Cecília Meireles - Poema


Noções



Entre mim e mim, há vastidões bastantes
para a navegação dos meus desejos afligidos.

Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos.
Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que a atinge.

Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
só recolho o gosto infinito das respostas que não se encontram.

Virei-me sobre a minha própria experiência, e contemplei-a.
Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,
e este abandono para além da felicidade e da beleza.

Ó meu Deus, isto é minha alma:
qualquer coisa que flutua sobre este corpo efêmero e precário,
como o vento largo do oceano sobre a areia passiva e inúmera.


Imagem retirada da Internet: Espelho

Ezequiel Theodoro da Silva - Ensaio


A Leitura vai morrendo pelo caminho. Que desgraça!




Soube, hoje, do encerramento das atividades do LEIA BRASIL. Não posso deixar de vir a público para expressar a minha imensa tristeza diante deste acontecimento. Ao mesmo tempo, para demonstrar a minha intranquilidade a respeito do destino da leitura neste país.

Ao longo de minhas lutas por mais e melhores leituras para o povo brasileiro, sempre defendi a necessidade de uma "frente" constituída por uma grande - e diversa - quantidade de entidades (públicas e privadas) voltadas ao estudo e à promoção da leitura. A razão é mais do que óbvia: a vergonhosa, a horripilante paisagem que atualmente resulta dos descuidos e descasos dos governos brasileiros em relação ao desenvolvimento das práticas de leitura.

Em 2010, terceiro milênio, em meio às sociedades de informação e do conhecimento, o Brasil apresenta o terceiro PIOR nível de desigualdade de renda do mundo e um quadro sombrio expressando o número de leitores reais. A ferida do analfabetismo continua estuporada. Os iletrados funcionais representam quase a metade da população do país. A débil e debilitada rede de bibliotecas (públicas e escolares) nem de leve, nem de longe alimenta a promoção da leitura. Isto tudo a despeito dos incessantes - mas descontínuos, burocratizados e depauperados - programas de enfrentamento dessa questão.

Um dos efeitos básicos da leitura é a qualificação, para melhor, das decisões e ações dos indivíduos, robustecendo-lhes a cidadania. Outros países sabem disso e não perdem de vista o decisivo apoio aos trabalhos das entidades que indistintamente preservam e dinamizam os seus bens culturais escritos junto à população. No Brasil, infelizmente, ou se repete o erro de repetir políticas caolhas de apoio ao que não dá e nunca deu certo, ou se vira a cara para assistir, de camarote, talvez cinicamente rindo por dentro, à morte e ao sepultamento de importantes entidades culturais.

O valor do LEIA BRASIL advém da continuidade da iniciativa pioneira de Mário de Andrade de itinerar a leitura por entre escolas e comunidades através de caminhões. Um trabalho com professores e com estudantes de toda a comunidade escolar visitada para descobrir e experimentar algumas delícias do ato de ler. Advém também de um conjunto considerável de publicações (Leituras Compartilhadas, coleções de livros, CDs, DVDs, entrevistas, filmagens, etc.), de um poderoso portal de serviços pela Internet, de significativa participação em eventos nas várias regiões do país, de estudos e pesquisas, etc. Quer dizer, a entidade consolidou, historicamente, um "patrimônio" importantíssimo sobre as dinâmicas e os processos de leitura no Brasil - um patrimônio que seguramente vai pro brejo por falta de um olhar de natureza solidária, profissional, sensível dos organismos de apoio ou de patrocínio.

Não quero discutir e nem condenar as razões que levaram Jason Prado, o idealizador e coordenador do LEIA BRASIL, a essa decisão. Quero, isto sim, evidenciar aos leitores deste texto que a morte de uma entidade representa não apenas a permanência do nosso evidente atraso cultural na área, mas fundamentalmente o imenso desvio dos rumos que nos conduzem à conquista do direito à leitura, o que o fundo e à inversa, significa o alastramento da idiotice - ou muita esperteza cínica - nas esferas responsáveis pela educação e cultura no Brasil. E, por tabela ou como reflexo, o alastramento da idiotice por toda a sociedade.


EZEQUIEL THEODORO DA SILVA
Cidadão brasileiro, "de luto"
Graduado em Língua e Literatura Inglesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1971), Mestre em Educação - Leitura - University of Miami (1973) e Doutor em Educação (Psicologia da Educação) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1979). Atualmente é professor aposentado - colaborador voluntário da Universidade Estadual de Campinas. Editor do PORTAL LEITURA CRITICA.

Imagem retirada da Internet: Ezequiel

Brasigóis Felício - Ensaio

Bardos da goianidade na paulicéia desvairada



Brasigóis Felício


Corria ano da graça de 1983. A dita cuja não estava branda – ao contrário, trotava muito dura. O tempo estava sujeito a chuvas e bordoadas da polícia política – embora fosse tempo de ditadura, governos investiam em cultura. Já no “salve-se quem puder!” da gestão não sei se do Paulo Marins, ou do Paulo Maluf, o governo promoveu um encontro nacional de cultura. A delegação de Goiás, dividida entre o alto e o baixo clero do poetariado, tinha a patota dos incluídos e o exército intelectual de reserva dos eternos excluídos. O alto clero dos intelectuais de gabinete, os dignatários do alto clero da oficialidade cultural tiveram direito a passagem aérea e hospedagem em hotéis cinco estrelas. Os do baixo clero, atirados em um campo de concentração (o Pacaembu) – ainda assim pegando o boi, uma vez que, sendo poetas, poderiam ser acampados em cima do Viaduto do Chá – podendo assim conversar com as estrelas da nossa galáxia, no estilo bilaquiano de ser.

Já o lumpen-poetariado foi de ônibus fretado, tendo o Tagore Biram como chefe e responsável pelos destinos dos bardos que iam bêbados a bordo de trepidante mastodonte. No meio do caminho tinha a pedra da intuição, e a poetisa Yêda Schmaltz, antevendo as vis acomodações que o cardinalato literário reservara ao baixo clero, pressagiou a mala sorte que a rondaria, pelo crime inafiançável de estar ao lado de um bando de bardos bêbados a bordo de uma canoa furada e, aproveitando a parada técnica da nave, pegou sua mala e voltou a seus pagos na boa terrinha boiana. Sorte teve a poetisa. Salva pela intuição feminina, e desgostosa por viajar de terceira classe, não conheceu o que seria o inferno de Dante.

A nomeação de Tagore no encargo de comandante da delegação do lumpen-poetariado foi, por motivos óbvios, motivo de risos no momento mesmo em que era decretada.É que o bardo desfrutava da merecida fama de anarco-comunista, rebelde e amotinado. No tradicional “jantar do escritor”, extinto porque os escribas já não podem dar-se ao luxo de esbanjar, em ajantarados, deu-se um início de pânico no recinto quando o vate levantou-se para ir ao banheiro, “tirar a água do joelho”. O temor coletivo é que ele pedisse a palavra para discursar. Na Paulicéia Desvairada o poetariado goiano foi deixado em um “campo de concentração”. No caso, o Estádio do Pacaembu. Embora distantes da barbárie nazista a hospedagem reservada ao exército dos excluídos era um pouco pior do que a destinada por Videla e Pinochet a seus presos políticos. Salas sinistras, repletas de beliches, apelidadas de alojamento, receberam o poetariado de todos os Estados. Havia gente da literatura, da música, da dança, do folclore e do teatro.

