Fernando Pessoa (Ricardo Reis) - Poema






Fernando Pessoa








Deixemos, Lídia



Deixemos, Lídia, a ciência que não põe
Mais flores do que Flora pelos campos,
Nem dá de Apolo ao carro
Outro curso que Apolo.

Contemplação estéril e longínqua
Das coisas próximas, deixemos que ela
Olhe até não ver nada Com seus cansados olhos.
Vê como Ceres é a mesma sempre

E como os louros campos intumesce
E os cala prás avenas Dos agrados de Pã.
Vê como com seu jeito sempre antigo
Aprendido no orige azul dos deuses,

As ninfas não sossegam Na sua dança eterna.
E como as heniadríades constantes
Murmuram pelos rumos das florestas
E atrasam o deus Pã. Na atenção à sua flauta.

Não de outro modo mais divino ou menos
Deve aprazer-nos conduzir a vida,
Quer sob o ouro de Apolo Ou a prata de Diana.
Quer troe Júpiter nos céus toldados.

Quer apedreje com as suas ondas
Netuno as planas praias E os erguidos rochedos.
Do mesmo modo a vida é sempre a mesma.
Nós não vemos as Parcas acabarem-nos.

Por isso as esqueçamos Como se não houvessem.
Colhendo flores ou ouvindo as fontes
A vida passa como se temêssemos.
Não nos vale pensarmos No futuro sabido

Que aos nossos olhos tirará Apolo E nos porá longe de
Ceres e onde Nenhum Pã cace à flauta
Nenhuma branca ninfa.
Só as horas serenas reservando
Por nossas, companheiros na malícia
De ir imitando os deuses Até sentir-lhe a calma.

Venha depois com as suas cãs caídas
A velhice, que os deuses concederam
Que esta hora por ser sua Não sofra de Saturno
Mas seja o templo onde sejamos deuses
Inda que apenas, Lídia, pra nós próprios
Nem precisam de crentes Os que de si o foram.


Imagem retirada da Internet: Flores Amarelas.

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