Raul Bopp - Poema






Raul Bopp






Bruxo



Longe
léguas adentro o Brasil parou
Parou a estrada

O homem pôs-se a decifrar a floresta
Deus ficou lá em cima recolhendo os silêncios

Curandeiro tomou diamba
Fez cosquinha de chamar sono
e virou bruxo

Estendeu a alma do lado de fora
Veio o gato e comeu

- Ai me leva! O rio crescia
Ficou só uma canoinha
- O vira-sebo te come!

Chegavam árvores e mais árvores
uma delas de raízes imensas
mastigando o Brasil

Vieram depois outros homens
Mandaram buscar o metro para medir a paisagem
Cobra Grande deu um peido: fium
Arvorezinha secou

Trovão tossiu feio
Tartaruga pôs a cabeça do lado de fora
ver se vinha chuva

- Ai me leva que está escuro
Bruxo esfregou os olhos

Floresta estava com fome
Formiga virou cipó
Vento assobiou Curupira passou
Cortou um pedaço da perna
A carne começou a gritar na barriga

Canoinha piquininha
desfiou-se na fumaça
Fumaça virou fumacinha

Ficou só o olho do bruxo
inchado
enorme
crescendo

Quando a sombra chegou
as árvores tinham fugido

Então a noite dissolveu sono
e meteu a floresta num saco



In. Cobra Norato e outros poemas. Raul Bopp. 13ª. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1984, p.109-110.


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