A torre de Babel perdia para as confusões físicas e de línguas que ali se travavam. Já no primeiro dia da estadia a vizinhança chamou a polícia e reclamou da zoada. Gente chegava de madrugada, aos gritos, depois de executar suas funções circenses, artísticas e culturais. Um dos hóspedes do campo de concentração dos poetas lunáticos era pra lá de especial. O quadro nem era dantesco – estava mais para o “Jardim das delícias” de Yerononimus Bosch Hospício algum aceitaria um cliente que, a gritar histericamente, virasse as noites a bater a cabeça na parede: “Eeeeeee! Bum!”. Primeiro os gritos desesperados, depois o estrondo do crânio contra os tijolos. Sem poder dormir –quem dormiria alguém ali, com um barulho daqueles, - a sorte é que já chegávamos de madrugada, bastante obnubilados pelos vapores do álcool? O que seria aquela gritaria, seguida de um estrondo absurdo nos estertores do mundo? Coquetel de drogas? Loucura em estado de liberdade?

Todas as manhãs uma funcionária do governo chegava ao “semi-árido” do lumpen-poetariado, trazendo os tíquetes-alimentação. Tudo para manter viva, e funcionando a contento, aquela tripulação de vadios de luxo, desempregados crônicos, mambembes circenses dispensados de função. “Chegou o tique nervoso!”, gritávamos, eufóricos e ressaqueados. No rastro do “anjo alimentício”, logo chegava, a brigar pelo tique nervoso dos ricos, uma emissária, filha de um dos incluídos. A confraria de felizardos “mais iguais do que os outros”, hospedada em hotel estrelado, com direito a copa livre e outras mil mordomias, não abria mão da maré mansa dos tíquetes. Mal embolsávamos a nossa conta e já partíamos para os bares da vida. Não para almoçar propriamente, que os poetas em geral estão mais para a liquidez, poupando ao estômago a trabalheira de digerir massa de sustança. Um dono de restaurante arrepiou: “É tíquete-alimentação, não vale para bebida”. Tagore, do alto de sua autoridade de chefe da delegação, argumentou: “Neófito taverneiro, muito admiro que o senhor não saiba: alimentação de poeta é cerveja gelada”. E assim, de bar em bar, íamos dando gelada “liquidez” ao que era para ser bóia popular.

Vencido pela dialética poética e etílica do bardo-chefe da anarquia poética, o estalajadeiro ordenou: “Desce cerveja a rodo para essa poetada!”. Como paga a seu gesto diplomático e civilizado fizemos um sarau poético no sagrado recinto de sua casa de pasto. Foi assim durante toda a temporada do Encontro Cultural – que a imprensa sabotava, pois que há muito não via a cor da grana estadual. Toda manhã, tique nervoso para o poetariado, gastava com esmerada e imediata liquidez.

Fizemos da praça paulistana um grande recital. Não houve praça, buteco popular ou de luxo, em que não tenhamos declamado a nossa prosopoéia poética. “Los hombres passam por los hombres como se los hombres fossem apenas hombres”, declamava, andando de um lado para o outro, com sua cara de Poe dos trópicos, o poeta Delermando Vieira.Tagore, com a veia lírica a toda brida, atacava com sua poesia romântica, dessas que são feitas para cantar e papar mulher: ... Valdivino Braz ia de cavalo xucro, atacando a paulicéia desvairada (e a ditadura, que já amolecia, distendida pelo bruxo Golbery do Couto e Silva: “Não monte esse cavalo moço/ que a coisa fica feia/ele empina e escoiceia/corrupia e corcoveia/se o montas, vira o Diabo,/dá pinote/e logo te faz beijar/a poeira do chão./Seu nome é Liberdade, moço!”.

Quanto a mim, no matadouro do tempo, convidava: “Avisem os tristes da cidade/ darei de beber/ de meu sangue violado/ a quem ficar a meu lado/. Darei de comer/ de meu corpo violado/ a quem ficar ao meu lado/. Vamos todos, mutilados, ao matadouro do dia!”.

O restaurante era de meio luxo, desses até bonitinhos, onde se regalam, aos domingos, e nas datas especiais (dia das mães, das sobras e etc), os que não foram excluídos ainda: a sobrevivente classe média média, que luta com unhas e dentes para não cair de vez na vala comum da miséria coletiva. Estávamos até agradando, e éramos vivamente aplaudidos enquanto as poesias tinham colorido romântico – e nisso o Tagore ganhava, disparado, de todo o poetariado ali reunido. A certa altura do recital, porém, como o arsenal de lirismo vagabundo estava já no fundo do tacho, o Valdivino Braz concitou o chefe da expedição (e da tertúlia poética) a fazer uma massagem no Eu romântico das mulheres presentes. O poeta Tagore Biram vacilou, deu-lhe um branco, e não encontrou argumento válido. Se quisesse, poderia apelar (como sempre apelam os poetas) para o soneto da fidelidade, do poetinha Vinícius, mas temeu pelo ato falho que o levaria a, na coroa do soneto celebérrimo, a cometer a sandice de querer que o amor só seja eterno enquanto duro.o.

No vácuo pensante que instalou-se em seu cérebro aturdido pela maratona etílica, só conseguiu dizer, em altos brados, um verso ginecológico: “Gosto de uva, como de chupar viúva”.

Um clima de gelado e geral constrangimento instalou-se no recinto. Ninguém aplaudiu – nem o restante do poetariado, por solidariedade de classe. Quem o fizesse seria expulso a pontapés, do gélido e marmóreo recinto. O recital – ninguém precisou decretar – era melancólica e ginecologicamente findo. Ninguém precisou pedir para parar – nem um versinho de pé quebrado foi gungunado, para quebrar o desastre produzido pelo palpite infeliz do poeta enluarado. Depois de pagar a conta com o “tique-nervoso do Maluf”, pedimos licença para tirar a água do joelho e fomos saindo de fininho, Tínhamos todos a cor de burro fugido. No pálido semblante de cada um dos poetas declamantes, a sem-graceza do bêbado ou do cachorro que peidou na igreja – e dali fomos baixar em outra freguesia, com nossa verve incontida.

Todas as mulheres passantes, umas bonitas, e outras nem tanto, passaram a ser nossas musas. Em guardanapos e toalhas de papel deitávamos oceanos de versos. À certa altura do ágape e da versalhada que não parava de desaguar, feito a Niágara, o o patrão-mór da “carniceria” reclamou, em altos brados, depois de se recusar a trocar, pela décima vez, a toalha de mesa: “Chega de poetar! Assim vocês me quebram!”. Tudo em homenagem à Cecília, a namoradinha do Tagore, a única donzela à mesa. Duas dúzias de poetas, sem ter Betriz ou Laura ao alcance da mão, ou da caneta bic, que pudessem imortalizar, à moda de Dante ou Petrarca, tiveram que se contentar em cantar a “beleza imortal” da doce Cecília, musa do poetinha que elegemos como musa coletiva; Cecília dali levando um quilo e meio de poesias em sua homenagem. É bem possível que nossa ingrata Dulcinéia coletiva tenha atirado calhamaço na primeira lata de lixo que encontrou na esquina.

