e teve que se tornar um bravo para não ser moído. Mas só se torna bravo quem traz latente essa condição inata. Ele trazia. Nada ali era garantia de vida: bravura ou fraqueza. Sabia apenas, com a experiência da terra de origem, que os bravos viviam mais ou morriam com glória.


Tinha vinte e cinco anos quando sepultou os pais e passou a guiar os próprios passos sem arrimo. Passou recluso no mato três anos, dali mesmo despachou os homens que vieram com a família para buscar mais homens no Nordeste, para a lida. A região de Monte Alegre era de tal forma um vazio de homens que ouvir a própria voz tornava-se um exercício estranho. Naquela imensidão de mato verde e sol perseguidor o canto dos pássaros e o rugido das feras tornavam-se mais familiares aos ouvidos que a voz humana. E até mesmo menos temidos. Para não se sentir só, nem se pejar de vergonha ao ouvir a própria voz, Severiano declamava alto os versos de cordel dos repentistas nordestinos e cantava as canções de ninar que aprendera ainda pequeno com dona Quintina, antes de sua voz se silenciar porque em casa o casal era uma só pessoa, e ela deixava que José Bezerra falasse pelos dois.


Assim solitário Severiano passou seis meses. Os homens chegaram e com eles a propriedade cresceu. Para Severiano, era inusitado que fosse invadindo o mundo com cercas, sem que ninguém reclamasse. De onde viera, a cada passo dado opunha-se a resistência dos que não queriam retroceder; por isso, os homens pisavam-se. A cerca de uma propriedade praticamente invadia a cozinha da outra, os homens olhavam-se com ódio ancestral e quem podia engolia o outro.


Em Monte Alegre havia terras e mais terras, morros e serras que se sucediam — dando feição infinita à imensidão —, riachos e rios murmurando a água límpida com os buritis de atalaia ao lado, mas nem um dono. Com o direito da primazia, garantiu o que pôde para si. Parou de crescer para todos os lados quando outros proprietários também distantes encostaram suas cercas às dele.


A região passou a ter vários senhores latifundiários. Começou então a criar gado. O sertão era ainda pacífico. Mas a prosperidade da pecuária trouxe consigo dissabores. O charque que cruzava as serras de encontro ao dinheiro dos garimpos de cristal e ouro da Bahia despertou em homens que labutavam nas perigosas lavras baianas a cobiça pela pilhagem fácil em terra de ninguém.


Apareceram na região os primeiros bandoleiros. Homens sanguinários e desalmados que sobre o corpo das vítimas mortas acendiam o fogo com que preparavam as refeições fugazes. Severiano, como tantos outros migrantes nordestinos, impregnava-se do desejo de uma vida pacífica, mas não havia renegado a beligerância depositada em suas veias pelos avoengos. Bastou a mais tênue lembrança dos sertões nordestinos para que os migrantes recrudescessem também em violência. Severiano armou seus homens até os dentes, também estes calejados em disputas nas terras distantes, e determinou que fossem impiedosos com os intrusos.


Os sertões, que nunca viram uma mulher chorar sobre o corpo do marido ou do filho morto em refregas, começaram a verter lágrimas e espargir aos ventos os seus lamentos.


Por essa época Severiano conheceu duas pessoas decisivas em sua vida: Maria da Conceição, filha de outro migrante, que morava em Monte Alegre, a várias léguas de sua propriedade, e Cipriano, então namorado dela. Iam casar-se os dois. Maria era moça silenciosa, de uma beleza ímpar perdida naquela imensidão que começava a ficar turbulenta. Mas os olhos cândidos não acusavam vontade própria. Brilhavam porque a luz, sempre excessiva por ali, feria-os como se quisesse acordá-los. “Ao que está morto, qualquer cuidado é desperdício”, dizia seu pai num lamento sem reserva. Por isso, tratou de contratar seu casamento com Cipriano, um homem de meia idade, porém fogoso. Intrépido, como convinha à sobrevivência nos sertões bravios. Tinha deixado família no Nordeste e nunca acusara desejo de trazê-la para a região de Monte Alegre. Queria uma nova mulher. Como eram poucas por lá, contentou-se com a pequena mulher de pele branca, quase transparente, olhos taciturnos que retinham o tempo e escondiam todas as alegrias nas retinas escuras. Um desmaio de vida. Se naquele tempo a preocupação com a saúde fosse maior que com a multiplicação da espécie, Conceição estaria nas mãos de um médico. Mas a vida por vir sempre prometia mais que a vida que já deixava rastos no chão. Por isso, a urgência de qualquer família era a geração de descendentes para povoar a imensidão e sustentar o patrimônio arduamente adquirido.


