Brasigóis Felício - Ensaio curto


O poder da sombra



Por Brasigóis Felício*



O guerreiro da luz, para luzir-se de si, não precisa nem deseja apagar o sol dos outros. Antes, torna mais viva a vida de quem dele se aproxima. E quanto mais o iluminado pela luz do caminho, mais se embriaga da verdade infinita – mesmo sabendo que jamais alcançará a chama, nem sua mente terá ao menos um lampejo da Realidade Última. E também sabe que leva consigo a sombra, como herança de sua própria existência, e de toda a humanidade, desde os primórdios mais remotos: é a sombra coletiva, inerente à dualidade da vida manifesta como matéria - implacável e vingativa, quando negligenciada ou negada.

Disto nos falaram mestres de sabedoria – dentre eles um cientista da mente, psiquiatra e místico: o suíço dissidente de Freud, C.G. Jung. De fato, a sombra representa um poder que não pode ser ignorado, nem mesmo pelos guerreiros da luz. Jesus, o Cristo, para não cair em tentação, entrou em profundo jejum meditativo, por quarenta dias e noites, no deserto, ou na noite escura da alma. E a seu assédio respondeu: “Não tentarás o senhor teu Deus”.

Deepak Chopra nos diz, no livro O efeito sombra: “Permanecer inconsciente é fácil. Basta fingir, de vez em quando, que estamos conscientes. O inconsciente tem um objetivo, que é nos manter inconscientes. Às vezes o consciente dá uma espiada, mesmo assim”. O que nos permite agir na e pela inconsciência, em meio a outros que fazem o mesmo que nós: todos maçãs podres no cesto, dando como certo que são pessoas saudáveis. O que teria tal assertiva a ver com a realidade de nossos dias? Mais do que pode supor a nossa vã saciologia. Pois tem a ver com os dias de todos os tempos humanos.

Explico: basta ver o que estampam jornais, televisivos ou impressos, ou todas as mídias – de repente, não mais que de repente, aquela celebridade milionária ou a vetusta autoridade foi apanhada em crime escandaloso, tipo pedofilia, por exemplo, já que uso de drogas não é mais tipificado como conduta criminosa. Pastores midiáticos, como o americano, de fama internacional, é filmado em fuque-fuque com prostitutas. Ou o caso recente do esportista número dos EUA, maior ídolo do golfe de todos os tempos, auto-denunciado como viciado em sexo, praticante de adultério compulsivo e continuado.

Seria o efeito sombra, a agir tanto na patuléia quanto em personalidades celebérrimas, acima de qualquer suspeita? Acreditados estudiosos da alma humana, como C.G. Jung, Deepak Chopra, Debbie Ford e Marianne Williamson – para citar somente estes – garantem que é a pura e assustadora verdade. De repente, magistrados são flagrados liderando esquemas de corrupção, outro mata um guarda de supermercado, por querer entrar no estabelecimento quando ele se achava fechado.

Ou, remember o narco-deputado Hidelbrando Padilha, chefe de narcotráfico, que comprava votos com cocaína, conhecido como o assassino da motosserra... Exemplos aterradores não faltam, dando conta da ação não só da sombra de cada indivíduo humano, mas também da sobra coletiva, que se manifesta como atentados terroristas, guerras religiosas, e a entrega de sociedades ricas, pobres ou remediadas ao abismo das drogas lícitas ou ilícitas.

C.G. Jung não foi o primeiro a perceber e denunciar o efeito sombra sobre a existência de toda criatura humana – esteja ela ou consciente ou inconsciente disto. Antes dele, milênios atrás, místicos como São Juan De La Cruz, em sua descida aos infernos, A noite escura da alma, ou mesmo Buda, antes da iluminação, nos seis anos de busca da verdade última, como iogue das mortificações e do sofrimento auto-imposto – ou a mística Tereza de Ávila, de seu Castelo Interior e Moradas: a sombra passou a ser vista e reconhecida com um olhar científico, o que lhe deu credibilidade – e ares de realidade.

Jung, que teve sonhos e visões místicas, desde quando era criança, estudou o efeito sombra sobre a humanidade a partir de experiências dele próprio e de seus pacientes. Então teve clarões que o levaram a perceber os mecanismos pelos quais a sombra atua sobre todas as criaturas humanas, não importando o grau de cultura ou de civilização a que pertençam. O que ressalta, em seus estudos e vivências, é o poder da sombra, e o modo terrível e destrutivo com que ela se vinga de quem a reprime, negligencia ou ignora.

A psique é constituída por um material indevassável ao olhar cartesiano, e sua linguagem é marcada pela ambigüidade. Por isto, assinalou Jung: “A maior e a mais extraordinária experiência humana ainda é a muito limitada” – nadica de nonadas, perante o infinito mistério da vida. Por isto até mesmo homens notáveis procuram não encarar a sua sombra, ou então tentam aprisiona-la, acorrentando-a no escaninho da repressão. Ver a si mesmos como são, em seus aleijões e monstruosidades, é mais do que podem suportar: “Há domínios onde não se pode e nem se deve penetrar – há destinos que não suportam a intervenção humana”.


*Brasigóis Felício é Poeta e Membro da Academia Goiana de Letras.


Imagem retirada da Internet: sombra

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