O poetariado brasileiro tomou de assalto o Ibirapuera. Versejadores lunáticos, passadistas e futuristas, ufólogos, ateus, místicos, decadentistas e nefelibatas disputavam os parlatórios declamatórios e a chance augusta de dar o seu recado versífico. O poetariado boianiquim não se fazia de rogado e a todo instante quebrava o protocolo. Um mestre de cerimônia, quebrando a munheca e jogando água fora da bacia anunciou, em voz afeminada, que todos teriam o sumo privilégio de ouvir a voz inspirada e nitente da magistral poetisa Renata Pallotini, herdeira dileta –e em primeiro grau – de Cecília Meirelles, etc. e tal. Dionísio Pereira atropelou o protocolista de plantão e sapecou, no melhor estilo de quem sabe, nas feridas da carne, que tudo é sertão, e o sertão é tudo: “Que pelotinha que nada. Quem vai falar agora é a goianada...”. É soturno, mas digo: a goianada falou. E falou tanto, e de forma tão inspirada (ou destemperada), que no dia seguinte a Folha de São Paulo noticiou, em texto de quase ¼ de página: “goianos quebram o marasmo do encontro”.

Francisco Soares Feitosa - Poema

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Habitação




Nem saberia dizer onde moro exatamente.
Desconfio que habito dentro de meus dentes.
Doutras vezes era a penugem dos canários,
e era ali, naquelas sedas, penugem e cor,
que eu me mudava para minhas mãos,
senão os gatos, o dorso, viajava neles.

E se um pássaro súbito:
não pelo avisto, pelo ouvido porém;
(o som é que é súbito) — e outra vez me mudava,
era só ouvidos.

Para os meus olhos,
eles se esbarraram – sobre todos os horizontes –
em cima da beleza:
clamassem os dentes,
clamassem as mãos, clamassem as oiças,
a pele também clamasse — qual nada! —
haveria de engolfá-la só com os olhos —
anos a fio moro neles.

Um dia morei sobre o peito de minhas mães,
branca e preta, as mães,
(todas verdadeiras)
na mesma medida, agora, assim,
minha banda-fêmea
te regaça:

desta vez
“mulher”,
sou tua “mãe”.
Pousa, amor,
te esbalda na cavilha deste peito-pulso
que pulso de pulsar te estremece:
teus dentes, tua-inteira, toda-tua,
tua cara, teus cabelos, tua pele — tudo — e alma;
deixa-te cair neste infinito-agora.
Terminei de sair dos meus dentes, dos meus olhos,
das minhas oiças também saí;
habito agora apenas esta minha mão;
sou apenas esta mão:
nenhuma diferença entre todas as coisas,
um dia quis pegá-las, mordê-las; mão,
o calor de tuas sedas.

E se dormires
recobrirei respeitosamente a tua nudez,
que é só tua —
pausadamente, pousa
o hálito
na cavilha deste peito largo:
dorme, amor,
sossega,

da
tua
nudez — sossega —
que da aurora,
vigilante
eu tomo conta.

Fortaleza, noite alta, 06.02.1999


Imagem retirada da Internet: Galeria Rubens Cavalcanti da Silva - Nudez


Caio Porfírio Carneiro - Conto


A vingança




Ele andava lentamente à minha frente. Aproximei-me.

Emparelhamo-nos. Sorri:

- Bom dia.

- Bom dia.

O bom dia dele foi de susto e curiosidade. Voltei a sorrir:

- O senhor não me conhece. Mas devo conhecê-lo.

- De onde?

- Depois lhe digo.

Chuvinha miúda e nós dois sem guarda-chuva. Poucas pessoas passavam por nós. A igreja ali em frente, a banca de jornais e revistas tampando-me um pouco a visão da fachada. Meu desprezo por aquele homem ampliava-se:

- Vai comprar jornais ou vai rezar?

- Vou rezar.

- Acompanho.

- Mas quem é você? Não estou reconhecendo.

Os olhos dele eram apertados, como de míope, mas não usava óculos. A calvície luzidia, onde rebrilhavam pingos de chuva.

- Não importa agora. Não vai rezar? Eu o acompanho. Rezar é bom. Alivia. Não é mesmo?

Olhava-me com rapidez. Apressou o passo. Apressei o meu. E emparelhados chegamos à igreja. Dei-lhe passagem, que a porta era estreita:

- Faça o favor.

Ele se ajoelhou próximo ao altar, olhos meio fechados fitos na cruz enorme, a cabeça de Cristo bambeada para a esquerda. Procurava afastar-se de mim, visivelmente incomodado, e eu pregado nele. As suas mãos, cruzadas, tremiam, e os lábios caídos balbuciavam palavras em direção à cruz.

A raiva não me cessou. Cresceu. Não me contive, cochichei-lhe ao ouvido:

- Você me paga, canalha. Vai ver.

Pela primeira vez abriu desmesuradamente os olhos, pestanejando muito, e eu me fui, o eco dos meus passos reboando na nave quase deserta, duas-três cabeças dispersas e contritas.

Na rua, sol nos olhos, que a chuva se fôra, desorientei-me um pouco. Depois, suando muito, andei de cá para lá, de lá para cá, concentrando-me, inutilmente, para descobrir quem seria aquele homem, a fim de vingar-me dele.

Desalentado, voltei para casa.



Fonte: Jornal de Poesia

Imagem retirada da Internet: Mãos

Gerardo Mello Mourão - Poema




SUÍTE DO COURO - 1
CHÃO DO PAÍS




Do alto destes céus aeronáuticos o poeta
contempla o chão da capitania - província, país,
[país hereditário, digamos -
Onça, leopardo seria - é um boi ou boi - fora boi -
Couro duro esticado - malhas malhadas
Secando ao sol ao vento à solidão.

De couro é aquele chão aquela chã
Couro estendido em varas
Pontudos marmeleiros vão secando também -
O couro estende
Suas manchas de pêlo sobre
Matos magros de campina caatinga tabuleiro
Ravinas e barrancos - sobre
Serranias de antigos nomes.

De olhos secos uns viventes de couro
Cabra novilhas éguas e outras pessoas
Caminham sobre
Chão de couro entre cinza e carvão
De apagadas coivaras.

A mancha ao longe água seria - poço
De rio adormecido - miragem de areia seca
Crescida à lágrima nos olhos:

Esperança de súbitos sertões por onde
Urram saudosos bois nos alagados
E na memória de seus pastos bons.

Em maranhões emaranhados
No chão de couro pelas paraíbas
Piauís pernanbucos siarahs até
As bahias malhadas onde

Seca ao sol o couro cru: - ali
Sobre couro marcado a ferro de algum santo ou paróquia
No lombo do chão uns fantasmas passeiam.