Severiano encontrou-a, portanto, às vésperas do casamento. Bateu os olhos nela e o sangue ferveu no corpo. Poderia a falta de mulher justificar seu súbito interesse? Era um questionamento aceitável para seu interesse por quem todos consideravam insossa. Mas não havia tempo para render-se a cogitações. Ela retribuiu, também encantada. Os olhos dela pareceram explodir em música de mil orquestras, liberando toda a alegria aprisionada, o tempo fluiu célere de seu esconderijo, dando-lhe vertigens. Severiano tinha porte: era jovem, alto, musculoso, pele curtida pelas intempéries, como a terra áspera. Só tinha delicadeza nos olhos, mas mesmo estes somente a acusavam quando a alma era arrebatada por fortes emoções, como agora.


Severiano dividiu-se aflito, por mais de mês, entre as ações para repelir as investidas dos celerados baianos que infestavam o sertão e as visitas ao povoado para botar os olhos sobre Conceição. Não demorou e Cipriano notou o interesse de ambos. Criou-se um mal-estar na pequena vila. A intriga correu à solta. Até os pássaros e as árvores sabiam que um dos dois homens estava com os dias contados.


De parte a parte amigos e inimigos foram pródigos nos avisos. Os primeiros, querendo evitar a tragédia; os segundos, incitando-a. E Severiano, homem prático, insatisfeito com a situação, procurou Cipriano. Apenas flertava com Conceição e queria, portanto, pôr termo ao desconforto da situação. Foi recebido com indelicadeza. Houve discussão, o tempo fechou e amigos de ambos evitaram que chegassem às vias de fato. Mas apenas adiaram o enfrentamento e a tragédia. Os dois eram poderosos na cidade. Seus bandos dizimavam como a varíola os bandoleiros que atravessavam a fronteira para a prática da rapinagem. Não eram homens de medo, estava claro. Olhavam diretamente nos olhos, sem a cisma ou a negaça dos covardes. O resultado foi um desafio feito por Severiano: duelo a faca na praça central. O repto teve aceitação imediata. Procrastinar era acusar covardia. Ficou por marcar a data. E Cipriano mandou urgentemente dois homens de feia catadura com a resposta até a fazenda de Severiano: o duelo aconteceria em três dias!


Três dias depois estavam os dois homens na praça com seus bandos armados até os dentes. Desceram de alazões ajaezados com esmero testa a testa, parecendo combinação de segundos. As regras foram gritadas aos quatro ventos para dirimir qualquer dúvida por Emerenciano, pai de Conceição, a quem coube a árdua tarefa de árbitro da peleja. Duelariam a faca de tamanho, conformação e afiação iguais, segurando cada um com a mão esquerda, pois eram destros, à ponta de uma corda com um metro e meio de tamanho. A regra era clara: venceria quem prostrasse ferido ao chão, por mais de dois minutos, ou matasse fulminantemente o adversário; ou ainda aquele que permanecesse agarrado firmemente à corda enquanto o outro a largasse para fugir aos golpes. O prêmio: Maria da Conceição como esposa e todos os bens do derrotado. O bando do vencido não podia revidar ao fim do duelo, aceitando o novo senhor.