Das alagoas de Tanque d'Arca ao sergipe antigo
Até Geremoabo até
O Raso da Catarina. Talvez ladeiras de outros lados
Mombaças Araripes Contendas Borboremas até
Neste país nosso - de couro nosso - toda esta
América nossa - Argentinos e Chiles, Paraguais -
América de couro e couro
De cada um de nós
Nicaráguas e Texas e Méxicos além.




Imagem retirada da Internet: gibão
In.Algumas Partituras. Rio de Janeiro: Topbooks, 2002, p.13-14.

Astrid Cabral - Poema



Ensaiando Partidas






Cadeiras de balanço mastigavam os soalhos
ensaiando partidas, embalando fundas ânsias
contra bojos de navios trancados a âncoras.
Caolhos os rádios acendiam as mágicas pupilas
de gato e vozes espetrais sem apoio de bocas
e rostos chegavam, de que mundo, de que mapa?
Ventiladores giravam as corolas metálicas
no chão invertido dos tetos criando brisas
que não se aventuravam pelas ruas polidas
de sol nem ousavam soprar a fuga de velas.
Na praça São Sebastião galeras de bronze
destinavam-se a longínquos continentes mas
imóveis não singravam ondas de lusas pedras
deixavam-se estar molhadas tão só de chuvas
proas frustradas de horizontes e azuis.
Que estranha calmaria as conjurara, quilhas
vacinadas contra a vertigem dos ventos?
Ou estariam desde sempre fundeadas nas
invisíveis correntes d’água dos séculos?
Dobravam os sinos abafando os frenéticos
pianos a planger nos salões dos sobrados
mas o que sempre se ouvia, pouco importa
se baixo e rouco, era o gargarejar do rio
a vocação de foz e mar drenando fragmentos
de terra, arrastando de roldão os corações.

Imagem retirada da Internet: Proas

Deu na Folha de São Paulo


Penguin-Companhia recria clássicos

Parceria entre editoras britânica e brasileira, novo selo aposta em edições caprichadas de títulos consagrados



DE SÃO PAULO

Celebrada superlativamente como o acontecimento do mercado editorial brasileiro em 2010, a parceria entre a Companhia das Letras e a Penguin se baseia na simplicidade dos clássicos.

À venda a partir de segunda-feira, os quatro primeiros títulos do selo Penguin-Companhia não trazem novidade em si, mas primam pelo design lendário da multinacional britânica, por novas traduções e pelo que no meio livreiro se chama de "aparatos": prefácios, posfácios, intervenções editoriais.

As obras inaugurais são: "O Príncipe", de Maquiavel, com prefácio de Fernando Henrique Cardoso e nova tradução, de Maurício Santana Dias; "Pelos Olhos de Maisie", de Henry James, com fortuna crítica, comentários do autor e tradução revista por Paulo Henriques Britto; "O Brasil Holandês" e "Joaquim Nabuco Essencial", organizados pelo historiador Evaldo Cabral de Melo.

As tiragens iniciais foram de 10 mil a 18 mil exemplares, bem acima da média do mercado, de 2.000 a 3.000.

Até dezembro serão outros oito títulos, e o plano é lançar 24 por ano, um terço dos quais de autores brasileiros. Por contrato, todas as obras saem também em livro eletrônico e não podem custar mais que R$ 35.

O acordo é por sete anos. A Penguin entra com o catálogo, aparatos editoriais e o know-how e dividirá despesas com marketing e confecção de livros. A receita é dividida igualmente. As partes não revelam a cifra investida.


DETALHES

O filão no qual a multinacional britânica fez fama global -títulos de autores consagrados, geralmente em domínio público, em edições baratas mas bem cuidadas- parece não ter mistério.

É algo que, em tese, qualquer grande editora como a Companhia faria sozinha.

Segundo o diretor do novo selo, Matinas Suzuki Jr., é uma impressão enganosa. "Parece que é simples assim, mas tem um monte de detalhes nas edições, que requerem expertise e que estamos aprendendo com eles."

Ele cita um exemplo: antes da introdução de "Pelos Olhos de Maisie", há uma advertência de que detalhes do enredo serão revelados naquele texto. "É um cuidado espetacular com o leitor".

Suzuki ressalta também o investimento promocional; "É uma das únicas editoras do mundo que faz trabalho de branding, de fixar marca."

Percebendo que havia no Brasil espaço para explorar essa fatia de mercado, a Penguin procurou o dono da Companhia, Luiz Schwarcz.

"Estamos na parceria com o objetivo de aumentar o interesse do público brasileiro por clássicos", disse o executivo-chefe da Penguin, John Makinson -que estará na Flip para debater o futuro do livro com o historiador americano Robert Darnton.

Fechado o acordo, Schwarcz e Suzuki foram a Nova York fazer um estágio na Penguin. Para ambos foi uma revelação ver, segundo Schwarcz, "a capacidade que têm de fazer um livro renascer em paperback [capa mole]. É um livro novo".

"É surpreendente o tratamento rejuvenescido que eles dão aos clássicos. Os livros precisam ter uma ideia e uma cara contemporâneas, ser palatáveis aos jovens", completa Suzuki.

Makinson e Schwarcz negam que a parceria seja a prévia para a aquisição da brasileira pela multinacional. Mas não descartam dilatar futuramente a joint venture.

"Como toda parceria, se for bem sucedida ela provavelmente será ampliada", disse o inglês. (FABIO VICTOR)


Fonte:
São Paulo, sábado, 24 de julho de 2010
Imagem retirada da Internet:
livros

Astrid Cabral - Poema










Água Doce




A água do rio é doce.
Carece de sal, carece de onda.
A água do rio carece
da vândala violência do mar.
A água do rio é mansa
sem a ameaça constante das vagas
sem a baba de espumas brabas.
A água do rio é mansa
mas também se zanga .
Tem banzeiro, enchente
correnteza e repiquete.
Pressa de corredeira
sobressalto de cachoeira
traição de redemoinho.
A água do rio é mansa
corre em leito estreito..
Mas também transborda e inunda
também é vasta, também é funda
também arrasta, também mata.
Afoga quem não sabe nadar.
Enrola quem não sabe remar.
A água do rio é doce
mas também sabe lutar.
A água doce na pororoca
enfrenta e afronta o mar.
Filha de olho d'água e de chuva
neta de neve e de nuvem
a água doce é pura
mas também se mistura.
Tem água cor de café
tem água cor de cajá
tem água cor de garapa
tem água que nem guaraná.
A água doce do rio
não tem baleia nem tubarão
tem jacaré, candirú, piranha
puraquê e não sei mais o quê.
A água doce não é tão doce.
Antes fosse.



In.Jornal de Poesia

Imagem retirada da Internet: Água doce

Bruno Dorigatti entrevista Denise Bottmann




Por ser de UTILIDADE PÚBLICA, reproduzo aqui a entrevista que a Tradutora Denise Bottmann, editora do blog Não gosto de Plágio, concedeu ao Jornalista Bruno Dorigatti, do Portal Literal, em 15/03/2010.

De plágios e processos

Por Bruno Dorigatti*

A notícia estourou no fim de fevereiro e a repercussão tem sido considerável. Motivada por matérias publicadas em dezembro de 2007 pelo jornal Opção, de Goiânia, e pela Folha de S. Paulo, a tradutora e historiadora Denise Bottmann criou no mesmo mês blog Não gosto de plágio, onde vem denunciando casos de plágio em obras clássicas de nomes como Goethe, Tolstói, Dante, DH Lawrence, entre dezenas de outros autores. Na época, as denúncias caíram sobre as editoras Martin Claret e Nova Cultural. O dono da primeira, cujo nome é o mesmo da editora, entrou na Justiça contra Bottmann e a ação está em andamento. A tradutora, porém, não se intimidou e segue com o seu trabalho de levantar e apurar “coincidências” que ultrapassam o limite do tolerável em traduções. O caso mais recente envolve a editora Landmark e ganhou repercussão por conta de outro processo movido contra Bottmann e também contra Raquel Sallaberry, que mantém o site Jane Austen em Português. No blog, Bottmann apresentou provas de plágio na tradução dePersuasão, de Jane Austen, e O morro dos ventos uivantes, de Emily Brontë, publicadas pela Landmark em 2007. “O método é sempre o mesmo. Mantém-se a estrutura da tradução e muda-se uma ou outra palavra antes que o texto seja publicado sob pseudônimo ou assinado por um tradutor desconhecido”, escreve Nahima Maciel, em matéria para o Correio Braziliense

“Entre as 15 editoras com problemas de catálogo, referentes a plágios e contrafações de tradução, a Landmark é a única a negar as evidências”, informa Bottmann. Segundo Alberto J. Marchi Macedo, advogado da editora, “a Landmark propôs a ação competente em face da blogueira Denise Bottmann por entender que as denúncias por ela apresentadas encontram-se totalmente desgarradas da realidade fática, razão pela qual não existe qualquer cabimento quanto a acusação de plágio. Nesse momento a Editora Landmark acredita ser prudente aguardar a tutela jurisdicional que irá por um termo a esse assunto”.

Em entrevista exclusiva ao Portal Literal, a tradutora se defende: “Sustento o que afirmei e vou apresentar todas as provas em juízo. Imagino que a prática processual determinará que se proceda a uma perícia”. Desde que a notícia se tornou pública, divulgada pela tradutora e seu blog, há mais ou menos duas semanas, quase 250 posts, artigos e matérias foram publicados na rede sobre o tema. Foi criado o blog Apoio a Denise Bottmann, onde um Manifesto de apoio à tradutora, inicialmente assinado pelos tradutores Heloisa Jahn, Jorio Dauster, Ivo Barroso e Ivone C. Benedetti, já conta com mais de 2.500 adesões. O texto pede mobilização para desmascarar uma prática que “1.Fere a Lei de Direitos Autorais, que considera o tradutor como autor de obra derivada e salvaguarda seus direitos morais e patrimoniais; 2. Configura concorrência desleal, pois as editoras de má-fé, não arcando com os custos dos direitos de tradução ou não pagando por uma retradução, põem em desvantagem as editoras que, pautando-se pela idoneidade, assumem tais custos; e 3. Atenta contra nosso patrimônio cultural, ao disseminar a cópia fraudulenta de obras muitas vezes assinadas originalmente por nomes reconhecidos e estimados de nossa literatura”.

Uma das maiores críticas à Landmark foi a tentativa de censura ao blog, solicitando “a remoção do blogue Não gosto de plágio da internet, invocando o ‘direito de esquecimento’; antecipação dos efeitos da tutela de mérito (ou seja, determinação da remoção imediata do blog antes do exame do mérito da ação impetrada)”. Segundo o advogado da Landmark, em nota enviada ao Blog do Galeno, “em nenhum momento, a Editora está pretendendo cercear o direito de liberdade de expressão, mas tão somente está solicitando a prestação jurisdicional para colocar fim às acusações infundadas que a prejudicam no mercado editorial”.

A seguir, Denise Bottmann recapitula a história de plágios no Brasil, arrisca uma resposta para a proliferação de casos de plágios recentemente, e fala sobre o seu ofício, que – apesar destes casos que mancham um trabalho árduo, sério e nada simples – vem se profissionalizando cada vez mais no país, onde as editoras sérias têm investido em traduções diretamente da língua original em que as obras foram escritas. Confira.

Por que criar um blog para denunciar o plágio nas traduções?


Denise Bottmann. Na verdade, tudo começou em dezembro de 2007, na esteira de matérias do jornal Opção, de Goiânia, e da Folha de S. Paulo, denunciando plágios da editora Martin Claret e da editora Nova Cultural. O e-group Litterati, que reúne tradutores, começou a discutir o problema e um dos participantes, Fábio Said, teve a idéia de montar um blog onde apresentaríamos um abaixo-assinado de protesto contra tais procedimentos editoriais e divulgaríamos notícias, tentaríamos angariar apoio etc. O blog se chamava Assinado-Tradutores. Depois, por divergências internas entre os colaboradores do blog, preferi me retirar e criar um blog pessoal, que é o Não gosto de plágio.

Você falou em pressão e intimidação nestes dois anos. Mas agora a ameaça é judicial. Aposta o que teria motivado a editora?

Bottmann. Já há uma ação judicial do Sr. Martin Claret, como pessoa física, em andamento contra mim. O juiz havia rejeitado de plano as alegações do Sr. Claret, seus advogados entraram com recurso, meu advogado entrou com as chamadas contra-razões, e agora estamos aguardando a decisão da junta recursal.

Realmente, não sei o que pode ter motivado a editora Landmark. Entre as 15 editoras com problemas de catálogo, referentes a plágios e contrafações de tradução, a Landmark é a única a negar as evidências. Então não entendi a razão da ação. Numa declaração dada ao jornalista Guilherme Freitas, de O Globo, "a editora Landmark afirmou, através de seu advogado, que entrou com a ação contra Denise 'por entender que as denúncias por ela apresentadas encontram-se totalmente desgarradas da realidade fática, razão pela qual não existe qualquer cabimento quanto a acusação de plágio'." Bom, eu sustento o que afirmei e vou apresentar todas as provas em juízo. Imagino que a prática processual determinará que se proceda a uma perícia.

Ao que se deve a essa proliferação de plágios recentemente? A descoberta é que só se deu agora, ou a prática começou mesmo recentemente?

Bottmann. Olha, Bruno, esta é uma questão muito, muito importante. Plágio aqui, plágio ali, localizei um de 1903! Mas eram coisas muito avulsas e esporádicas, não chegavam, a meu ver, a configurar um procedimento sistemático no setor editorial. Não mesmo.

Bom, tenho a mais profunda convicção de que, enquanto fenômeno sociocultural em escala significativa, é algo recente. Embora eu sempre repita que o pioneirismo cabe à Nova Cultural, com o franco e deslavado recurso a essa prática a partir de 1995, foi um caso que hoje em dia considero até atípico. Em termos de volume, de escala, de abrangência, o caso da Nova Cultural foi brutal: calculo por baixo uns 2 milhões de exemplares.Considero atípico porque certamente a motivação, digamos assim, ou melhor, o contexto em que se desencadeou isso na Nova Cultural foi muito peculiar, em decorrência dos termos da partilha entre os dois irmãos e da extinção da Abril Cultural.