Regras aceitas, partiram para o duelo. A pracinha, um chão de terra limpa, algumas árvores nativas enfeitando-a, várias casas pobres observando o choque dos titãs, estava cheia de gente e dos capangas dos dois homens. Era um cenário pobre demais para a estatura dos dois contendores. Eles se livraram sem pressa das camisas e das armas que levavam ao coldre; olharam-se nos olhos. Não havia medo, só determinação em ambos.


Maria da Conceição refugiou-se na casa paterna. Orava ao pé dos santos no oratório rústico do quarto. Jamais disse por quem pedira, mas pedira por um dos dois.


Eles ensaiaram com pés ágeis em botas de cano alto os primeiros passos. Os bicos das botas riscavam o chão, levantando pó. Os torsos de ambos logo se cobriram de suor. Eram dez horas da manhã. A corda vibrava, espichando-se quando um deles se desviava do golpe da faca adversária. A assistência mantinha um silêncio nervoso, rompido apenas pelo som do entrechoque do metal de quase uma centena de armas em prontidão. Nos primeiros minutos a habilidade logrou sucesso sobre a vontade de ferir o oponente. O suor já chegava à calça rústica e era abundante nos dois. O cabelo desgrenhado dava-lhes aspecto de fera faminta. Nenhuma palavra, somente rugidos escapavam de suas gargantas. Quem primeiro acertou um golpe foi Cipriano. Pegou abaixo do peito esquerdo de Severiano, e só não acertou em cheio em seu coração porque ele girou de lado e a faca passou rasgando carne e rangendo sobre os ossos das costelas. O sangue que jorrou arrancou a assistência do estado hipnótico em que se encontrava. As armas agitaram-se como folhas metálicas ao vento, mas se contiveram. Os olhos de Severiano injetaram-se de dor e ódio. Ele mordeu os lábios para silenciar a dor. Cipriano leu determinação em seus olhos e não esboçou sequer um sorriso de contentamento pelo golpe. Os inimigos respeitavam-se. Redobrou, por sua vez, a atenção para o revide que sabia vir. Severiano, com vigor, deu uma volta com a corda em torno da mão em busca de apoio para puxar o adversário para si. Seus músculos se retesaram numa explosão de volume. O forte safanão aproximou os dois homens. Ele tentou golpear Cipriano na jugular, mas o movimento de defesa, afastando o pescoço para o lado, fez com que a faca rasgasse fundo a carne do ombro que se elevara. Cipriano gemeu, recuou, riscou o chão com as botas, levantando poeira, e procurou recompor-se. Os movimentos de ambos tornaram-se mais lentos. Lutavam há quase meia hora e os primeiros sinais de cansaço apareciam nos seus rostos crispados de dor e ódio. Antes do fim, Cipriano ainda acertou a faca uma vez em cada braço de Severiano, e a ponta fina dela penetrou dois centímetros em seu abdômen, próximo ao umbigo. Mas o golpe decisivo quem desferiu foi Severiano. Acabara de ser ferido no braço esquerdo, que segurava a corda. Cipriano então cometeu o erro de desviar por um segundo os olhos da faca adversária para o braço ferido. Severiano contraiu o braço ferido e num estalo de chicote, puxou violentamente Cipriano para si. Cansado e ofegando, ele veio. Severiano recebeu-o com o cabo da faca apoiado ao umbigo e a ponta levantada num ângulo de 45 graus. Cipriano caiu mole sobre ele quando a faca penetrou-o sobre o diafragma, rompendo ossos e atingindo-lhe o coração. Num gesto involuntário, a mão que segurava a faca bateu sobre as costas de Severiano, riscando-as profundamente na vertical.


O bando derrotado afastou-se para a fazenda, levando o morto consigo. Severiano, quase desmaiado, foi levado triunfalmente pelos seus homens até o farmacêutico para a sutura dos ferimentos. Que ninguém se enganasse, a peleja ainda não estava terminada. O capataz de Cipriano, Ludgero, homem ardiloso e de ambições ilimitadas, proclamou-se dono das terras do defunto, pilhou Monte Alegre, como intimidação, e recolheu-se à fazenda Alegrete, imaginando-se a salvo de qualquer retaliação.