Bom, mas historicamente eu situo o início desse fenômeno nos plágios publicados pelo Círculo do Livro (que na época abrigava a recém-criada Nova Cultural) e pela própria Nova Cultural, tanto na coleção dos Imortais da Literatura Universal quanto na coleção d' Os Pensadores.

Mas a coisa realmente assume outro feitio a partir de 1999, em decorrência, em meu entender, da malfadada Lei do Direito Autoral (LDA), de 1998, a Lei n. 9.610. O que houve com essa lei? Em termos muitos resumidos, ela pura e simplesmente proibiu todo e qualquer tipo de xerox, cópia etc., e reduziu drasticamente as exceções anteriormente previstas pela lei de 1973.

Então, veja só, todo o ensino deste país, com o recurso maciço a xerox de capítulos de livros ou de livros inteiros, mesmo porque muitos são esgotados e não se encontram à venda, ficou refém dessa criminalização absurda.

Você deve lembrar das invasões policiais em tantos campi e faculdades de norte a sul do país, quando máquinas xérox foram lacradas, ações judiciais da Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), com o apoio do Sindicato Nacional de Editores de Livros (Snel) contra os próprios reitores das universidades.

Bom, mas me diga: você dá aula de filosofia, ou de estética, ou de teoria literária, ou de artes cênicas, ou de cultura geral, quer falar sobre o conceito de unidade de ação, tempo e espaço, ou sobre a diferença entre tragédia e comédia, quer indicar aos alunos, sei lá, a leitura da Poética de Aristóteles. Meu deus, era pela coleção Os Pensadores, da Abril Cultural, vendida em bancas de revistas, livro esgotadíssimo, e agora não pode mais tirar xerox, e só há, sei lá, dois ou três exemplares na biblioteca da faculdade. Multiplique isso por milhares de cursos e estabelecimentos de ensino, imagine a demanda medonha pela obra, que não existe, que não se encontra em circulação, e você não pode xerocar.

Falei no Aristóteles. Ponha aí Platão, Descartes, Hobbes, Maquiavel, Thomas More, Campanella, Marx, Ihering, Rousseau, Locke, Weber e quantos mais você lembrar como bibliografia obrigatória da graduação de todo o país, sem falar nos clássicos da literatura, de Homero até o século XX.

Aí, em 1999 começa o primeiro esperto a ver essa imensa demanda sem ser atendida, a ver que a lei realmente proíbe o xerox e a ABDR realmente persegue policial e judicialmente as oficinas de xerox, os professores, os alunos, os reitores etc. – e num estalar de dedos, revirando em sebos, você tem um enorme catálogo de obras fundamentais, com mercado garantido, demanda constante, a custo praticamente de banana. Editoras fechadas, por exemplo, Vecchi, Pongetti, Atena e tantas outras; tradutores mortos, por exemplo, Lívio Xavier, Godofredo Rangel, Leonidas Hegenberg; e por aí vai.

Então, em meu entender, esse fenômeno se funda, em primeiro lugar, no absurdo período de tempo necessário para que uma obra entre em domínio público: 70 anos APÓS A MORTE do autor (e tradutor, perante a lei, tem todos os direitos de autor). Vem uma nova conjuntura, com uma nova legislação, proibindo o acesso à obras esgotadas por xerox, digitalização etc., as escolas continuam a indicar Aristóteles, Platão etc. O que que resulta? Nesse nicho extremamente próspero e perverso de algumas editoras que recorrem maciçamente a tais procedimentos.

Poderia falar um pouco mais sobre a Nova Cultural, e o que significa essa volta dos clássicos pela Abril , 32 anos depois?

Bottmann. Eis os fatos que conheço sobre a questão:

Em 1982, houve a partilha da Abril entre os dois filhos de Victor Civita. Os fascículos e coleções de banca couberam a Richard Civita. Em 1984, a Abril Cultural é extinta. Coleções importantes da antiga Abril Cultural, como Imortais da Literatura Universal, Obras-Primas, Os Pensadores, Os Economistas, passaram para a Ed. Nova Cultural, como empresa de início pertencente ao Círculo do Livro e depois ao grupo CLC (Comunicação Lazer e Cultura). Em 1995, é publicado o primeiro plágio da Nova Cultural: Os irmãos Karamazov, na tradução de Natália Nunes, surge em nome de "Enrico Corvisieri", como primeiro volume inaugurando sua Coleção Imortais da Literatura Universal, com 20 títulos. Veja aqui.

Na mesma coleção, os volumes 3 (Balzac, A mulher de trinta anos), 4 (Tolstói, Ana Karênina), 8 (Stendhal, O vermelho e o negro), 10 (Zola, Germinal), 11 (Scott Fitzgerald,Suave é a noite), 15 (Dumas, Os três mosqueteiros) e 16 (Oscar Wilde, O retrato de Dorian Gray) são cópias mais ou menos disfarçadas de traduções anteriores. Veja aqui.

Em 1999, começam a surgir edições fraudadas na coleção Os Pensadores. Veja, por exemplo, a calamidade da edição do Discurso do método [de Descartes], também em pretensa tradução de "Enrico Corvisieri", o grau de infiltração nas escolas etc. Em 2002-2003, é lançada a coleção Obras-Primas, com o patrocínio da Suzano Celulose e do Instituto Ecofuturo, com 50 títulos, dentre os quais nada menos de 20 são plagiados de traduções anteriores.


Naturalmente, não faço idéia das razões que podem ter levado a Editora Abril a criar umanova coleção de clássicos da literatura. Posso ter lá minhas opiniões a respeito, mas não vêm ao caso. O que sei é que é uma coleção nova – embora muitos títulos também tenham sido publicados pela antiga Abril Cultural e pela Nova Cultural, agora são outras traduções, ao que sei, pela relação divulgada pela Editora Abril. Segundo a sra. Marta Medeiros, com quem conversei na Editora Abril, essas traduções foram licenciadas junto às editoras e/ou herdeiros de tradutores falecidos detentores dos direitos patrimoniais sobre elas. É uma operação editorial absolutamente normal e corrente. Quanto ao conteúdo propriamente dito, a única coisa que lamento é que a tradução de Crime e castigo seja por interposição do francês, e não direta do russo.

O que acha que os advogados da editora querem dizer quando afirmam que a ação foi movida contra você "por entender que as denúncias por ela apresentadas encontram-se totalmente desgarradas da realidade fática, razão pela qual não existe qualquer cabimento quanto a acusação de plágio"?

Bottmann. Boa pergunta. Não sei te dizer. De minha parte, eu digo que as denúncias estão totalmente agarradas à realidade fática, razão pela qual existe todo o cabimento quanto à acusação de plágio.

Em que circunstâncias você começou a traduzir livros?

Bottmann. Olha só, que interessante. Naquela época (1985), eu dava aula na Unicamp, e um dia alguém da Brasiliense, meio de ponto em branco, por intermédio de uma amiga jornalista, me propôs fazer a tradução de um livrinho chamado O capitalismo histórico, de Immanuel Wallerstein. Como sou historiadora, achei interessante e topei. A Brasiliense gostou, e me passou logo a seguir A crise da crise do marxismo, de Perry Anderson. Então, de 1985 a 1995, mais ou menos, fiquei fazendo um pouco de tradução, sempre nessa área mais acadêmica, geralmente ligada à história, à historiografia, teoria da história etc. Mas depois parei, por uns dez anos, e em 2005 resolvi tentar de novo. Deu certo, e hoje em dia me dedico bastante a traduções. Mas sempre nessa área mais, digamos, acadêmica, ligada à ciências humanas e humanidades em geral.

Traduzir é sua ocupação integral? É possível dedicar-se só a ela no Brasil?

Bottmann. Quer dizer, atualmente é minha única ocupação, embora não em tempo integral. As pesquisas de história da tradução no Brasil, dos plágios, que faço por conta própria, me tomam um tempo danado. Dedicar-se só a ela, você diz em termos monetários? Olha, quando eu me afastei da Unicamp, foi por razões de ordem pessoal, e nunca cheguei a me aposentar. Então minha renda atual provém única e exclusivamente das traduções. Como vivemos, meu marido e eu, meio retirados, numa cidade pequena, não faço muita idéia do que são salários, remunerações etc., hoje em dia. O que posso te dizer é que é mais do que eu recebia como docente universitária. Não sei, Bruno, realmente não sei se é feio falar essas coisas ou se eu vivo muito defasada das faixas de remuneração dessa classe média-média à qual me sinto integrada, mas acho que, para mim, está de bom tamanho. Então acho que sim, é possível viver bem razoavelmente apenas com o trabalho de tradução.

O que lhe instiga nas traduções?

Bottmann. Ah, eu adoro. Não sei dizer. É tipo charada, são pequenos desafios constantes e ininterruptos. É algo que realmente envolve a mente. Sempre tive a impressão de que é um tipo de atividade que demanda alguns traços obsessivos de caráter: aquela coisa meio maníaca de muita concentração e persistência, e senso de desafio. É algo meio competitivo, de você consigo mesmo.

Para o que um tradutor deve atentar quando mergulha na tradução de uma obra?

Bottmann. Ih, não sei. Como não faço tradução literária, e sim mais teórica e conceitual, as principais preocupações são com os conceitos, o fio da argumentação e a estruturação "lógica", digamos assim, da obra. Claro, não estou falando da língua, das estruturas sintáticas, frasais, pois ça va sans dire.

Você traduz prosa, poesia, ficção e não-ficção, ensaios etc.? O que muda de um gênero para outro?

Bottmann. Vide acima. Não faço tradução literária. Fiz apenas O amante, de Marguerite Duras, para a Cosac Naify, acho que ficou bem razoável, recebeu boas críticas e uma boa tese de análise comparada. No momento, excepcionalmente, até estou fazendo um romance, mas não é muito minha praia. Talvez algum dia... Muda, muda muito. Não tem nada uma coisa a ver com a outra. Traduzir, sei lá, Hannah Arendt, cuja língua materna é o alemão, mas que escreveu muita coisa em inglês, num inglês aliás bem arrevesado, discorrendo sobre Dilthey ou sobre o conceito de compreensão ou de causalidade em Kant, é muito diferente da mocinha contemplando o Mekong conforme a barca vai descendo o rio, no francês ébrio e semissussurrado de uma Duras. São paixões diferentes. Pessoalmente, gosto mais da paixão arendtiana. Bem ou mal, uma teórica apaixonada acaba tendo uma passionalidade mais concreta do que uma literata apaixonada, pois esta até pode projetar e transpor essa paixão para os personagens, enquanto uma teórica apaixonada dificilmente projetará suas paixões sobre Santo Agostinho, por exemplo. Sua paixão se executará na escrita, num outro registro, num outro nível, na reflexão, não sei bem como dizer.

O que lhe deu mais prazer ao traduzir?

Bottmann. Olha, há vários livros de que gosto muito. Um que foi muito importante para mim foi Piero della Francesca, de Roberto Longhi, que foi minha efetiva retomada do ofício, já em 2006. O primeiro Longhi, o da juventude, mesmo para os italianos é considerado um desafio estilístico. E aprendi muitíssimo, é uma obra linda, e fiquei muito, muito feliz quando soube que a tradução foi apreciada por gente que respeito muito, como Jorge Coli, Luiz Marques, Marco Lucchesi...

E o que lhe deu mais dificuldade?

Bottmann. Além do Longhi, que foi difícil e muito prazeroso, fiquei assombrada com o grau de dificuldade que tive, você não acredita com quem: Thoreau, Walden Pond !!! A quantidade de referências ocultas, implícitas, cruzadas, entrecruzadas, sobrecruzadas, de trocadilhos, aliterações, assonâncias, dissonâncias, metáforas, um tratamento alegórico forte, sua concepção da correspondência entre micro e macrocosmo não só na natureza, mas também envolvendo as sociedades humanas, jogos de palavras, registros diferentes do oral ao mais formal e até o lírico, com poemas do próprio Thoreau, as classificações zoológicas e botânicas e outros, fiquei perplexa. Não fazia idéia. Tomou-me o triplo do tempo que eu imaginava que levaria. Cheguei a fazer uma edição anotada, com umas cinqüenta páginas, mas a editora teve por bem não usar as notas. Ainda não saiu, deve sair em julho. Sinceramente não sei como ficou em português, tomara que preste. Mas é um texto muito difícil, quase hermético, e boa parte das referências vai passar batido para o leitor, e talvez o texto em português possa vir a parecer inexplicavelmente opaco, mas é porque não tinha como ficar parafraseando, cortando ou simplificando demais aquela carga absurda de referências. Fiquei orgulhosinha porque, naturalmente, consultei edições anotadas de vários comentadores abalizados, e trechos que nem eles próprios conseguiam desvendar eu consegui! Não digo a língua, o inglês, mas o sentido da coisa, o sentido da inserção daquele trecho naquela passagem, sua relação interna e suas referências externas, esse tipo de coisa. Mas, como lhe disse, a edição não vai sair anotada. Talvez algum dia eu publique um voluminho, Lendo Thoreau :-)

Como vê a situação da tradução no Brasil, comparada com outros países, não só da Europa e os Estados Unidos, mas também com o restante da América Latina, Ásia e Leste europeu?

Bottmann. Não sei dizer. Mas o Paulo Werneck [editor da Cosac Naify] diz uma coisa interessante: o Brasil é o país no mundo com os melhores tradutores literários no mais amplo leque de línguas, devido às inúmeras migrações para o país, desde poloneses, húngaros, chineses, japoneses, russos, árabes ao que mais você imaginar. Ele coloca a coisa de forma mais elaborada, mas é algo meio por aí.

O que esses casos de plágios revelam sobre essa situação?