Quando se sentiu curado das feridas, Severiano pegou seus homens e foi na fazenda Alegrete reclamar-lhe a posse. Foi recebido à bala, revidou e depois de cinco horas de renhida luta, invadiu a sede. Encontrou Ludgero escudado por cinco homens na sala grande. Muitos cadáveres espalhavam-se pelo soalho de madeira. Reteve seus homens à porta e entrou sozinho. Os cinco capangas de Ludgero fugiram para a cozinha quando o viram marchar destemidamente sobre eles, e tentaram safar-se pelo quintal. Foram abatidos a tiros pelos homens de Severiano ali emboscados. Restaram na sala, cara a cara, Severiano e Ludgero.


Este balbuciou amedrontado:


—A fazenda é sua...


—Eu sei, canalha! – disse, desferindo tremendo soco na cara do capataz.


Este caiu e tentou escapar de quatro por baixo de uma grande mesa. Não tinha sequer coragem de sacar a arma ou a faca, que eram brinquedos inúteis em sua cintura. Quase foi elevado do chão pela mão forte do fazendeiro.


— Covarde... —vociferou. —Como pôde Cipriano ter esse tipo de gente consigo?


Puxou a faca da bainha na cintura e sangrou Ludgero, cuja covardia ressumava dos olhos, incrédulos ainda da tamanha audácia de Severiano. O golpe de misericórdia desferiu com um tiro de pistola Mauser. “À bala, como merecem os covardes”, resmungou entre dentes.


Severiano se casou em seguida com Maria da Conceição, teve cinco filhos, que os abandonaram pela cidade grande, e encerrou aí o capítulo turbulento de sua vida. Embora acreditasse nisso, contudo, não morreria placidamente.


Em 1955, num dia estival, ao meio-dia, na sede da fazenda Monte Alegre, ainda um domínio gigantesco, ouviu um tropel vindo do passado. Ele cresceu, causando-lhe arrepios. Quem seria assim apressado num tempo em que os automóveis eram mais rápidos? Olhou para Maria da Conceição sentada diante de si à mesa de refeições e ela tinha nos olhos cansados a mesma surpresa e a sua mesma pergunta.


Não se levantou para conferir. Algum dos seus vaqueiros, com certeza, diria o que acontecia. Esperou. Mas quem entrou intempestivamente na grande sala foi um homem de meia idade. Atrás dele dois homens com rifles em punho postaram-se contra a parede, em sentinela.


Severiano aprumou o corpo frágil e quis desfazer o equívoco.


—O que é isso? —perguntou tranquilamente.


O homem sorriu nervoso.


—O senhor não sabe?


O velho sacudiu negativamente a cabeça, como para afastar fantasmas de um tempo extinto que lhe vinham cobrar uma dívida.


—Pois eu explico! —disse o homem irritado com sua placidez.


Silenciosamente, as mãos trêmulas enquanto executava a ação, ele depôs sobre a mesa um revólver e uma faca. Medo ou ódio? tentou avaliar Severiano, alternando olhares às suas mãos e ao seu rosto.


Depois do esforço da tarefa passou as costas da mão direita pelos lábios secos, que Severiano interpretou como sinal de nervosismo, e disse afinal:


—Como prefere morrer?


Maria da Conceição saiu do transe que a mantivera calada até então. O marido voltou-se em sua direção e viu seus olhos cheios de lágrimas e a garganta explodindo em gritos. Era diferente de sua mãe: nunca conseguira boa convivência com a turbulência da região e a violência dos homens. Por isso ele achou melhor quando, a um sinal do homem, os dois jagunços sumiram com ela em direção à cozinha. Os gemidos da mulher permaneceram um bom tempo ecoando em seus ouvidos. Diferenciou-os com propriedade dos lamentos e das imprecações dos inimigos no momento fatal; desde os remotos tempos do Nordeste não estabelecia essa distinção, e não se surpreendeu por ainda tê-la tão viva malgrado o tempo e a idade.