Bottmann. Os casos de plágios de tradução, a meu ver, mostram o absurdo e o despropósito da atual Lei n. 9610/98 e a necessidade premente de uma reformulação de alguns dispositivos da lei, no que refere ao direito de reprodução para fins de ensino e uso privado, sem fim lucrativo, mas principalmente a liberação, mesmo para fins comerciais, dos direitos de publicação das obras esgotadas, órfãs e abandonadas, que são o grande alvo dos saques. Os EUA traduzem tão pouco, a Europa idem, seus capítulos sobre o acesso a obras órfãs e abandonadas, e uso didático e privado, são de modo geral tão mais flexíveis do que os nossos que nem há termo de comparação possível. De fato, acho que esse terreno tão fértil para a avalanche dos plágios em escala industrial resulta de uma conjuntura muito específica: o tremendo avanço das tecnologias digitais e uma reforma extremamente retrógrada da lei de 1973, que resultou no espantalho da de 1998, justamente num momento de salto tecnológico na área digital. Fica patético: e-books a torto e a direito, cópias xerox proibidas, livros de baixa qualidade gráfica e editorial com conteúdo roubado. Tenho pena das turmas que ingressaram nas universidades a partir de 1999...

O que pensa sobre a autoria e o direito autoral do tradutor? Como equacionar essa questão delicada?

Bottmann. Não entendi bem. Mas o que eu gostaria de comentar é a bizarríssima situação jurídica criada pela malfadada Lei n. 9610/98, nossa atual Lei do Direito Autoral (LDA). Já comentei que houve um brutal estreitamento dos capítulos que dispunham sobre o acesso às obras. Além disso, segundo a LDA, quanto às violações de seus dispositivos, a eventuais lesões dos direitos ali regulamentados, as únicas partes que poderiam reclamar e ir a juízo seriam os "diretamente" envolvidos, ou seja, no setor editorial, o autor/tradutor ou seus sucessores, e a editora lesada. Como se não existissem leitores, como se não existissem cidadãos, como se não existissem entidades, instituições públicas e privadas, bibliotecas idem idem, que pudessem se sentir lesadas, por exemplo, com o problema do plágio editorial. O único recurso que restava justamente ao destinatário mais importante deste bem cultural que é o livro – a saber, o cidadão leitor – seria reclamar ao Ministério Público... Imagine só! Se você lembrar, de mais a mais, a gradual extinção de qualquer instância pública regulatória na seara autoral a partir de 1990, a situação realmente ficou um descalabro. Veja, com a LDA de 1973 foi criado o Conselho Nacional do Direito Autoral (CNDA). Em 1990, ele foi praticamente desativado, e na lei de 1998 foi simplesmente extinto. Então ficou apenas a Lei n. 9610/98, dispondo sobre os direitos autorais exclusivamente entre as partes, sem levar minimamente em conta as necessidades sociais de acesso aos bens culturais (de novo, repito, proibição de xerox, microfilmes, todo e qualquer tipo de reprodução sem fins lucrativos, para acervos públicos, ensino, uso privado etc.), nem a possibilidade de ação judicial no caso dos destinatários finais, os próprios usuários, que eventualmente se sentissem lesados, nem a existência de qualquer instância oficial, pública, a que pudéssemos recorrer. Não é um absurdo? Ficou uma lei totalmente patrimonialista, a indústria cultural de um lado, as pessoas físicas dos autores do outro, e ponto. Então, saudei com grande alegria a recente criação da Diretoria dos Direitos Intelectuais (DDI), no Ministério da Cultura (MinC), que prevê também o atendimento e defesa dos interesses do LEITOR! Ainda é muito recente, não sei como está operando, mas acho que é um grande avanço. Afinal, quem compra os livros são os cidadãos (e o governo, para escolas, bibliotecas etc.), e não vai poder reclamar quando vê algum problema? Complicado. Além disso, também nesse debate em curso para a revisão de alguns aspectos demasiado restritivos da atual LDA, estou vendo a inclusão da figura do cidadão, do usuário, justamente, e acho isso muito positivo.

Mas foi em virtude dessa falta de dispositivos jurídicos na atual LDA para a defesa dos interesses dos leitores cidadãos que me vi obrigada a entrar com mais de uma dúzia de pedidos de representação junto ao Ministério Público Federal e aos Ministérios Públicos estaduais de São Paulo, do Rio de Janeiro, do Paraná, para pedir providências nesses descalabros.

Outra coisa: diz-se "direito autoral". Bom, acontece que em grande parte dos debates, das discussões, do mero uso da expressão "direito(s) autoral(is)", o que está se mencionando é o direito autoral patrimonial, isto é, o direito econômico de exploração comercial daquela obra. Então você tem aquela situação bizarra de algumas editoras ou associações de editoras dizendo "respeite o direito autoral", mas silenciando ou fazendo vistas grossas sobre suas próprias práticas ou as práticas de alguns de seus associados que infringem rudemente os direitos autorais MORAIS, isto é, o direito a ter estampado seu nome, a reivindicar a qualquer momento a paternidade e exigir a integridade da obra de sua autoria etc. No caso dos plágios, repito, como a imensa maioria dos autores/tradutores é falecida, e muitas vezes nem se localizam seus sucessores, a coisa realmente fica meio descontrolada.

Ora, pessoalmente eu me recuso a engolir uma tradução de Monteiro Lobato ou de Odorico Mendes ou de Eça de Queiroz, copiada e estampada em nome de um fantasma inventado qualquer, e acho realmente um atentado contra os direitos morais desses autores/tradutores, e principalmente contra os direitos dos cidadãos em ter acesso a obras legítimas e os direitos da sociedade em ter preservado seu patrimônio imaterial. Pois imagine que empobrecimento de nossa cultura geral! Você está lendo a prosa de Eça tradutor, de Lobato tradutor, de Odorico tradutor, e nem sabe! E depois vai dizer: "Ai, mas que coisa difícil esse Homero", ou "Nossa, Monteiro Lobato traduzia? Eu não sabia..."

De qualquer maneira, temos visto surgir muitas e boas traduções nos últimos anos, diretamente da língua de origem dos livros, o que não acontecia até alguns anos atrás. O que, de fato, mudou para melhor? E o que ainda precisa melhorar, em se tratando das traduções no Brasil?

Bottmann. Sim, é verdade, ufa, que bom. Acho que é fruto de um amadurecimento gradual do setor editorial. Pois todos esses descalabros que me deixam doente, e imagino que deixem muita gente doente, são praticados por uma pequena minoria de casas editoriais. Seus efeitos são medonhos, já comentei isso antes, e a impunidade que tem cercado esse vicejamento dos plágios a partir de 1999 é também um dos principais elementos a contribuir para esse fenômeno. Já disse também: acho que a DDI pode ter aí um bom papel para dirimir esse tipo de conflito leitor lesado x editora lesiva; acho que o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e as promotorias da Justiça do Consumidor têm mostrado maior sensibilidade ao problema e assim por diante.

Posto isso, olha, sinceramente acho que as traduções no Brasil, graças aos bons praticantes do ofício, às editoras sérias e idôneas e aos leitores atentos e exigentes, estão indo bem, obrigado.

E uma última questão é: será que a Câmara Brasileira do Livro (CBL) e o Sindicato Nacional dos Editores do Livro (Snel) poderiam se manifestar claramente sobre a situação dos plágios no país?



*Bruno Dorigatti foi editor do Portal Literal entre setembro de 2009 e junho de 2010. Foi subeditor e repórter do Portal Literal de março de 2005 a março de 2009.

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