—Como prefere morrer, à bala ou a faca? — tornou o homem, tentando dissimular a ansiedade.


Depois de um curto silêncio, Severiano falou, olhando-o firmemente nos olhos.


—Nunca fiz essa pergunta a ninguém. Lia nos olhos a morte que merecia, e executava-a imediatamente como um derradeiro favor.


—Acostumou-se a matar covardes à bala e bravos à faca?


Severiano esboçou um leve sorriso nos lábios murchos.


—Sabia diferenciá-los, você não sabe?


O homem deu passos nervosos pela sala. Severiano olhava-o com dó. Ele recuou até a porta e chamou para dentro dois comparsas para ocuparem o lugar dos que retinham Conceição na cozinha. No pátio, espalhados em pontos estratégicos, quase uma vintena deles esperavam o desenlace da ação.


—Sabe diferenciá-los? —insistiu.


—Como matou Cipriano Soares? —inquiriu o homem sem dar atenção a sua pergunta.


Então era isso! Um descendente de Cipriano que lhe vinha cobrar a sua morte.


—Num duelo. Ele era um bravo. Um homem como poucos nessas terras.


—Mas ainda assim o matou.


—Muitos morreram aqui.


—Sim! Há por toda parte tantas cruzes quanto árvores e tantos túmulos quanto morros.


Severiano deu-lhe razão.


—Isso mesmo, e você achando que ainda é pouco; mesmo com a certeza de que sua ação é já anacrônica.


—Todo tempo é tempo — defendeu-se, acrescentando como justificativa o gasto jargão: —A vingança é um prato que se come frio.


Outra vez Severiano sorriu.


Os homens encostados à parede impacientaram-se com o diálogo arrastado e o que consideraram uma reação cínica de Severiano. Com gesto nervoso um deles bateu o chapéu na perna, derrubando o pó da estrada.


—Saiba, jovem, a vingança tarda apenas para duas espécies de homem: os covardes e os impossibilitados de executá-la.


—Você merece morrer à bala, como um covarde.


Severiano uma vez mais o olhou diretamente nos olhos, mas ele não aguentou a força e o poder que emanavam das velhas pupilas sem medo.


As moscas começavam a zunir sobre a mesa, reivindicando o alimento abandonado.


—Vi muitos homens matando com armas de fogo para esconder a própria covardia ao dizerem, como você, que covarde merece bala.


O homem irritou-se profundamente com seu comentário. Seus comparsas atrás resmungaram qualquer coisa, também irritados, o que o deixou ainda mais feroz. Ele dirigiu a mão nervosa para a mesa onde depositara as duas armas. Vacilou entre a faca e o revólver. Severiano aguardava impávido o fim de sua indecisão. Podia apenas pensar com desdém: “em outros tempos esse aí teria durado pouco”.


Por fim, o homem decidiu-se. Pegou o revólver, que pesou em sua mão. “Uma coisa é remoer um ódio por muitos anos; outra é um covarde executar um homem friamente”, refletiu Severiano ao ver o penoso esforço do outro para concluir a tarefa.


Apontou-lhe a arma para o peito e logo mudou para o rosto. Ainda a indecisão. Era assim tão caro para um covarde a escolha de um lugar para atirar? pensou Severiano.


O tiro que ecoou na sala cortou o fio de seus pensamentos, parecendo ter acertado Conceição, que lançou ao alto gritos que estremeceram os caibros da casa. A cabeça de Severiano pendeu para diante e sua fronte tocou o tampo da mesa com som oco bem onde estivera o prato, afastado quando o homem chegara. Parecia dormir de cansaço.


Quase se arrastando, o homem abandonou a casa entre os seus capangas


Imagem retirada da Internet: Jagunços

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